José Mensurado faz parte do cenário de um Portugal televisivo que atravessou as décadas de 60 e 70. Era um homem culto, com um estilo e uma postura muito próprios, produto e fautor de um certo jornalismo televisivo, elegante e conservador. Para muitos portugueses, que seguiam as aventuras espaciais ao tempo em que elas eram entusiasmantes na televisão, José Mensurado era a voz que sublinhou esses feitos, que acompanhou e relatou a memorável noite de 20 de julho de 1969, em que o homem chegou pela primeira vez à lua.
Há já alguns anos, em Lisboa, no bar Procópio, a Alice Pinto Coelho (ela lembrar-se-á, estou certo) disse-me: "Está ali o José Mensurado, que gostava de o conhecer". Mudei de mesa e, durante quase uma hora, falei com José Mensurado, trocando memórias e imagens de gentes cruzadas por ambos, ideias sobre a Europa que lhe mobilizava a curiosidade, bem como sobre a vida internacional em geral, que manifestamente o entusiasmava.
Consegui arranjar a coragem para lhe justificar, num tom bem mais cordial do que utilizara à época, uma chamada telefónica que eu um dia fizera, em direto para um programa de rádio em que ele participava, confrontando-o com a tristemente célebre mesa redonda televisiva que ele em tempos moderara, que passou a ser lida pela História como justificativa da extinção, pela ditadura, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Nessa mesa redonda haviam participado, entre outros, Amândio César e Mário António - o poeta angolano que havia sido meu professor de quimbundo e que reagira bastante mal, quando, também um dia, lhe falei no assunto.
Senti também a obrigação imperativa de falar a José Mensurado naquilo que a manhã subsequente ao dia 25 de abril representara para ambos: um dia em que eu estava entre os militares que ocupavam os estúdios do Lumiar da RTP, sabendo que ele estava à porta, impedido de entrar pela nova "situação".
Além destes temas mais sérios, que Mensurado discutiu com assinalável abertura, rimo-nos com a história dos "árabes da Rua do Século", que já aqui contei, em que ele fora involuntário comparsa.
Consegui arranjar a coragem para lhe justificar, num tom bem mais cordial do que utilizara à época, uma chamada telefónica que eu um dia fizera, em direto para um programa de rádio em que ele participava, confrontando-o com a tristemente célebre mesa redonda televisiva que ele em tempos moderara, que passou a ser lida pela História como justificativa da extinção, pela ditadura, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Nessa mesa redonda haviam participado, entre outros, Amândio César e Mário António - o poeta angolano que havia sido meu professor de quimbundo e que reagira bastante mal, quando, também um dia, lhe falei no assunto.
Senti também a obrigação imperativa de falar a José Mensurado naquilo que a manhã subsequente ao dia 25 de abril representara para ambos: um dia em que eu estava entre os militares que ocupavam os estúdios do Lumiar da RTP, sabendo que ele estava à porta, impedido de entrar pela nova "situação".
Além destes temas mais sérios, que Mensurado discutiu com assinalável abertura, rimo-nos com a história dos "árabes da Rua do Século", que já aqui contei, em que ele fora involuntário comparsa.
O José Mensurado que encontrei no Procópio era um homem sereno, uma personalidade interessante, que ganhara uma tolerância de ideias e um modo digno e sério de as afirmar. No final dessa conversa, que acabou na promessa mútua, nunca cumprida, de um jantar futuro, fiquei com a sensação de que teria bastante gosto em vir a conhecê-lo melhor. Isso não aconteceu. Morreu ontem, com 80 anos.
9 comentários:
Era de facto um homem sereno e viveu num mundo agitado sem perder essa serenidade.
Vivemos carregados de promessas que, de tanto esperarmos, adiarmos ou negligenciarmos, acabam por nunca se cumprir.
E mesmo estas partidas, que nos estremecem por instantes, se esfumam na esquina das corridas diárias.
Tantas vezes sem sentido algum.
Por razões de proximidade de residência, convivi algumas vezes, num restaurante de bairro, com José Mensurado nos últimos anos. Vimo-nos, pela última vez, há 3 dias. Há tempos, concluimos que as nossas idades estavam próximas. Quando ele era já uma figura pública, eu tinha "só" 20 anos. A diferença, tal como hoje, era de 12 anos. Era, de facto, um senhor, nascido na primeira metade do século XX. Os anos dão-nos a noção de relatividade dos factos e da História. Concordo com a nossa amiga Helena Sacadura Cabral. Era um homem sereno num mundo agitado. Paz à sua alma!
J Honorato Ferreira
Caro Honorato Ferreira: É um gosto lê-lo por aqui. Um abraço
Foi-se mais um dos meus grandes Amigos.
Trabalhámos juntos muitas vezes e fui eu que tive o prazer de o admitir no Diário de Notícias, onde demonstrou as enormes qualidades que possuía. Profissional e pessoalmente.
Tínhamos ideias políticas diferentes, mas isso nunca impediu a Amizade que nos unia e vinha de antes do 25 de Abril. À sua serenidade aliava-se também uma boa disposição imensa.
Dez anos mais velho do que eu também não foram motivo para ele me considerar júnior e eu o considerar sénior. Mais um que desaparece. Um destes dias, vou eu...
Tenho do Zé memórias vastas.Do tipo de Benguela que me pegou ao colo, ao jornalista que admirei. Controverso.
O Mensurado andou sempre à frente do seu tempo.A elegância não era um traço de roupagem, mas um sinal de uma glogal postura intelectual,que, por o ser, era, naturalmente, foco da mediocre inveja nacional.
O tempo resituou-o na sua casa,na sua família de democrata, na matriz da sua origem profissional , no já desaparecido Intransigente. de Benguela.
Daqui,de tão longe,quase meio atlântico, quanta saudade já, meu Camarada, meu Amigo
Um dos grandes SENHORES do meio audiovisual nacional.
O José Mensurado, o José Côrte-Real, o Raul Durão, entre outros, tinham uma sobriedade que desapareceu e deu lugar ao espectáculo com o recurso a expressões faciais e comentários pseudo-jocosos, como se a notícia tivesse de ser, simultaneamente, transmitida e encenada.
Isabel BP
Permita-me, Senhor Embaixador, que rejubile de ver por aqui o meu querido amigo José Honorato Ferreira, a quem mando um apertado abraço.
A sua casa, Senhor Embaixador, continua a ser um local de reencontro de velhas amizades. Que bom!
Caro Francisco, desta vez consegui "entrar" no seu blog e sensibilizaram-me a sua saudação e as palavras de júbilo da nossa amiga Helena Sacadura, por este reencontro de velhos amigos na sua casa. Voltarei mais vezes, certamente, depois desta recepção tão hospitaleira. Deixo aqui um grande abraço para ambos!
J Honorato Ferreira
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