sexta-feira, fevereiro 02, 2018

O regicídio na História


Passaram ontem 110 anos sobre a data em que, na esquina da praça do Comércio para a rua do Arsenal, em Lisboa, o rei dom Carlos e o seu sucessor natural foram assassinados a tiro por dois republicanos, eles próprios linchados nos minutos seguintes ao atentado. 

O debate historiográfico nunca conseguiu definir se este acontecimento ajudou, ou não, a acelerar a implantação da República, que viria a acontecer menos de três anos depois. Teria dom Carlos conseguido evitar o que veio a suceder ou o destino do regime estava já marcado? Ninguém o pode dizer com segurança. A única coisa que parece evidente é que as tensões políticas e sociais que desembocaram no regicídio tinham vindo progressivamente a agravar-se e que nada indicava que o regime pudesse vir a gerar condições para passar a uma fase de maior aceitação popular, compatível com a manutenção da coroa na chefia do Estado, em condições político-institucionais sustentáveis. Bem pelo contrário.

O republicanismo, em especial nos setores maçónicos que haviam estado na base de desgaste da Monarquia, manteve, por bastantes anos, uma aura em torno dos autores do regicídio, Alfredo Costa e Manuel Buíça, tidos como mártires da causa. Com o tempo, porém, foi deixando cair discretamente essas referências, talvez por ter entendido que o culto de um ato de violência extrema era um património de memória em crescente perda de aceitabilidade pública.

É compreensível que os monárquicos portugueses continuem a olhar esta data com o sentimento de que ela representou o princípio do fim do regime em que se reviam. Porém, vendo as coisas com um mínimo de realismo, estou certo de que nem eles próprios ainda acreditam, nos dias de hoje, na viabilidade da reimplantação do regime monárquico, embora abandonar essa esperança significasse para eles desistir da própria causa. 

Pode, contudo, especular-se que, se outros tivessem sido os equilibrios no seio das forças armadas portuguesas durante a ditadura, talvez a Monarquia pudesse ter sido equacionada como hipótese. Mas Salazar, não obstante ter óbvias simpatias monárquicas, sempre considerou que esse cenário induziria clivagens entre os militares, os quais, no final de contas, eram a sua guarda pretoriana. De uma coisa não tenho a menor dúvida: se a Monarquia tivesse tivesse sido recuperada pela ditadura, teria caído com ela. 

Como republicano, por mais de uma vez me tenho interrogado sobre como devo olhar o regicídio. E dou comigo a pensar que querer julgar o passado representa uma visão sobranceira por parte do presente, com os padrões de hoje a tentarem prevalecer sobre quem viveu outros tempos e outras circunstâncias. E, assim, deixo ficar o regicídio na História a que pertence.

14 comentários:

Luís Lavoura disse...

Nessa época houve tantos regicídios. Este foi apenas mais um, de um ponto de vista europeu. O regicídio foi comum nesse tempo. E, sejamos sinceros, tratou-se em geral de regicídios adequados e justificados. Não que se tratasse de más pessoas, claro, mas estavam totalmente do lado errado da história e a desempenharem um papel condenável.

Anónimo disse...

Como no Brasil, assim em Portugal, a "res pública" sempre foi um desastre, Antes era um a ganhar, agora uma quadrilha a esbulhar o estado!

Anónimo disse...

As motivações para assassinar a figura número #1 pressupõem apenas oposição dentro de esse sistema.
O regicídio de 1 de fevereiro de 1908 foi organizado pela corrente política republicana. Seguiu-se uma alteração de regime, de Monarquia para República. Mudança que podia até não ter ocorrido.
O presidenticído (ex. JFK) ocurreu numa República não tendo nem por base nem por consequência uma alteração no formato do sistema político.

Monarquias e Repúblicas não são, em si mesmas, a causa de estabilidade ou instabilidade social. São apenas formatos em que as relações políticas numa sociedade se desenvolvem.

As quebras de estabilidade social por forma violenta ocorrem independentemente do formato do sistema político ou do desejo de quem tem o poder (e deseja estabilidade) no Estado....

Anónimo disse...

