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sexta-feira, janeiro 13, 2012

João Alves das Neves (1927-2012)

Em 2005, quando cheguei ao Brasil, levava comigo o interesse em conhecer João Alves das Neves, um jornalista português há muito radicado em S. Paulo. Ouvira falar dele ao meu primo Carlos Eurico da Costa, com quem havia trabalhado nessa breve e pouco conhecida aventura jornalística portuguesa que foi o "Diário Ilustrado". Como outros jornalistas portugueses oriundos dessa experiência, Alves das Neves viria sair para o Brasil e a ingressar em "O Estado de S. Paulo". Durante décadas, vir o seu nome ser referido, em Portugal, associado a diversas atividades públicas realizadas no Brasil.

Encontrei João Alves das Neves pouco tempo depois de estar no Brasil, no tradicional almoço semanal da Casa de Portugal. Ao longo do tempo que estive naquele país, fomos mantendo um contacto escrito regular e, por diversas vezes, conversámos em S. Paulo. Lembro-me bem de, uma tarde, ter de lhe acalmar os seus ânimos agitados contra a gestão do nosso consulado-geral em S. Paulo. Era um homem emotivo, porque era uma figura muito apaixonada por tudo aquilo em que empenhava.

João Alves das Neves foi uma personalidade que se preocupou com a divulgação da cultura e da literatura portuguesa no Brasil, estando ligado a inúmeras iniciativas nesse âmbito, muito em especial através do movimento associativo da comunidade. Tinha um especial interesse em Fernando Pessoa, cujo Centro de Estudos criou, em S. Paulo.

Morreu agora na sua terra beirã, de que sempre falava com saudade.

quinta-feira, dezembro 29, 2011

Havel e Corvacho

Neste final de ano, morreram Václav Havel e Eurico Corvacho.

Visitei Havel em Praga, acompanhando António Guterres, no final dos anos 90. Conheci pessoalmente Corvacho, em 1974/75, nos tempos do MFA.

A morte de Václav Havel mereceu grandes e merecidos títulos. O herói da Revolução "de veludo", um humanista e um democrata, concitou loas de todos os quadrantes. Contrariamente a Alexander Dubček, Havel escapou à habitual tragédia das figuras-charneira da História e viu, em vida, consagrado o seu papel. Intelectual e escritor, apoiou o caminho do seu país em direção à União Europeia, depois da partilha da Checoslováquia. E morreu em glória.

Muito menos leitores deste blogue ouviram falar de Eurico Corvacho. Foi um militar de abril, próximo da "esquerda militar", o grupo que então mais se ligou ao Partido Comunista Português. Foi comandante da Região Militar Norte e a sua imagem surgiu pela primeira vez aos portugueses, pela televisão, a denunciar a atividade de um grupo de extrema-direita que se opunha à Revolução, o ELP - Exército de Libertação de Portugal. Foi membro do Conselho da Revolução. E morreu esquecido.

Havel e Corvacho tinham pouco a ver um com o outro? O discurso maniqueu, tão no "l'air du temps", dirá que Havel quis a democracia para o seu país e que Corvacho apenas queria implantar uma nova ditadura. Eu digo que, cada um, à sua maneira, teve uma ideia de liberdade para o seu país. A História favoreceu aquele que, afinal, tinha razão. Ainda bem.

terça-feira, dezembro 13, 2011

O excelente José Gravia

A notícia chegou-me na noite de ontem: morreu, no Brasil, José Gravia. A generalidade dos leitores deste blogue, bem como a imensa maioria dos brasileiros (que não dos brasilienses, que são os brasileiros de Brasília), não fará a mais leve ideia de que era este português, saído de Ourém para o Brasil, há mais de 60 anos, que a pulso construiu um nome e a rara dignidade de o poder usar como carta de confiança. Eu também nunca ouvira falar nele, até 2005.

O nome de José Gravia tinha vindo à baila, a montante da minha partida para Brasília, numa conversa durante a qual o meu antecessor, embaixador António Franco, me tentou indicar algumas figuras de referência no seio da nossa comunidade. Recordo-me bem do que disse: "Tens por lá um grande senhor, um homem de bem, o excelente José Gravia". Na memória, ficou-me para sempre o "excelente". Quatro anos de Brasília e de contacto com a nossa comunidade confirmaram a consabida agudeza de leitura de carácteres do António Franco.

