De um dia para o outro, ao saber-se que a Fundação Calouste Gulbenkian se preparava para alienar as suas participações petrolíferas, caiu no país o Carmo e a Trindade. Foi como se cada português se sentisse uma espécie de “senhor 5%”. Sem conhecer a limitada dimensão daquilo que vai ser vendido, sem saber que a Fundação apostou, de há muito, numa inteligente diversificação dos seus ativos, Portugal acordou, sobressaltado, para o que parecia ser um grande ponto de interrogação sobre o futuro da instituição da Avenida de Berna.
Há um lado simpático neste alarme. Ele traduz a importância que a Fundação tem para o país, o quanto esta instituição é sentida como “do bem” por todos e por cada um de nós. Há uns anos, senti uma forte revolta quando uma desajeitada sindicância sobre o mundo das fundações colocou injustamente a Gulbenkian sob a mesma “rasa” de outras entidades de não comparável valia. A injustiça do gesto, feito de demagogia mas igualmente de arrogante incompetência, foi sentida por muitos como uma bofetada numa instituição a quem o país deve muito mais do que as aparências indicam.
A Fundação Calouste Gulbenkian – a Gulbenkian para os de fora, a Fundação para quem lá trabalha – foi uma bênção que caiu um dia sobre Portugal, a retribuição filantrópica de um milionário que se cruzou com um grande português que se chamou José de Azeredo Perdigão. Foram a genialidade jurídica e a teimosia negocial de Perdigão que permitiu que a instituição tivesse um destino essencialmente português – mantendo polos em Paris e em Londres, com uma permanente atenção às comunidades arménias, da origem do fundador. Mas há que reconhecer igualmente o gesto hábil do regime ditatorial de Salazar, ao criar as condições para o acolhimento de Gulbenkian, bem como, mais tarde, a sabedoria diplomática do embaixador português em Paris, Marcello Mathias, que obteve a autorização para a transferência para Lisboa da coleção de arte.
A Gulbenkian, ao longo dos anos, foi capaz de desenhar um modelo muito sofisticado de relação com o Estado português. Senti isso como embaixador, quando tive de lidar com a Fundação - em Londres, em Brasília e em Paris. A instituição permanece sempre aberta a uma colaboração frutífera com o país oficial, mas nunca deixa que essa relação seja contaminada por uma qualquer ideia de dependência que coloque em causa a sua autonomia. Os governos (e, muitas vezes, os embaixadores) que não entenderam isto tiveram, com regularidade, momentos de tensão com a Gulbenkian. E aprenderam sempre à sua custa.
A Gulbenkian pode dizer, confortavelmente, como Mark Twain, que as notícias sobre a sua morte são muito exageradas. Agora sob a discreta mas eficaz mão de Isabel Mota, com uma renovada e competente administração que sabe olhar os desafios que aí estão, a Gulbenkian está para lavar e durar. E ainda bem, para Portugal.
4 comentários:
Pois é....
Mas aquando do assalto à Embaixada de Franco em Lisboa havia muitos ao passar pela Fundação gritavam: "Porcos de capitalistas, a seguir também viremos cá."
A opinião sobre a Fundação era boa apenas entre artistas e intelectuais dessa altura que ainda não tinham o poder que depois vieram a ter. Não esqueçamos as bolsas.
Enfim..... nessa época a história desenrolou-se tão rápida que não se deve recordar ainda.
Espera-se que dentro de alguns anos, investigadores independentes revelem como se viveu nas ruas de Lisboa esse tempo almejando o precipicio.
Para um dossier Gulbenkian Mario Vieira de Carvalho estampa 74
A Fundação Calouste Gulbenkian teve e tem um papel fundamental no apoio à cultura em Portugal.
Desde as bibliotecas itinerantes, ao apoio à construção de bibliotecas, ao seu programa musical, museu e recuperação de património de origem portuguesa (e não só) em todo o mundo.
Portugal foi feliz com a generosidade do Senhor Gulbenkian e soube aproveitá-la bem.
Creio que todos os portugueses sabem o papel fulcral da Gulbenkian para o nosso país, pois é a única fundação com grande peso e por isso manifestam alguma preocupação com a decisão da Gulbenkian em alienar a Partex.
Aparentemente o motivo essencial será o afastamento das energias fósseis, que hoje em dia são consideradas com uma imagem negativa. Essa opção está a ser seguida por outras fundações a nível internacional, unicamente por "moda".
Espero que não seja um erro, que se vá pagar caro no futuro. Não creio que seja fácil obter investimentos seguros de substituição que assegurem a rentabilidade necessária à Gulbenkian.
Já existem bastantes esclarecimentos !
http://www.jornaleconomico.sapo.pt/noticias/gulbenkian-negoceia-venda-da-petrolifera-partex-264244
https://www.lesechos.fr/26/07/2006/LesEchos/19716-053-ECH_8--calouste-gulbenkian--monsieur---cinq-pour-cent--.htm
http://observador.pt/2018/02/14/antonio-costa-e-silva-decidimos-nao-investir-mais-em-portugal-nao-vale-a-pena/
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