terça-feira, maio 17, 2011

Délio Machado

Chegou-me a notícia: morreu, em Vila Real, Délio Machado. Imagino que a esmagadora maioria dos leitores deste blogue não faça a menor ideia de quem ele era. Tratava-se de um homem simpático, na casa dos 80 anos, com um permanente sorriso, uma figura cuja imagem fazia parte do meu cenário da cidade, desde a infância. De uma família visceralmente "republicana" (vocábulo para significar "democrata"), foi um cíclico activista nas escassas aberturas "eleitorais" do Estado Novo.

No pequeno mundo que era Vila Real, no final dos anos 60, aproximei-me dele por via da política. Ele era um moderado, num tempo em que eu era um radical. Recordo, por exemplo, discordarmos fortemente sobre o modo de abordar o tema da política colonial. Trabalhámos juntos, e conhecemo-nos melhor, na montagem da máquina da Comissão Democrática Eleitoral, que, em Vila Real, concorreu às "eleições" de 1969. No alto dos meus 21 anos, com ele e com Otílio de Figueiredo, coube-me então a honra de integrar a delegação que fez a entrega formal da lista oposicionista do distrito ao Governador civil do regime.

Délio Machado era um eficaz operacional político. No seu rápido NSU - ele que foi sempre um homem dos automóveis - corremos "seca e meca" a tentar mobilizar figuras tidas como "gente fixe", em diversas localidades, pessoas que tinham estado "conosco" (não comigo, claro) nos tempos "do Norton e do Delgado". Tivemos então algumas boas surpresas, muitas outras desilusões e, numa tarde, escapámos por uma unha negra a uma sova de varapau em Abaças, ameaçados por gente da "situação". No final dessa bela aventura política, levámos uma já esperada "abada", sob a criativa aritmética de resultados da ditadura. Mas divertimo-nos imenso. E ficámos, para sempre, com uma relação de amizade e solidariedade.

Passaram, entretanto, quatro décadas. A vida fazia com que nos encontrássemos apenas a espaços, nas minhas passagens por Vila Real. Falávamos da política de hoje e recordávamos, por vezes, episódios dessa intensa jornada de outrora. Chegámos mesmo a planear organizar algo para fixar a memória desses tempos. Tal, porém, nunca se proporcionou.

Há poucos anos, teve a amabilidade de me oferecer a sua documentação política, que ainda não tive oportunidade de tratar. Agradeci-lhe o gesto, numa visita que lhe fiz, no lar onde estava alojado, no último dia de 2009, a desejar-lhe um bom ano. Não tive possibilidade de lhe ir dar um novo abraço, como era minha intenção, no final do ano passado. E, agora, já não o posso fazer.

10 comentários:

Fernando B. disse...

Uma joia de Homem...Como seu irmão Helder... Faltou a referencia ao Sport Club de Vila Real.Jogou lá, muitos anos, tal como o irmão. Só não confirmo o NSU...mas, eu saí da Bila em 64 !!!

Anónimo disse...

Sem palavras, com todo o respeito.
Isabel Seixas

tempus fugit à pressa disse...

havia em Vila Real os cafés para gente fina antigos republicanos incluídos

cafés para a gente do meio

e tascas para a ralé...apesar das alterações neste estado de coisas
terem sido apenas cosméticas

os cultos aos caídos continuam

Helena Sacadura Cabral disse...

Há sempre na vida de todos nós pessoas que deixam marcas positivas. Felizmente!

Anónimo disse...

a minha velha, imagine-se, quase se comoveu com esta sóbria e enterbecedora evocação da morte dum homem bom. ainda me começou com "dá lá os parabéns a esse tal de embaixad…", mas logo se rebitou, avermelharam-se-lhe de raiva os olhos, soltou uma caterva de palavrões e despejou:

não venha suave
falar-me da morte
(nem é que me importe
que alguns ela trave)
da morte que é sorte
que a todos nos cabe
nos leva na nave
sem rumo sem norte
e nos tira tudo
porra a toda a gente
pra sempre por nada
nao fale sisudo
com velha e doente
da morte odiada.

à cabra da morte tragédia e horror
grite-lhe bem forte ó embaixador.

Anónimo disse...

Viva sr. embaixador
Claro q VRL está mais pobre.
O meu pai (87A)contou agora q o sr. Délio Machado de quem ele era amigo tinha histórias de encantar.
Uma noite saindo o meu pai da sede do então PPD e o Prof. A.Reigoto do CDS encontraram-no no lrg dos bombeiros e foram os 3 "beber 1 copo"à Mª do Carmo (Abambres)diz o meu pai q foi 1 noite memorável.
Q a terra lhe seja leve,como se diz aqui na minha aldeia.
Cump.
arm.

Anónimo disse...

errata: leia-se, na 2ª. linha, 'enternecedora'.

Anónimo disse...

Retenho a lembrança dos míticos NSU, sempre atilhados, que entravam e saíam da então Garagem Avenida, bem por debaixo da varanda da minha juventude.

Fui colega dos filhos no velho Liceu Camilo Castelo Branco.

Sentimentos à família;
Paz à sua alma.

João Queiroga

Armenio Octavio disse...

Tive apenas a oportunidade de conhecer o Délio Machado no último congresso no PS em Santa Marta de Penaguião, em finais de 2010.

Foi homenageado, tive curiosidade de pesquisar mais sobre a vida e obra dele, e quando fazia essa busca pelo Google descobri o seu Blog (uma vez que o google me remeteu para um post seu onde menciona o nome de Délio Machado)

Agora pelo seu blog sei do seu falecimento.

Fico triste, óbvio, por todos os motivos. e tb porque não vi referencia nas redes sociais distritais... talvez seja distracção

Paula disse...

Aqueles que nos deixaram
não estão ausentes,
mas invisíveis.

Têm os seus olhos
cheios de glória,
fixos nos nossos,
cheios de lágrimas.

Obrigada Sr. Embaixador pela homenagem

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