quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Diplomatas & políticos

A escolha de António Sampaio da Nóvoa para representante diplomático português junto da Unesco é um erro deste governo.

Historicamente, a representação externa dos Estados começou por ser provida por personalidades da confiança do soberano, oriundas da aristocracia. Com os novos tempos e a multiplicação das embaixadas, o serviço diplomático profissionalizou-se. Foram progressivamente criados, em todo o mundo, quadros especializados de serviço público, para assegurar a continuidade da representação do Estado, independentemente dos ciclos políticos. Os embaixadores passaram, em regra, a ser escolhidos dentre os diplomatas profissionais mais qualificados. 

Alguns países, porém, continuaram a manter a prática de designar, para a chefia de certos postos, figuras exteriores às respetivas carreiras diplomáticas. Em geral, as ditaduras e regimes mais ou menos autoritários abusam desta prática, que também foi corrente em regimes presidencialistas (mas, por exemplo, já deixou de o ser no Brasil ou em França, nos dias de hoje). Um país como os EUA persiste e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente. Bem assessoradas, claro está, por competentes profissionais da diplomacia...

Em Portugal, a Primeira República e o Estado Novo escolheram várias personalidades políticas e sociais para a chefia das principais missões diplomáticas, as quais, aliás, eram então muito poucas. Esta prática não viria a desaparecer por completo com o 25 de abril. Com vários pretextos, diversos governos colocaram figuras que lhes eram afetas em algumas embaixadas. Desde a Revolução, nos últimos 44 anos, com justificações de oportunidade inicialmente ligadas à consolidação dos novos tempos políticos (que já lá vão!), a diplomacia portuguesa veio a albergar uma trintena de "embaixadores políticos", mais notoriamente em postos multilaterais. Os parisienses OCDE e UNESCO foram os mais escolhidos.

Na nossa história democrática recente, alguns desses "embaixadores” serviram num posto e, depois, saíram – quase sempre, após uma rotação governativa, como está na natureza precária da sua nomeação, feita por confiança política. Outros acabaram por rodar entre vários postos, usufruindo de uma legislação que lhes permitiu passar a integrar o quadro dos embaixadores profissionais de carreira. Desde 2011, vivia-se um tempo diferente: não existia nenhum "embaixador político" na diplomacia portuguesa. 

O concurso de acesso à carreira diplomática é o mais exigente de toda a Administração Pública portuguesa. Os funcionários que integram essa carreira fazem um percurso variado, em Portugal e em postos no estrangeiro. As tarefas diplomáticas aprendem-se com tempo e maturação, os comportamentos apuram-se, as pessoas são testadas em diversos cenários geográficos e perante situações muito diversas. Ao final de cerca de duas dezenas de anos, a alguns, mas não a todos, é dada a possibilidade de chefiarem, primeiro missões mais pequenas e, se nelas derem as devidas provas, postos mais importantes. A diplomacia profissional portuguesa é regular objeto de reconhecimento público, quase generalizado, pelo muito que faz pelo país e pelo seu prestígio. Mas, afinal, será que ela não serve para representar Portugal em todos os postos diplomáticos? 

Será assim compreensível que, dentro da carreira diplomática, subsista um permanente sentimento contra a indigitação de figuras que, não tendo feito a tarimba da vida diplomática, não tendo nela subido, ao longo dos anos, os seus diversos escalões, surjam um dia, de "pára-quedas", num determinado posto, qualificados como "embaixadores", por uma simples decisão política. 

Dir-me-ão: mas não houve embaixadores políticos que, no passado, fizeram bom trabalho, que acabaram por ser um valor acrescentado para o serviço diplomático? Claro que sim, embora em poucos casos. Tal como eu talvez fosse capaz, com algum jeito, de não ser um mau Comandante da Região Militar Norte... Mas, como diz o povo, “cada macaco no seu galho”.

