terça-feira, janeiro 18, 2022

Os galos, a capoeira e coisas de pintar a manta

Na história das administrações americanas existe um conflito potencial clássico entre o responsável pelo ”Ministério dos Negócios Estrangeiros” (”State Secretary” que dirige o “State Department”) e o Conselheiro de Segurança Nacional (“National Security Advisor”). São, por assim dizer, dois ”galos” na mesma capoeira da ação externa.

É claro que houve já casos de serena coabitação entre os titulares de ambos os cargos, normalmente feita à custa do apagamento de um deles - e houve também exemplos de transição do NSA para “State Secretary”, mas não o contrário, claro. O facto de se tratar de terrenos “cinzentos”, com responsabilidades que podem conflituar, ajuda bastante à possibilidade de conflito. A circunstância do NSA estar fisicamente mais próximo do presidente tem redundado, muitas vezes, numa sua maior capacidade de influência junto do “chefe”. Mas não é irrelevante que o “State Secretary” tenha, sob o seu controlo, toda a máquina diplomática, em especial externa. Na realidade, a chave para esta equação é e será sempre o grau de audição que cada um desses protagonistas consiga obter por parte do presidente.

Resta acrescentar que, por vezes, surge um terceiro elemento que pode interferir nesta disputa, que é o “ministro da Defesa” (“Defense Secretary”) e, em casos raros, o diretor da CIA, às vezes através de jogos de alianças, que se tornam mais evidentes nas crises ou em tempos mais avançados dos mandatos.

Lembrei-me disto, há pouco, ao ler uma entrevista do NSA Jack Sullivan à “Foreign Policy”. Será que está garantida a sua compatibilidade com o “State Secretary” Anthony Blinken? Não faço ideia, embora a grande experiência de Joe Biden na área externa o torne menos dependente dos dois colaboradores principais nesse domínio, quiçá assim contribuindo para a paz inter-institucional.

E por cá, perguntará o leitor? Nós não vivemos num regime presidencialista. Embora o presidente da República tenha competências na área externa, o governo tem, nesse domínio, um papel central, quer através do ministro dos Negócios Estrangeiros, quer por via do próprio primeiro-ministro - neste caso, cada vez mais no terreno dos Conselhos Europeus, onde o nefando Tratado de Lisboa retirou visibilidade e influência direta ao chefe da diplomacia. Por isso, uma boa articulação entre o ministro dos Negócios Estrangeiros e o assessor diplomático do primeiro-ministo é essencial. E ela, ao que me chega, está bem e recomenda-se.

Mas nem sempre aconteceu no passado. A pequena história da paróquia provou que, em alguns casos, o choque de egos pode tornar-se letal. E quando, pelo meio, existia uma comunicação social que, embora tida por “independente”, era tudo menos isso, chegou a ser possível inventar, em tardes de canivetes curtos, histórias falsas de pintar a manta!

1 comentário:

Ferreira da Silva disse...

Senhor Embaixador,
Num texto tão rico de conhecimentos "inner circle", de que os seus leitores muito apreciam a partilha, este meu comentário será muito redutor, mas, essa da "manta" tem muito que se lhe diga.

Carlos Antunes

Há uns anos, escrevi por aqui mais ou menos isto: "Guardo (...) um almoço magnífico com o Carlos Antunes, organizado pelo António Dias,...