terça-feira, fevereiro 20, 2018

“Na cadeira de um gentleman”



Participei ontem numa homenagem a um homem bom. É o meu barbeiro. Isso mesmo! Joaquim Pinto é um profissional de barbearia de quem sou cliente há quatro décadas. E amigo. Ele tem dez mais de profissão e acaba de ser publicada a sua fotobiografia.

Ontem, no Apolo 70, onde ele oficia, várias dezenas de amigos, muitas figuras conhecidas da sociedade portuguesa que são seus clientes, estiveram por ali a dar-lhe um abraço: do mundo empresarial à advocacia, da política à diplomacia, do jornalismo às universidades, etc. 

Como prefaciador do volume, coube-me fazer a apresentação da edição e falar da pessoa que ela consagra. Referi que o espetro de clientes/amigos de Joaquim Pinto é tal que começa a gerar a vontade de criar uma Confraria que os junte. Avancei mesmo uma proposta de nome, com ressonância temática, que a sala me pareceu acolher com agrado: a “Caspa” (Confraria dos Amigos do Senhor Pinto do Apolo). E também sugeri que o blogue que Joaquim Pinto alimenta (porque este é um cabeleireiro de homens que tem um blogue!), onde estão ilustradas as peças do seu “Museu do Barbeiro”, inaugurado no mesmo local há quatro anos e que recolhe uma notável coleção de objetos históricos da sua arte, deixasse de se chamar “Pinto’s Cabeleireiros” e passasse a ter o nome mais sonante e também “capilar”, de “Pêlo sim, pêlo não”...

Mais a sério, deixo aqui o texto do prefácio do livro “Joaquim Pinto - o barbeiro do poder”, de Paulo António Monteiro, que intitulei “Na cadeira de um gentleman”:

“O termo britânico “gentleman” comporta duas palavras: “gentle”, que pode traduzir-se por “gentil” e “man”, de homem. Juntas, significam “senhor”, no sentido mais nobre do conceito. O meu amigo Joaquim Pinto é um “gentleman”, um “senhor”, nesse mesmo e completo sentido, porque tem em si a educação e a gentileza simples de quem sabe estar e a postura de dignidade de quem faz da vida um acto de atenção natural aos outros.

Conheci-o há quase quatro décadas. Comecei como cliente de um seu colaborador e, com a morte deste, passei, há mais de 30 anos, para as suas mãos profissionais. Por muito tempo, por viver longe, no estrangeiro, não o visitava com a regularidade dos clientes vulgares. O meu ritmo era muito errático. Às vezes telefonava-lhe a marcar hora, do outro lado do mundo, para garantir “slot” na minha passagem imediata, quase sempre apressada e cheia de compromissos, por Lisboa. 

Não foram poucas as vezes em que, durante esses tempos lá fora, tive de explicar, aos amigos e à família, que o comprimento, por vezes exagerado, do meu cabelo não era uma opção estética, uma espécie de “beatlemania” tardia e grisalha, mas apenas a consequência de estar, pacientemente, a aguardar por uma deslocação lisboeta ao meu “barbeiro” - eu sei que já quase ninguém “faz a barba”, mas eu ainda prefiro o conceito ao de “cabeleireiro de homens”. 

É que nunca conheci alguém no mundo que soubesse cortar o meu cabelo como Joaquim Pinto, com quem mantenho códigos acertados sobre o grau desejável de tosquia, desenhada esta, às vezes, em função de certos compromissos imediatamente subsequentes.

Passei pela mão de barbeiros islandeses, franceses, noruegueses, americanos, brasileiros, austríacos, angolanos, romenos, escoceses e até um turco – mas nunca, com nenhum, consegui estabelecer aquela relação de cumplicidade que permite ter a garantia de que quem nos trata do cabelo sabe exatamente o que pretendemos.

Dentre as várias alegrias que o regresso definitivo a Portugal me trouxe conta-se a possibilidade de, com serenidade e previsão, poder dar uma “saltada ao barbeiro”, quando de tal necessito. E, ali chegado, sinto-me em casa. Para mim, “ir ao barbeiro”, em Lisboa, tornou-se já, não numa obrigação ritual, mas num ato social de convívio que cumpro com prazer, de partilha de conversas soltas, sobre as nossas famílias, sobre a vida, com referências, da parte dele sempre simpáticas, a alguns conhecidos desse informal “clube dos clientes de Joaquim Pinto”. 