Só posso encontrar um único conforto nesta infeliz decisão do governo de António Costa, retomando um dos vícios do aparelhamento político da Administração Pública: é o facto de ter escolhido António Sampaio da Nóvoa, figura intelectual distinta e que sempre demonstrou grande competência e sentido de Estado nos cargos que exerceu, e a quem desejo as maiores felicidades no Ministério que generosamente o vai acolher no seu seio. Dentro do erro, valha-nos isso!

15 comentários:

Anónimo disse...

É evidente que se trata do prémio de consolação, por ter servido de carne de canhão do PS nas eleições presidenciais. O serviço patriótico é uma rica treta.

Luís Lavoura disse...

Um país como os EUA persiste e coloca, com regularidade, na chefia de muitas das suas embaixadas, figuras ligadas ao financiamento das campanhas que estiveram na base da eleição do presidente.

Os EUA foram, historicamente, um dos países desenvolvidos mais corruptos. No século 19 era um fartote de cargos políticos. Esta prática de nomear embaixadores políticos é uma reminiscência desses tempos.

Anónimo disse...

Pois é! São os "PRÉMIOS DE CONSOLAÇÃO"...

PSICANALISTA disse...

.
Comentador das 01:30 :

"O serviço patriótico é uma rica treta".

-----SEM SOMBRA DE DÚVIDA !!!

Reaça Feliz disse...

"O concurso de acesso à carreira diplomática é o mais exigente de toda a Administração Pública portuguesa."... Não será. O CEAGP e o acesso ao CEJ são incomparavelmente mais difíceis e exigentes.

Anónimo disse...

A história da diplomacia portuguesa é complexa.

Só em 1836 aparece o primeiro decreto a regular essa actividade dentro do Estado.

Temos de ter em conta que só a partir dos anos 50 do século XX as nossas missões diplomaáticas tiveram as caracteriticas de Embaixadas Extraordinárias, porque até aí eram maioritáriamente Legaçãoes chefiadas por Enviados Extraodinários e Ministros Plenipotenciarrios. No site do Instituto Diplomático para quem quiser confirmasr isto pode procurar na rúbrica "Relações Diplomáticas de Portugal de A a Z" quem representou os nosssos interesse no mundo desde 1640 a 2015.

As nomeações extraordinárias fora da carreira sempre as houve pois muitas vezes no século XIX até era preciso exilar alguém com mérito mas incómoda ao Poder.

Deixo a quem deseja ver se pelos nomes se pode ver que os chefes das missões diplomáticas portuguesas foram de facto chefiadas pela aristocarcia ou pelos nobres feitos às centenas a partir do século XIX que podem ver no site indicado.

Anónimo disse...

Mais umas achegas ao que foi dito anteriormente:

O primeiro Anuário Diplomático data de 1855. O segundo de 1888.
Há quase dez anos que não há Anuário Diplomático.

Até quando se instalou o MNE no Palácio das Necessidades, não se sabe onde estava instalado senão nalgumas salas no Terreiro do Paço, mesmo que alguns documentos estejam datados do Paço.

disse...

Desde 2011... O governo do Passos Coelho, esse malandro, não nomeou ninguém. Não criou jobs for the boys na estrutura diplomática. Também não andou a colocar os amigalhaços em administrações de empresas participadas pelo estado. Passos Coelho não se mudou de Massamá para a Rua Castilho. Este país tem e terá ainda mais o que merece.

Anónimo disse...

A decisão é tanto mais lamentável que o anterior Governo já tinha designado um diplomata para exercer as funções de Representantte Permanente na UNESCO, em 2015, de maneira a que o Embaixador em Paris não continuasse assumir as duas funções e, o actual Governo deixou na altura cair essa nomeação.

Anónimo disse...

Reaça Feliz,

Lamento, mas, o concurso de acesso à carreira diplomática é de facto o mais difícil.

Não será o mais exigente...

Reaça Feliz disse...

@ anónimo das 22:20:

E é mais difícil porque...

isto (https://www.ina.pt/index.php/recrutamento-selecao/ceagp/conheca-as-fases-ceagp) parece ser bem + difícil do que isto (https://idi.mne.pt/pt/carreira-diplomatica.html). E bem mais útil que um monte de exames.