Já em Brasília, conheci cedo a Raquel e o José Gravia, creio que em casa do António Luis Cotrim. Era um homem grande, com um permanente sorriso, gentil no trato e suave nas palavras. Tinha uma história longa de trabalho, de iniciativa e de sucesso empresarial. "Candango" (primeiros ocupantes de Brasília) por opção de vida, passou a fazer a sua atividade profissional no planalto, entre Anápolis e a cidade-satélite de Taguatinga, onde presidiu à Associação Portuguesa de Brasília, cujas magníficas instalações muito lhe devem. Portugal e o Brasil atribuiram-lhe, a seu tempo, merecidas distinções. Era  conhecido como um homem solidário, amigo de fazer bem. Encontrávamo-nos a espaços e lembro-me bem de uma longa conversa, num dos muitos jantares em que coincidimos, onde me elucidou, com equilíbrio, realismo e sabedoria, sobre algumas peculiaridades da sensível relação entre a política local e os interesses económicos. Reavaliei muita coisa, depois do que dele ouvi.

Aos homens fora do comum devemos evitar os lugares-comuns. Mas são estes que frequentemente ocorrem na reação simples de quantos, não sendo poetas ou mágicos da escrita, pretendem apenas deixar uma nota sentida pela saída de cena de alguém que muito respeitavam. Como o é este nosso abraço à Raquel, à memória do amigo José Gravia.

sexta-feira, dezembro 02, 2011

José Mensurado (1931-2011)

José Mensurado faz parte do cenário de um Portugal televisivo que atravessou as décadas de 60 e 70. Era um homem culto, com um estilo e uma postura muito próprios, produto e fautor de um certo jornalismo televisivo, elegante e conservador. Para muitos portugueses, que seguiam as aventuras espaciais ao tempo em que elas eram entusiasmantes na televisão, José Mensurado era a voz que sublinhou esses feitos, que acompanhou e relatou a memorável noite de 20 de julho de 1969, em que o homem chegou pela primeira vez à lua.

Há já alguns anos, em Lisboa, no bar Procópio, a Alice Pinto Coelho (ela lembrar-se-á, estou certo) disse-me: "Está ali o José Mensurado, que gostava de o conhecer". Mudei de mesa e, durante quase uma hora, falei com José Mensurado, trocando memórias e imagens de gentes cruzadas por ambos, ideias sobre a Europa que lhe mobilizava a curiosidade, bem como sobre a vida internacional em geral, que manifestamente o entusiasmava.

Consegui arranjar a coragem para lhe justificar, num tom bem mais cordial do que utilizara à época, uma chamada telefónica que eu um dia fizera, em direto para um programa de rádio em que ele participava, confrontando-o com a tristemente célebre mesa redonda televisiva que ele em tempos moderara, que passou a ser lida pela História como justificativa da extinção, pela ditadura, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Nessa mesa redonda haviam participado, entre outros, Amândio César e Mário António - o poeta angolano que havia sido meu professor de quimbundo e que reagira bastante mal, quando, também um dia, lhe falei no assunto.

Senti também a obrigação imperativa de falar a José Mensurado naquilo que a manhã subsequente ao dia 25 de abril representara para ambos: um dia em que eu estava entre os militares que ocupavam os estúdios do Lumiar da RTP, sabendo que ele estava à porta, impedido de entrar pela nova "situação".

Além destes temas mais sérios, que Mensurado discutiu com assinalável abertura, rimo-nos com a história dos "árabes da Rua do Século", que já aqui contei, em que ele fora involuntário comparsa.

