quarta-feira, outubro 10, 2012

A barragem do Tua

O início da construção de uma barragem na foz do rio Tua, perto da sua confluência com o Douro, suscitou preocupações em diversos setores portugueses e internacionais. Embora a barragem, em si mesma, fosse edificada fora da "zona protegida" do chamado Alto Douro Vinhateiro, com efeitos mínimos sobre esta, ela incide fortemente na respetiva "zona de proteção". Por essa razão, o Estado português deveria ter feito uma notificação prévia à UNESCO, antes do início dos trabalhos. Erradamente, isso não foi feito. Porque reconhecemos os erros, quando praticados, Portugal já o disse, publicamente.

Em 2011, a UNESCO decidiu enviar a Portugal uma missão encarregada de verificar a compatibilidade do empreendimento com a manutenção do estatuto da região do Alto Douro Vinhateiro como "património mundial" reconhecido pela UNESCO.

Essa missão produziu um relatório que evidenciava diversos pontos que necessitariam uma resposta muito concreta por parte de Portugal. Essa resposta foi dada, em devido tempo. Porque a realidade no terreno mudara e importantes medidas, tidas por essenciais no relatório da missão de 2011, tinham, entretanto, sido implementadas, foi por nós solicitada a realização de uma nova missão técnica à região.

Entretanto, e ainda na sequência do relatório da missão de 2011, e não obstante as respostas entretanto avançadas por Portugal, foi apresentada ao Comité do Património Mundial da UNESCO, a ser avaliada na reunião que teve lugar em S. Petersburgo, em fins de junho, uma proposta de decisão no sentido da suspensão imediata dos trabalhos de construção da barragem.

Portugal considerou que a paragem das obras era injustificada. Pessoalmente, durante o mês de junho, mantive reuniões em Paris com cada um dos 21 membros do Comité, oriundos de 21 diferentes países, a quem expliquei, em pormenor, o que tínhamos entretanto feito e, muito em especial, que nos parecia sem sentido estar a suspender os trabalhos, na pendência da realização de uma nova missão. 

A nossa posição foi escutada. Por unanimidade, na sessão de S. Petersburgo, esses 21 membros rejeitaram o projeto de decisão apresentado pelo Centro do Património Mundial e aceitaram a proposta que submeti, em nome de Portugal, no sentido de haver uma "redução significativa" do ritmo dos trabalhos até à publicitação do relatório da nova missão.

Tive oportunidade de acompanhar essa nova missão, que teve lugar em finais de junho e inícios de agosto. O seu relatório foi ontem conhecido.

No essencial, o relatório diz: "A missão concluiu, de acordo com informações oriundas de diferentes fontes, que a construção da barragem parece ter um impacto global limitado no valor excecional universal do bem patrimonial e na sua integridade e autenticidade em termos de impactos na paisagem que reflete os processos de vinicultura". Em linguagem mais clara, fica evidente que o empreendimento não é incompatível com a preservação do estatuto de "património mundial" do Alto Douro Vinhateiro.

Porém, nem tudo está ainda concluído. Embora do  relatório da missão, que - diga-se, porque é relevante - integrou a técnica responsável pela missão de 2011, resulte uma implícita autorização de prosseguimento das obras de construção da barragem, se bem que a um ritmo limitado (mas já não uma "redução significativa" desse ritmo), Portugal tem de dar resposta, até 1 de fevereiro de 2013, a algumas questões que são colocadas pelo relatório ora divulgado. Para nós, esse trabalho essencial começa já hoje, com abertura e transparência, na plena cooperação que desejamos manter com a UNESCO e, muito em particular, com o Comité do Património Mundial.

A questão da barragem do Tua é um tema que suscita muitas preocupações em diversos setores em Portugal, as quais, aliás, a missão técnica da UNESCO teve oportunidade de ouvir e avaliar. Não tenho a menor dúvida que esses setores vão continuar a contestar a construção da barragem. Porém, um argumento importante deixam, a partir de agora, de poder esgrimir: a eventual incompatibilidade da construção da barragem com o estatuto do Alto Douro Vinhateiro como "património mundial" da UNESCO. 


Em tempo: aquilo a que eu costumo chamar o "jornalismo adversativo" (isto é, aquele que não consegue dar uma notícia tida como "positiva" sem a fazer seguir de um redutor "mas"), lá procurou descortinar, no seu tradicional esforço de reduzir o impacto daquilo que constitui a verdadeira novidade - a barragem do Tua pode construir-se, sem que isso ponha em causa o estatuto do Alto Douro Vinhateiro como "património mundial" -, nas respostas que terão de ser dadas a algumas recomendações do relatório dos peritos da UNESCO, uma espécie de "compensação" face ao sentido inequívoco da decisão, favorável aos interesses que o Estado português entendeu dever defender. Era só o que faltava que uma "boa notícia" saísse a público sem algumas reticenciazinhas!...) 