Sou republicano. Penso que a maioria dos reis e príncipes que foram assassinados na História o foram por outros reis e príncipes, seus primos, irmãos ou mesmo filhos que cobiçavam o trono. Parece-me evidente que é absurdo haver cargos políticos por herança. Reconheço que o D. Carlos cometeu a temeridade de se querer meter na governação. Mas considero o regicídio a página mais negra e repugnante da nossa História. Não gostamos aliás de nos vangloriar de sermos pioneiros na abolição da pena de morte? Pois está foi uma execução sem julgamento nem acusação prévia. Tenho vergonha do regicídio.
Fernando Neves

Anónimo disse...


O Regícidio foi um acto de terrorismo.

Nessa altura com a carbonária aqui bem implantada e muito activa nem todos acharam negativo.

O que é um facto é que nem antes nem depois em 1910 se fez um inquérito para se apurar como aconteceu. Tendo sido um assassinato de um chefe de Estado perante uma grande parte da população de Lisboa, ainda chocou mais a mesma população.

Sabe-se, por investigações efectuadas que aquele Regícidio deu origem a algumas dicidências entre os republicanos.
Veja-se a Ilustração Portuguesa antes e depois deste acto para se conhecer isto.

Quem não pode dizer que com este acto e outros depois de 1910 não deram origem ao que veio a seguir até 1974?
[Hoje quem tratou deste assunto até diz que a saúde de D. carlos se encontrava tão detriorada que mesmo sem o regicidio teria morrido algum tempo depois.]

Anónimo disse...

2 de fevereiro de 2018 às 11:38 é sou outra face das quadrilhas, face igualmente numerosa. Não passa de mais um Metralha, um analfabeto cívico e político.

Anónimo disse...

2 de fevereiro de 2018 às 13:42, foi portanto eutanásia, não é?

Luís Lavoura disse...

O Regícidio foi um acto de terrorismo.

Não. Foi um assassinato político.

Um ato de terrorismo é indiscriminado, pois visa causar o terror entre a generalidade da população. Um assassinato dirige-se a uma pessoa bem determinada, pode chocar mas não causa terror na generalidade das pessoas.

a saúde de D. carlos se encontrava tão detriorada que mesmo sem o regicidio teria morrido algum tempo depois

Provavelmente sim, gordo como Carlos era não duraria muito tempo.

A importância do regicídio não foi matar Carlos, foi matar Luís Filipe, que estava devidamente preparado para lhe suceder.

Anónimo disse...

Sim ... e quantos assassinatos policos nao cometeu a monarquia?

dor em baixa disse...

O regime chegou a um ponto tal que atingiu a ironia. É irónico designar um poder com tão pouco poder (ou quase nenhum mas com muitos privilégios conferidos pelo nascimento)de regime monárquico.

Anónimo disse...

A teoria do Lavoura é interessante. De facto, muitos dos "atentados terroristas" da ETA não passavam de assassinatos com base em vinganças.

Da mesma forma, quando um mafioso mata outro, ninguém se lembra de lhe chamar terrorista.

Anónimo disse...

Só os portugueses podem dizer, se antes era melhor, ou agora!

Anónimo disse...

@ Luís Lavoura 17:56


"Um ato de terrorismo é indiscriminado, pois visa causar o terror entre a generalidade da população. Um assassinato dirige-se a uma pessoa bem determinada, pode chocar mas não causa terror na generalidade das pessoas."

Assim demonstrou bem que foi um acto de terrorismo frente a uma boa parte da populaçãde Lisboa que se tinha dirigido ao Terreiro do Paço para festejar a Família Real que fazia a sua entrada em Lisboa.
Quer melhor forma de fazer terrorismo urbano amedrontando a população?

Enfim este assunto tem ainda muito para contar mas, como outro comentador disse até os republicanos tiveram vergonha deste acto.
Os partidários da carbonária deliciaram-se com esta sua vitória.

Agora se me conseguir demomstrar que a carbonária não era uma organização terrorista na altura, eu aceito.

dor em baixa disse...

Quando havia uma tarefa suja para executar passava para o pessoal do carvão. Os profissionais do carvão ficam sujos quando realizam o seu trabalho.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...