O José Mensurado que encontrei no Procópio era um homem sereno, uma personalidade interessante, que ganhara uma tolerância de ideias e um modo digno e sério de as afirmar. No final dessa conversa, que acabou na promessa mútua, nunca cumprida, de um jantar futuro, fiquei com a sensação de que teria bastante gosto em vir a conhecê-lo melhor. Isso não aconteceu. Morreu ontem, com 80 anos.

terça-feira, novembro 22, 2011

Danielle Mitterrand (1924-2011)

Alguém disse, um dia, que Danielle Mitterrand, que agora desapareceu, era a consciência de esquerda do seu marido. Mulher de causas, atenta à vida e às injustiças internacionais, nunca deixou de ser uma personalidade bastante discreta na vida pública francesa, onde media as suas aparições com grande parcimónia. Apaga-se agora o sorriso daquela cara com olhos felinos, atrás do qual se adivinhavam os segredos de uma relação complexa com um dos homens mais misteriosos da história francesa contemporânea.

quinta-feira, outubro 06, 2011

Steve Jobs (1955-2011)

Por pouco que alguns tenham a ver com a "escola" Apple, há que reconhecer que o mundo da informática fica muito a dever a Steve Jobs, o génio que hoje desaparece.

sábado, outubro 01, 2011

Rosário

Estou certo que a Rosário teria gostado do momento que os seus familiares e amigos criaram na quinta-feira, no Père Lachaise, na muito triste e emocionada despedida que muitos lhe fomos prestar.

Com o Álvaro Vasconcelos, seu marido, a Rosário de Moraes Vaz foi a espinha dorsal dessa grande aventura de modernidade no pensamento geopolítico português que constituiu o Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais, cuja revista "Estratégia" ela propria dirigiu.

Lembro-me bem dos debates que tivemos no âmbito do EuroMesco, essa rede a que ela tanto se dedicou, na busca de soluções para o espaço do Mediterrâneo, o tema que sempre a fascinou. E as discussões sobre a Europa, onde estivemos bastante distantes para, mais tarde, coincidirmos muito nas nossas perspetivas.

A Rosário era uma personalidade forte, frontal, com muitas ideias e com vastas razões para as afirmar. Muito culta, atenta às questões do mundo, iluminava as discussões e revelava a sua inteligência brilhante, num "tandem" sempre criativo com a serenidade profunda do Álvaro. 

Recordo, agora com saudade, a nossa última conversa, na sua casa, aqui em Paris, ela com o seu inseparável cigarro e o seu entusiasmo transbordante. E, depois, o último dia em que brevemente falámos, no ano passado: ambos de muletas, fruto de acidentes, saídos de uma conferência sobre a Europa, na Gulbenkian de Paris. Ironizámos que estávamos ambos como o próprio projeto europeu...

sábado, setembro 24, 2011

José Niza (1938-2011)

Que venha o sol o vinho e as flores
Marés, canções de todas as cores
Guerras esquecidas por amores;

Que venham já trazendo abraços

Vistam sorrisos de palhaços
Esqueçam tristezas e cansaços;

Que tragam todos os festejos

E ninguém se esqueça de beijos
Que tragam pendas de alegria
E a festa dure até ser dia;

Que não se privem nas despesas

Afastem todas as tristezas
Pão vinho e rosas sobre as mesas;
Que tragam cobertores ou mantas
E o vinho escorra p'las gargantas
E a festa dure até às tantas;

Que venham todos de vontade

Sem se lembrarem de saudade
Venham os novos e os velhos
Mas que nenhum me dê conselhos!

Que venham todos de vontade

Sem se lembrarem de saudade
Venham os novos e os velhos
Mas que nenhum me dê conselhos! 

Na morte de José Niza, um homem solidário e sonhador, aqui fica, em homenagem, a sua "Festa da vida", a letra que construiu para a canção, com música de José Calvário, com que Carlos Mendes ganhou o Festival RTP da Canção, em 1972.

quarta-feira, agosto 24, 2011

Bartolomeu Cid dos Santos

Oitenta, Bartolomeu? Já? Como o tempo passa...Podes arrumar a t-shirt. O Obama já se encarregou disso.

domingo, julho 24, 2011

Pelo jornais


Este é um verão cruel. Há dias, partiu a Maria José. Hoje, saem de cena o Henrique e a Maria Lúcia.