21 comentários:

Anónimo disse...

quantas barragens havia no douro quando foi elevado a património da unesco? porque embirram agora com esta nova barragem?

jj.amarante disse...

O nosso embaixador na UNESCO está de parabéns! Quando foi a barragem do rio Sabor diziam que era o "último rio selvagem da Europa". Afinal ainda havia o Tua e suspeito que muitos mais. Nunca percebi porque é que quando ocorre uma formação rochosa que retem um curso de água dando origem a um Lago isso é bom enquanto se esse acidente geológico é uma barragem construída pelo homem isso é mau. Eu gosto dos lagos das barragens.

Anónimo disse...

Parabens, Senhor Embaixador

Feliciano da Mats

Henrique de Menezes Vasconcellos (Vinhais)

Timtim no Tibet

Néstor

Norueguês desconhecido

Helena Sacadura Cabral disse...

Senhor Embaixador, o seu trabalho mereceu todo o louvor e ainda bem que o deu a conhecer.

Dario Silva disse...

Porque embirraram agora com esta?
Simples:

1) não é como nenhuma das outras, tem apenas 3x mais altura que as circundantes;
2) não faz falta nem para a produção eléctrica nem para o controlo de cheias. Aliás, há mais de 20 anos que não se fala no recurso a barragens para controlar as cheias. É um problema resolvido. Para a produção eléctrica: já se provou que uma modernização de outras barragens supera a produção desta e de outras barragens.
3) é uma famosa Parceira Público Privado: a electricidade que a barragem NÃO produzir, o Estado (nós) indemnizará a EDP, uma empresa chinesa. Da mesma forma que o Estado garante já "taxas de rendibilidade" no sistema eléctrico que já foi Nacional. Agora é chinês… e tem que dar lucro.

4) Ambientalmente, destrói um vale muito peculiar, irrepetível e único.
5) Inviabiliza uma das mais belas vias férreas da Europa. De notar que na Europa moderna e transparente se busca, mais e mais, um turismo de qualidade, de autenticidade. É mais uma pérola que se dá a porcos chineses.

6) A água e as margens do Tua, que são património dos portugueses, ficará na mão de uma empresa privada. E como o negócio do séc. XXI é … a água… onde estará represada a água para ser vendida aos portugueses à medida que mais e mais redes municipais… são transformadas em parcerias público privado? Basta pesquisar no google as notícias sobre "águas de barcelos" para se perceber o que aí vem.

Se não gostarem… podem apagar este comentário!

gherkin disse...

Senhor Embaixador, caro amigo;
Gostaria de me pronunciar cabalmente sobre este empreendimento e as razões que levaram a UNESCO a contestá-lo. Porém, a sua defesa no assunto, que, estou certo, foi determinante, mas, como diz, a decisão não final, só prova o que muito o nosso país lhe DEVE. Li, com interesse, as afirmações do comentador anterior. Perante elas, e à luz do seu argumento, preocupa-me, pelo que pergunto: Não estaremos perante outra repetição do que aconteceu com aquele importante património de arte rupestre que foi salvo na vizinha região(e que, aliás, estive muito envolvido em informar as audiências portuguesas através do JN, sobre a importante campanha que o THE SUNDAY TIMES fez na altura), o que muito contribuíu para a sua justificada preservação e, com ela a suspensão da intencionada barragem. Abraço. Gilberto Ferraz

Anónimo disse...

Dario Silva, estou consigo. Já enjoa a mania das barragens. Com ou sem decoração de arquitetos famosos.

Anónimo disse...

Esta decisão monstruosa há-de sair cara a este país, e hás-de ficar na história como um dos perpetradores de um dos maiores crimes ambientais e patrimoniais alguma vez cometido neste país!

Anónimo disse...

Pareceu, desde logo, ser mais fácil sair o euro-milhões do que a missão técnica da UNESCO concluir coisa diferente.
E o que assusta mais é pensar que tudo está decidido e todas as missões não passam de teatro. Como neste caso, o problema de maior acuidade, para o interesse público, é a inviabilização da via-férrea e a missão “acantonou-se” bem no seu domínio para não lhe tocar.

Anónimo disse...