Quantas vezes, em conversas com pessoas que cruzo profissional ou socialmente, ao vir à baila o nome do nosso “barbeiro”, damos conta de pertencermos ambos a esse seleto “clube”. E, desde logo, cria-se ali uma intimidade acrescida, estabelece-se um laço de união, feito de inevitáveis elogios à figura discreta e educada em cujas mãos profissionais ambos nos entregamos. Até lá por fora, pelo mundo, reforcei relações com base nesse vínculo comum – de que o exemplo mais flagrante foi o saudoso embaixador brasileiro, Dário Castro Alves, em cuja homenagem, que lhe promovi na nossa embaixada em Brasília, o nome do nosso comum amigo Joaquim Pinto foi citado.

É sabido que Joaquim Pinto tem um muito alargado “carnet” de clientes, com figuras variadas, dos negócios à política, da cultura à diplomacia. Porém – o que é notável, para uma profissão onde a conversa é a “música de fundo” do ato profissional – nunca a sua boca se abre para a menor indiscrição, o que a nós próprios garante a liberdade para com eles nos “confessarmos”, aliás como se faz com os amigos, qualidade em que ele se transformou.

Há uns tempos, fiz-lhe uma surpresa. O município da sua terra natal, Resende, organizou uma homenagem e honrou-o com a sua mais alta distinção. Eu, que por acaso estava a umas dezenas de quilómetros dali, tive o grande gosto de, sem o avisar previamente, ir assistir ao ato. E foi muito interessante poder observar o carinho e o respeito que a Joaquim Pinto e à sua Família eram votados pelas pessoas da terra, o reconhecimento do seu prestígio junto das autoridades e pessoal locais. Afinal, não é só em Lisboa que Joaquim Pinto é estimado. 

O livro que o leitor tem perante si fala por si próprio, sem quase necessitar de prefácio. Aqui está um percurso de vida, subida a pulso, graças a trabalho, dedicação e empenhamento. Nessa vida, fui testemunha de tempos menos fáceis, de contrariedades, de desilusões, para não utilizar termos mais fortes. Mas sempre vi Joaquim Pinto reagir com serenidade, com estofo, com grandeza e com o imenso sentido profissional que é o seu. Esse é, aliás, a chave do seu sucesso: trabalho, seriedade e um saber-estar muito raro – raro mas comum nos homens de bem e que se sentem de bem com a vida. 

Este livro é a montra dessa mesma vida - do homem de família ao profissional ilustre. Aqui fica evidenciado também o empenhamento na divulgação da sua arte, que o levou à constituição de um interessante património museológico, bem como à alimentação de um blogue profissional, ambos com apreciável sucesso. Aqui se juntam testemunhos de amigos, embora apenas de um punhado dos muitos que ele tem, que assim quiseram dar-lhe um abraço escrito de simpatia e admiração. É que é para todos nós muito gratificante podermos ter o ensejo de testemunhar o nosso respeito a essa personalidade detentora de uma elevada qualidade humana que é o nosso amigo Joaquim Pinto.”

4 comentários:

A Nossa Travessa disse...

Meu caro Franciscamigo

Plagiando um grito que se tornou popular Chicamigo, uma vez mais concordo contigo!

Abração deste teu amigo
Henrique, o Leãozão * Foi no último minuto, mas vencemos!!!!

Anónimo disse...

Não conheço o cabeleireiro Pinto. Pela descrição, e como acontece noutras profissões, trata-se de um "artista" e não de um profissional. Há muitos anos conheci uma camisaria no largo do Rato que tinha um mestre alfaiate que criou fama nos políticos que lá se vestiam, um deles Sá Carneiro. Teve o seu tempo e um dia acabou...

Anónimo disse...

O Sporting está agora em 3.º lugar com mais 2 pontos, não à condição, mas à capela.O Leãozão diz que o Sporting venceu no último minuto. Qual último minuto? O dito senhor tem de voltar aos bancos da escola, aprender a somar e a subtrair, e aprender ainda a ver as horas e a contar os minutos.Se é sportingado, reconheça que tem em BC, seu presidente, um belo pastor de carneiros, ou de carneirada. Não sei por que razão, lembrei-me de Mussolini, Hitler, Staline. Fidel Castro, Maduro e Chávez. E também de um tal presidente da Coreia do Norte. E do filme do Chaplin, "O Pequeno Ditador". Isto ainda vai acabar mal!!!

Anónimo disse...

Tenho imensa pena de não ter estado presente no lançamento do livro sobre o senhor Pinto.

É alguém por tenho particular estima, sempre que estou em Portugal vou lá cortar o meu cabelo, que ele corta como ninguém.

Para além do seu profissionalismo o senhor Pinto é uma pessoa extremamente afável com que tenho conversas muito agradáveis.

Espero que continue assim por muitos anos.

Licínio Bingre do Amaral

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...