Nunca me tinha acontecido: olhar um jornal e descobrir, por ele, a morte de um amigo, o local e hora do seu funeral. Fiquei parado, desejando, por um instante, que se tratasse de um confusão de nomes, hipótese logo afastada por outra identificação inequívoca. Morreu o Henrique Bandeira Vieira.

À noite, no telejornal, sou surpreendido com a noticia da morte de Maria Lúcia Lepecki.

No início de Maio, em Paris, o Henrique apareceu-nos, para jantar. Foi um reencontro alegre, uma bela noite de conversa. Meses antes, eu falhara um encontro em sua casa, em Portugal, onde queria juntar-nos com outros amigos. Falámos longamente das pessoas do nosso tempo comum em Angola, onde nos conhecêramos no início da década de 80, dos anos em que depois coincidimos em Londres. Recordámos noites calmas de conversa com a Pascale - em Bruxelas, no Algarve e em Cascais. Era um homem positivo, com uma família unida, com projetos, com vontade, sempre construindo futuros, que progredira, com muito sucesso, no mundo empresarial internacional.  Revelou-nos o seu entusiasmo com um empreendimento turístico alentejano, de grande vulto, em que se envolvera recentemente. Soube, há pouco, que, nessa mesma noite parisiense, ele tinha já preocupações com o seu estado de saúde. Mas nada nos deixou transparecer, salvo uma magreza que nos pareceu um tanto excessiva.

Encontrei a Maria Lúcia, pela última vez, há mais de um ano. Cruzámo-nos num centro comercial. Prometemo-nos um encontro que adiávamos há muito. Conheci-a no final dos anos 60, quando ela vivia com o Carlos Eurico da Costa, meu primo e meu grande amigo. Vinha do Brasil, professora universitária, interessada na literatura portuguesa, sobre a qual escreveu. Os serões lá em casa tinham imensa graça, com Orlando da Costa, José Cardoso Pires, Jacinto Baptista, Maria Velho da Costa e outras tantas figuras de um mundo literário lisboeta da época. Viajámos pelo país, passámos férias juntos, discutimos a vida, por horas perdidas de conversa. Essa mesma vida deu muitas voltas, o casal acabou  um dia e eu passei a ver a Maria Lúcia só a espaços. Comigo no Brasil, trocámos e-mails, mandei-lhe um livro que tinha escrito sobre a minha experiência no seu país, felicitei-a pelo imenso sucesso académico do seu filho André, um dos orgulhos da sua existência.

Um adeus para a Maria Lúcia e para o Henrique.

quarta-feira, julho 13, 2011

Jan Kulakowski

Tínhamos uma considerável diferença de idades mas, pelo que me apercebi nos vários contactos que com ele tive, não tínhamos grandes diferenças em relação à ideia da Europa. Falava um francês magnífico, como muitos polacos da sua geração.

Jan Kulakowski, que até há dois anos era deputado europeu, teve a seu cargo o dossiê da integração europeia, no gabinete do seu primeiro-ministro, nos anos 90. Sindicalista de origem, foi locutor de rádio e chefiou a delegação polaca junto da União Europeia.

Conheci-o em Bruxelas, em fins de 1995. À primeira vista era um homem fechado, mesmo difícil. À medida que conosco se abria, descobríamos uma figura muito elaborada, com um grande culto pela história. Uma noite, num jantar na embaixada polaca no Restelo, contou-me pormenores muito interessantes da história do movimento sindical na Polónia, que haveria de ser a grande alavanca para o futuro democrático do país. Fez-me então perceber esse mundo de contradições em que emergiu Lech Walesa. Era um sábio e disse-me uma frase que nunca esqueci: "Amo a Europa porque amo a Polónia". 

Morreu há dias.

domingo, julho 10, 2011

Jorge Lima Barreto

Duvido que o Jorge Lima Barreto, que agora morreu, se identificasse com a imagem caricatural do jazz que transparece desta tapeçaria do chileno Pedro Huart. Ele era mais de um "outro jazz", de um estilo com o qual nunca tive grande afinidade.