Resta saber qual a preparação técnica dos tais especialistas da Unesco, para o efeito – no que respeita a tudo o que ali deveria ter estado envolvido e ao que parece não esteve. O impacto global, não só na zona vinhateira, foi analisado, objecto de estudo? Seria interessante que o relatório fosse tornado público. Foi?
Por outro lado, ao que já se ouviu, a barragem não deverá trazer um acréscimo significativo em termos de energia eléctrica.
E fica a EDP a ganhar e nós a perder.
E vai perder-se como aqui foi dito, uma belíssima linha férrea (que conheci bem).
A receita foi bem calculada: contrata-se um Arqt. de renome e depois chama-se a Unesco e uma vez conhecido o relatório da mesma avança-se com o cimento, como dizia o Sócrates ao Mexia. Agora com a assentimento do actual governo.
Este Post...realmente!

domingos disse...

A questão tem componentes técnicas que me escapam totalmente embora eu sinta uma certa pena de ver transformar-se uma paisagem que conheci bem. Mas o Embaixador teve o mérito de divulgar num breve texto o "estado da arte". Agora, cada um que retire as conclusões que melhor entender.

Anónimo disse...

Um verdadeiro cenário de filme de Farwest. Uma fachada e por detrás u que um deserto de água e a destruição de uma paisagem única e de uma linha férrea bela e heróicamente esculpida por portugueses. Quem defende este crime não percebe, não sente e não ama Portugal. Deslumbra-se com os salões de Paris. Oxalá se mantenha no cargo por muitos anos. Quanto mais longe estiver de Portugal, melhor para a preservação do ar que respiramos.

Francisco Seixas da Costa disse...

Alguns leitores deste blogue, a avaliar pelas reações recebidas (algumas impublicáveis), parece não entenderem qual é o papel de um embaixador.

Anónimo disse...

Eu entendo o papel do embaixador. Julgo que a questão que se deveria discutir em Portugal seria sobre o Plano Nacional de Barragens que é a 3ª maior PPP. Gastar 16 mil milhões de euros para ter um balança energético nulo (como a própria EDP já o reconheceu) será que é um investimento que vale a pena? Esta é que deveria ser a questão principal

Anónimo disse...

A recente decisão da UNESCO concluir que a construção da barragem do Tua não por em risco a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial, demonstra bem até onde chegam as influencias dos lobbies ...... Os interesses são fortíssimos e tudo se sacrifica em face dos destes grupos de interesses, que neles obviamente incluo o dos arquitectos!
Nunca pensei que a decisão fosse outra e neste caso, como noutros, "a história dá-me sempre razão" !

Anónimo disse...

Está bem, está bem. espera-lhe pela pancada, se quiseres vir fazer barragens ca nos meus fjords...

a) noruegues conhecido

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, como diz o ditado a "água corredia, não guardes cortesia".

E muito obrigado pelo seu trabalho na defesa do nosso país.

Louvor a quem o merece.

Nuno 361111

Anónimo disse...

o senhor embaixador desculpe la mas isto sem adversatividade nao tinha o mesmo gosto...

ne?


Anónimo disse...

O que foi feito pelo Dr Seixas da Costa não me pareceu muito correcto. O trabalho de um diplomata deve ser feito sempre com descrição. Ainda por cima, sugeriu a jornalistas que fossem ler o seu blog para se auto-elogiar.

Antes de eu ter lido o relatório da UNESCO pensava que esta questão estava resolvida. Hoje, e após a leitura do documento da UNESCO pude confirmar que as condições exigidas vão ser muito difíceis de cumprir.

Esta situação (Vale do Tua)foi criada pelo anterior Governo que nunca quis consultar a UNESCO. Ainda por cima foram avisados por escrito por muitas pessoas importantes

Pedro Pereira

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Pedro Pereira: embora crítico a meu respeito, não quero deixar de publicar o seu comentário.
O trabalho da diplomacia é discreto (e foi-o, neste caso, até à obtenção de resultados) mas é importante que o país perceba que aquilo que paga aos seus diplomatas é gasto numa atividade que é útil na defesa dos interesses assumidos como essenciais pelo Estado português. E, não havendo nada a esconder, pareceu-me útil e pedagógico explicar como as coisas se fazem. Quanto à consulta pelos jornalistas do meu blogue o que se passou foi precisamente o contrário: tendo sido contactado por dois jornalistas para me pronunciar sobre o assunto, disse-lhes que tudo quanto tinha para dizer estava escrito no meu blogue. E deve reconhecer que, no que aqui publiquei, desde logo expliquei que ainda havia algumas ações a desenvolver, tendo mesmo revelado a data limite para tal. Aliás, já hoje mesmo iniciámos o trabalho para dar resposta ao que nos é solicitado.

Anónimo disse...

parabéns pela excelente explicação do trabalho diplomático e da necessidade de nele equilibrar discrição, informação e eficácia.
e se, logo na primeira frase, a palavra 'embora' fosse substituída pela palavra 'porque' - ah, então seria a glória da diplomacia em democracia.
enfim, penso eu de que...

a) franquelino da motta

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