Anónimo disse...

O concurso de ingresso para a Carreira Diplomática não é o mais exigente, mas o mais difícil...ou antes, era. E ERA porque este ministro decidiu baixar a fasquia porque eram eliminadas muits mulheres, devido à sua falta de conhecimentos gerais, ou cultura geral. Nada de especial tem isto, visto, no passado, aqui há uma década e antes, eram elas as melhores e eles quem ficava para trás. Mas, um pouco a exemplo desta imbecilidade do que se vai vendo no que respeita ao assédio sexula (quem é que ainda não foi assediado, sobretudo mulheres?!). E nunca se questionou o facto de os representantes do sexo masculino terem sido preterido por elas. Entrava, ou ingressava, quem tinha as melhores classificações. Agora, como digo, por obra e graça de sexa ministro, baixa-se a bitola para lhes facilitar a vida (a elas, mulheres). Isto merecia um enorme puxão de orelhas da parte delas ao ministro, pois desvaloriza-as. Hoje temos um conjunto espantoso de excelentes profissionais do sexo feminino em todas as áreas: ciencia, medicina, direito, economia, gestão, biologia, química, engenharia, arquitectura, etc, etc, etc! Que não precisam de "bolas" dessas como a que o MNE lhes está a dar para ingressarem na carreira diplomática! Lamentável.
Quanto à dificuldade e exigência digo-lhe que o ingresso para a magistratura, seja para juiz, seja para procurador, é mais exigente, tendo em conta os conhecimentos de Direito dos candidatos.
Bom fim de semana!
A. Borges

Anónimo disse...

Não sei se viu mas ontem, jugo que a SIC (ou seria TVI?) a propósito desta nomeação foram buscar o que aqui escreveu neste Post, sobre a nomeação de Sampaio da Nóvoa, e repescaram apenas algumas frases que lhes interessavam, deste modo deturpando lamentavelmente o conteúdo daquilo que escreveu. Ou seja, acabou por sair uma crítica de Seixas da costa à nomeção e ao governo/ministro, quando no fim de contas o que escreveu era algo um pouco diferente. Enfim, o chamado mau jornalismo, a que já nos vamos habituando. E já não vai mudar.

Helena Sacadura Cabral disse...

Tenho feito parte, nos últimos cinco anos - com muita honra -, dos juris de admissão ao CEJ - Centro de Estudos Judiciários - e confesso que os considero de grande exigência.Não atrevo a compara-los com os de admissão à carreira diplomática por destes apenas saber os que o meu irmão fez.
Não creio que seja justo menorizar qualquer deles e muito menos compara-los.

Anónimo disse...

Anónimo de 9 de fevereiro às 15.38 e também Realça Feliz;

Quando disse que era o mais difícil e não tanto o mais exigente, referia-me à trabalheira dos examinadores, desde a primeira prova dos candidatos.

Concorreram e foram admitidos ao concurso mais mulheres que homens.

Neste momento para realizarem a entrevista profissional (lembro para 30 vagas);

31 candidatos masculinos
13 candidatos femininos

A prova de cultura geral foi eliminada, porque não era fácil de controlar.
Eram eliminados candidatos, que, não era suposto. E as cruzinhas estavam colocadas!
Neste modelo as MULHERES foram sendo eliminadas "naturalmente", apesar da bitola ter baixado? Claro que não! A "dificuldade" é sempre a mesma.
Neste concurso foram eliminadas na prova escrita de português!
É necessário conhecer a casa, para perceber o controlo na admissão de mulheres.
O que fariam com uma fornada de trinta?
E sim, o mesmo número de homens não tem o mesmo impacto.

O concurso externo de ingresso na carreira diplomática, não é comparável a outro.
Testa conhecimentos, não procura especialistas, mas, generalistas mais fáceis de formatar.

O MNE fez somente um triste comentário, com aquele seu ar condescendente.

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