Fui amigo do Jorge desde os tempos de liceu, em Vila Real, onde ele apareceu, vindo da sua Vinhais natal, para fazer o antigo 5º ano do liceu. Era uma figura atípica, agitada, de olhar entre o grave e a gargalhada, que perturbava a serena cidade transmontana, naqueles anos 60.

Perdemo-nos de vista por algum tempo. Voltámos a ver-nos em Lisboa, a espaços, quando as coincidências isso propiciavam, cada um nos seus mundos, bem diferentes. Às vezes, lia com curiosidade o que ele escrevia. Procurei ouvir, com esforçada atenção, o que ele interpretava. Como disse, não fui muito sensível a ambos os registos mas, entre nós, mantinha-se, nas episódicas breves conversas, aquela confortável memória de tempos antigos.

Há uns anos, no Brasil, através do seu irmão, o ator Luis Lima Barreto, mandei-lhe o meu penúltimo abraço. Aqui vai o último. 

sábado, julho 09, 2011

Otão de Habsburgo

Só hoje falo do desaparecimento de Otão de Habsburgo, que teve lugar há já uns dias. Mas este atraso não tem a menor importância, porque também ele fez esperar a morte pelos muitos e bons 98 anos.

Sai de cena um descendente de outra Europa, o herdeiro virtual do império austro-húngaro. Acabou por ser protagonista ativo da Europa contemporânea ao manter-se, durante 20 anos, deputado ao Parlamento Europeu e um ardente defensor da unidade europeia. Politicamente cultivava opções ideológicas muito conservadoras.

Otão de Habsburgo viveu uma parte da sua vida em Portugal. Foi um dos beneficiados com os vistos dados por Aristides Sousa Mendes, o que permitiu à sua família atravessar a fronteira franco-espanhola e seguir para o exílio nos Estados Unidos, através de Portugal.

Conta-se que, um dia, ao ouvir dizer que havia um jogo de futebol Áustria-Hungria, terá perguntado: "contra quem?".

sexta-feira, julho 08, 2011

Diogo Vasconcelos

Não conhecia pessoalmente Diogo Vaconcelos, que ontem faleceu em Londres. Mas tinha (e ainda tenho) a honra dele figurar como seguidor deste blogue - onde aparece numa fotografia com a muralha da China por detrás, que aqui prefiro a outras existentes na net com melhor resolução.

Temos amigos comuns, sabia que era das grandes figuras portuguesas dedicadas às novas tecnologias e recordo bem o seu sorriso amável em algumas ocasiões em que o vi na televisão.

Ontem fui a Lisboa despedir-me de uma amiga. Hoje, despeço-me aqui de um amigo virtual, que segue a mesma viagem.

sexta-feira, junho 24, 2011

Aquela gabardine

Vou ter saudades daquela gabardine, daquele jeito desajeitado de coçar a cabeça posta de lado, daquele olhar enviesado a rasar o chão, daquele tabaco orgulhosamente incorreto, daquela gravata descaída (agora já tão em moda...), daquela inteligente dúvida final que, quase sempre, traçava o princípio do fim do culpado.

Morreu Peter Falk, o detetive "Columbo", um anti-herói, um dos meus atores íntimos.

quarta-feira, junho 08, 2011

Semprún

Hoje, como membro do júri do "Prix des Ambassadeurs" (um prémio literário anual sobre história política, atribuído por um júri constituído por 20 embaixadores acreditados em Paris, escolhidos sob a égide da Académie Française), apresentei um parecer sobre "Le Bolchevisme à la française", de Stéphane Courtois, um livro que é um "pavé" de cerca de 600 páginas, sobre o comunismo em França (já agora: não aconselho o livro). 

Nesse texto, citei, a certo passo, Jorge Semprún, o escritor e político hispano-francês que efetuou um processo de afastamento do PC espanhol e que, a esse propósito, escreveu, entre outros, um livro muito curioso -  "Autobiografia de Federico Sanchez".

No termo da minha intervenção, um colega revelou que Semprún morrera, ontem, aqui em Paris.

