Saiu há pouco na Netflix a terceira série, com oito episódios, de "The Diplomat". (Já os vi todos, claro!). Trata-se da história de uma embaixadora americana em Londres, num tempo complexo para a famosa, mas nem sempre linear, "special relationship" entre o Reino Unido e a sua ex-colónia.
Como é sabido, mais de um terço dos embaixadores americanos não são oriundos da carreira diplomática gerida pelo "State Department". Para a chefia de mais de seis dezenas de postos diplomáticos pelo mundo (há 174 embaixadas americanas nos 193 países membros das Nações Unidas), os presidentes indicam personalidades oriundas da sociedade civil - empresários, banqueiros, políticos, advogados, etc. - que politicamente lhes estão próximos, muitos tendo sido financiadores ou promotores da sua campanha eleitoral. Quando a administracão muda, esses embaixadores, em regra, são substituídos.
(A prática americana de "political appointees" é, cada vez mais, uma raridade em Portugal. Entre 1974 e o presente, houve um total 31 "embaixadores políticos" na diplomacia portuguesa, em especial nas primeiras décadas após o 25 de Abril. Atualmente, não há nenhum, embora haja rumores de que possa vir a haver em breve um novo "embaixador político". Quem quiser saber um pouco mais sobre este tema, pode consultar aqui um texto que escrevi para uma publicação universitária, depois de uma recolha de dados que fiz sobre o assunto.)
Como é óbvio, todos esses embaixadores americanos são apoiados pelo muito qualificado pessoal diplomático que é formado no "State Department", nome dado à casa-mãe da diplomacia americana. Imagino que deva ser um pouco frustrante para um diplomata americano saber, à partida, que nunca poderá vir a ascender à chefia das embaixadas do seu país em Paris, Berlim, Londres, na ONU e muitas outras, mas que, pelo contrário, pode ter de vir a ter escolher entre Kinshasa, Tegucigalpa, Katmandu ou coisas assim. Mas a regra da carreira diplomática americana é mesmo essa.
Em grande parte dos casos (embora nem sempre), a escolha dos embaixadores pelo presidente americano recai sobre gente qualificada, a qual, sempre muito bem enquadrada por profissionais de carreira, consegue garantir "performances" positivas. Quando às vezes observamos algum comportamento "desviante" por parte de embaixadores americanos, que ocorrem um pouco por todo o mundo (e em Portugal não é exceção), temos de ter em primeira conta que eles são recém-chegados à diplomacia, emanando de outros mundos profissionais. Mas temos, essencialmente, que ter em conta que um embaixador dos EUA - muito pela circunstância de se saber que foi escolhido pela confiança política que o seu presidente nele deposita - não é um embaixador como qualquer outro.
Por representar a América, ao enviado americano todas as portas se abrem. Por todo o mundo, ele tem o telemóvel do chefe do Estado, do primeiro-ministro ou dos ministros, é recebido com prioridade por toda a gente, a qual muitas vezes até fica deslumbrada só por ter essa aproximação ou por dele receber um convite para jantar ou mesmo só para a festa do "Fourth of July". Contrariamente a um diplomata de um pequeno e modesto Estado, que tem de "subir à corda" para ir criando o seu círculo de relações no país onde está acreditado, o embaixador americano tem quase sempre tem todo o mundo oficial (e algum outro) a seus pés. Isso apenas acontece com ele? Nenhum se lhe compara, embora possamos dizer que os seus colegas britânico, francês, alemão e, às vezes, o italiano, podem dispor dessa facilidades. E, em Portugal, isso é também válido para os embaixadores de Espanha e do Brasil.
Vi entretanto, no Youtube, curiosas análises destes episódios da série da Neflix, feitas por verdadeiros diplomatas, dando a sua opinião sobre se aquele tipo de cenas têm alguma aderência à realidade, ou se apenas relevam da mera fantasia ficcional. Também tenho a minha opinião, que não interessa para aqui. É que, tratando-se da América dos dias de hoje, toda e qualquer ficção - da comédia à tragédia e ao filme de terror - é uma realidade potencial.

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