segunda-feira, setembro 15, 2014

Nós



É um livro já com cerca de quatro anos. Não chega a 200 páginas. Deve ser a obra que já ofereci mais vezes a amigos. Escreve-a Marcello Duarte Mathias, meu colega de profissão, uma das pessoas cuja escrita me dá mais prazer ler. Hoje, sei lá bem porquê, deixo aqui um dos aforismos deste magnífico volume.
 
"Somos, de facto, uma gente curiosa: oito séculos de História e não temos memória colectiva. Nem tradições tão-pouco, ou troçamos delas com o olho videirinho do espertalhão que não se deixa enganar.
É o acaso que nos governa, e não o lastro da memória e dos séculos. É o acaso que nos faz e desfaz como se fôssemos órfãos. Como se afinal, depois deste tempo todo, fôssemos órfãos de nós mesmos. (O acaso é aquilo que substitui a vontade nos homens sem vontade.) Daí o tom da improvisação, que tão bem nos define. Daí esta característica: nada é feito com intenção, nada obedece a um propósito, nada se inscreve numa perspectiva ou num pensamento. Em Portugal nunca nada é deliberado, nem sequer a ordinarice".

9 comentários:

Anónimo disse...

acha mesmo que sois só vós?

Defreitas disse...

Sempre compreendi que Portugal só teve duas épocas em que forjou o seu destino, ele mesmo, estabelecendo projectos, deliberando e agindo para sua efectivação. Foi dos anos 1140 aos anos 1440, quando se formou a Nação, e dos anos seguintes até à Revolução de 1974, época da expansão colonial.

Quem deliberou e agiu nestas duas fatias da História não foi o Povo. Foram as elites: a nobreza e mais tarde a burguesia . O povo não era consultado, fornecia apenas o seu trabalho aos projectos.

Hoje delibera-se, projecta-se o nosso destino no estrangeiro. Portugal cessou de existir.

A economia foi durante séculos directamente associada ao Império, aos seus recursos, o que implicou a criação duma administração politica, militar e religiosa encarregada de o controlar e manter no poder Português.
Povo tão pequeno para um vasto Império espalhado nos cinco continentes. Foi o êxodo de milhares de indivíduos ,de todas as camadas sociais , onde havia de tudo, do melhor e do pior, para colonizar, explorar e administrar as riquezas descobertas.

Para explorar mais rapidamente as conquistas vamos utilizar a escravatura . Permitia o lucro imediato, para sectores necessitando trabalho pouco qualificado, desvalorizando o trabalho, facto que deixou marcas na mentalidade portuguesa. Muitos empresários Portugueses continuam a basear a sua competitividade na exploração dos baixos salários dos trabalhadores.

Não quero dizer que foram os negreiros os únicos responsáveis desta mentalidade retrógrada, que influenciou negativamente o desenvolvimento do pais. O Estado , desde o século XV que alberga as elites dirigentes, - antes era a nobreza e agora é a burguesia, que são por vezes descendentes dos primeiros, - onde os seus altos funcionários, viviam das rendas das possessões ultramarinas. Hoje vivem dos altos salários da banca e das empresas nacionais, às quais chegam pela política, e vice-versa !

A lógica de funcionamento e manutenção do Império acabou por condicionar o desenvolvimento de uma verdadeira cultura de cidadania. Durante séculos proliferam em Portugal os exemplos de políticos, funcionários e intelectuais com a mentalidade de antigos negreiros, tendo como único objectivo o saque da Res-Pública (coisa pública).

Depois veio a Revolução. Portugal, em 1974, era um país muito pobre no contexto europeu : elevadas taxas de analfabetismo, pobreza endémica, sistema de saúde precário, redes viárias e de comunicações caducas, um funcionalismo público centralista e parasitário, despesas militares que absorviam a maior parte dos recursos do país, etc.

Apesar de tudo, após trinta anos de regime democrático, o balanço é fracamente positivo. Portugal melhorou de forma surpreendente todos os seus indicadores económicos, sociais, culturais, etc. Mas ainda existem zonas de sombra terríveis no respeito da ética e do interesse dos cidadãos pela coisa pública.

Mas como muito bem escreve o autor preferido do Senhor Embaixador: "Somos, de facto, uma gente curiosa: oito séculos de História e não temos memória colectiva.".

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu caro Francisco
Eu tenho uma admiração enorme por Marcello Mathias. E uma ternura especial pelo filho do mesmo nome, de quem me considero amiga, pese embora a nossa diferença de idades.
Este livro que tenho com uma dedicatória do autor é, também, aquele que mais vezes ofereci aos amigos. E a frase que o Francisco escolheu é paradigma do que somos e de quem somos. Bem haja por a relembrar!

Anónimo disse...

Um Homem terá pelo menos dado a partida para a descoberta do sentido da vida humana, quando começar a plantar árvores frondosas, sob as quais sabe muito bem, que, jamais se sentará.

Anónimo disse...


ao que me parece
- praticamente todos os países durante milénios utilizaram escravos até que as máquinas e sobretudo o vapor vieram, graças a Deus, substituir o seu trabalho

- todos os países a um momento da sua história conquistaram outros países ou regiões, mal alcançavam a força suficiente para tal
- os outros países dos outros impérios europeus ainda se desfizeram mais rapidamente,
- a independência das colónias é na maioria das vezes apoiada por entidades que desejam ocupar e tirar proveito do espaço
- outros países sofreram grande miséria,
ver por exemplo a história da Irlanda

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_grande_diaspora_irlandesa.html

- muitos portugueses têm dois empregos para conseguir mais dinheiro para a família, não será por acaso ou falta de vontade

- a maior parte dos portugueses têm casa própria,
não é acaso, são necessários muitos sacrifícios

então penso que seria melhor relativizar e que há muitos clichés
que se escrevem
e o facto de se ter ou não indústrias depende do poder de negociação que os países têm e da força dos subsídios

Anónimo disse...

Por outro lado Nós somos uma gente que tem no seu seio o civilizado João Botelho que realiza uma obra como os seus Maias! (ou não tivesse ele tido a iniciação no Ribadouro e, quem sabe, na célebre esquina).
Claro que os Dâmasos são aos montes e Egas nem vê-los...
antónio pa

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro antonio pa: não vai acreditar se lhe disser que, há menos de 15 minutos, acabei de beber umas cervejolas com o João Botelho. Não foi na Ribadouro, foi no Snob

Anónimo disse...

A falar dos Gouvarinho (s) …? Ou das Gouvarinho (s)? Ah, a Gouvarinho! Bela atriz! Boa atriz!
antónio pa

Helena Sacadura Cabral disse...

O comentário do Anónimo das 17:42 levanta uma questão muito importante: somos gente, de facto, quando trabalhamos para que os que vêem depois vivam melhor.
Deveria ser esse o cerne da práticapolítica. Infelizmente, a política partidária, só tem impedido que tal aconteça.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...