Foi por recomendação do António Massano que conheci, nos anos 70, essa obra, creio que editada pela Moraes. A "Autobiografia" foi apenas o primeiro dos vários livros de Semprún que fui lendo ao longo dos anos - sobre o seu tempo de prisioneiro dos nazis, a sua vida no universo clandestino comunista, o seu regresso à Espanha democrática e vários outros temas e pretextos. Se tivesse de recomendar uma única obra de Semprún, eu optaria por "Le mort qu'il faut" (não faço ideia se há tradução portuguesa), sobre a experiência no campo de concentração de Buchenwald.

Pela riqueza da sua vida, Semprún fazia parte daquelas pessoas que eu gostaria de ter conhecido pessoalmente.

segunda-feira, junho 06, 2011

António Manuel (1959-2011)

Chamava-se António Manuel dos Santos, mas (como muita gente) sempre o conheci apenas por António Manuel. Jornalista de profissão, já só o vim a encontrar como "operacional" político, como colaborador de Vitor Constâncio, Jorge Sampaio e António Costa. Figura imponente, era o exemplo de um "falso lento", com raro instinto político e eficaz sentido de organização, em especial na área da relação com os media. E de uma lealdade à prova de bala.

Não tínhamos uma grande intimidade, apenas uma muito boa relação pessoal. Não o via há muito, desde que partira para Bruxelas, para trabalhar no Parlamento Europeu.

Morreu ontem. A prova da sua discrição é também dada pelo facto de não ter conseguido encontrar uma foto sua para ilustrar este post.

Fica um abraço triste para o António Manuel.

terça-feira, maio 17, 2011

Délio Machado

Chegou-me a notícia: morreu, em Vila Real, Délio Machado. Imagino que a esmagadora maioria dos leitores deste blogue não faça a menor ideia de quem ele era. Tratava-se de um homem simpático, na casa dos 80 anos, com um permanente sorriso, uma figura cuja imagem fazia parte do meu cenário da cidade, desde a infância. De uma família visceralmente "republicana" (vocábulo para significar "democrata"), foi um cíclico activista nas escassas aberturas "eleitorais" do Estado Novo.

No pequeno mundo que era Vila Real, no final dos anos 60, aproximei-me dele por via da política. Ele era um moderado, num tempo em que eu era um radical. Recordo, por exemplo, discordarmos fortemente sobre o modo de abordar o tema da política colonial. Trabalhámos juntos, e conhecemo-nos melhor, na montagem da máquina da Comissão Democrática Eleitoral, que, em Vila Real, concorreu às "eleições" de 1969. No alto dos meus 21 anos, com ele e com Otílio de Figueiredo, coube-me então a honra de integrar a delegação que fez a entrega formal da lista oposicionista do distrito ao Governador civil do regime.

Délio Machado era um eficaz operacional político. No seu rápido NSU - ele que foi sempre um homem dos automóveis - corremos "seca e meca" a tentar mobilizar figuras tidas como "gente fixe", em diversas localidades, pessoas que tinham estado "conosco" (não comigo, claro) nos tempos "do Norton e do Delgado". Tivemos então algumas boas surpresas, muitas outras desilusões e, numa tarde, escapámos por uma unha negra a uma sova de varapau em Abaças, ameaçados por gente da "situação". No final dessa bela aventura política, levámos uma já esperada "abada", sob a criativa aritmética de resultados da ditadura. Mas divertimo-nos imenso. E ficámos, para sempre, com uma relação de amizade e solidariedade.

Passaram, entretanto, quatro décadas. A vida fazia com que nos encontrássemos apenas a espaços, nas minhas passagens por Vila Real. Falávamos da política de hoje e recordávamos, por vezes, episódios dessa intensa jornada de outrora. Chegámos mesmo a planear organizar algo para fixar a memória desses tempos. Tal, porém, nunca se proporcionou.

Há poucos anos, teve a amabilidade de me oferecer a sua documentação política, que ainda não tive oportunidade de tratar. Agradeci-lhe o gesto, numa visita que lhe fiz, no lar onde estava alojado, no último dia de 2009, a desejar-lhe um bom ano. Não tive possibilidade de lhe ir dar um novo abraço, como era minha intenção, no final do ano passado. E, agora, já não o posso fazer.

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...