Deve ser defeito meu, mas não me deixo impressionar pela campanha populista de alguns jornais quando falam das "reformas milionárias" de alguns trabalhadores do funcionalismo público. É muito mau sinal quando uma sociedade, em lugar de se preocupar com o que os mais pobres não têm, vive obcecada com aquilo de que os mais afortunados beneficiam. Chama-se a isso inveja. Digo isto com todo o à-vontade de quem não virá a estar abrangido por "reformas milionárias" e que, por ora, não tem outros réditos senão aqueles que ganha com o seu trabalho.
Acho muito curioso, e demonstrativo de um certo espírito nacional, adubado pela crise, que se "condenem" no pelourinho mediático os trabalhadores que, ao fim de uma vida de carreira contributiva, tendo visto descontados, mês após mês, dos seus salários, montantes que engrossaram os fundos da Caixa Geral de Aposentações, passam a receber as retribuições correspondentes a esses descontos - sejam elas de que montantes forem.
Dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros, reagi sempre quando vi colegas diplomatas a reclamar pelo facto de alguns funcionários administrativos, das embaixadas ou dos consulados, terem uma reforma bem superior à sua. Se descontaram mais, recebem mais. Tão simples como isso.
O Estado não faz nenhum favor ao pagar aos reformados da função pública, nem lhes está a conceder qualquer direito especial. Pelo contrário: deve-lhes é estar grato pelo facto de poder ter utilizado, durante décadas, sem pagar quaisquer juros, o dinheiro que essas pessoas lhe confiaram, sob o compromisso de que, quando deixassem o serviço ativo, seriam remunerados em função daquilo que descontaram.
Ainda neste contexto, a presente crise proporciona-nos encontros educativos. Há dias - e podem acreditar no que lhes vou dizer - ouvi da boca de alguém o seguinte raciocínio: dado o "peso" que o pagamento das reformas hoje representa para o orçamento e tendo em especial atenção o facto dessas pessoas não terem uma elevada capacidade reivindicativa (não podem fazer greves, por exemplo), é "perfeitamente natural e legítimo" que se caminhe no sentido de fazer incidir sobre os reformados e respetivos rendimentos os cortes orçamentais a efetuar. Falou mesmo deles como "alvos prioritários".
Isto foi dito por essa pessoa num tom frio, desprovido de qualquer emoção. Não sei se há alguma edição atualizada do Malthus para ajudar a gente que pensa dessa forma a, já agora!, teorizar melhor estas ideias. Na altura en que ouvi aquilo, sei lá bem porquê!, veio-me à memória o título de uma peça de Karl Valentin que um dia vi encenada na Cornucópia. Mas, entretanto, já me esqueci dele (do título, claro)...
Isto foi dito por essa pessoa num tom frio, desprovido de qualquer emoção. Não sei se há alguma edição atualizada do Malthus para ajudar a gente que pensa dessa forma a, já agora!, teorizar melhor estas ideias. Na altura en que ouvi aquilo, sei lá bem porquê!, veio-me à memória o título de uma peça de Karl Valentin que um dia vi encenada na Cornucópia. Mas, entretanto, já me esqueci dele (do título, claro)...
23 comentários:
Estou de acordo com o que Karl Valentin escreveu e estou de acordo que as pensões de reforma devem ser merecidas.
Mas também estou intimamente convencido de que há muitas reformas injustas tanto para o lado do pouco como para o lado do muito.
Seria uma grande surpresa termos uma informação oficial que viesse corrigir estas disparidades.
José Barros
Curioso ainda o outro dia lia, sobre tema completamente díspar, uma frase do Baptista-Bastos que enquadra perfeitamente esse sentimento luso ... "ser mesquinho na mesquinhez".
Nuno 361111
Excelente momento para abordar este tema! Só me interessa a "Reforma", enquanto instrumento que as sociedades encontraram para precaver a vida pós-laboral. Para quem acreditou que o Estado guardava e dava boa conta dessas poupanças ou impostos... Até parece que a "Reforma" é um privilégio... Se foi para alguns um contrato chorudo por muito poucos anos de "imposto" sobre o trabalho, bom proveito lhes faça. O fundamental é que não nos deixemos corroer pela inveja que para Unamuno "é mil vezes mais terrível do que a fome, porque é fome espiritual". Eu quero a minha reformazinha do tempo que tenho trabalhado - não como "colaborador" como nos querem classificar - fazendo o melhor por merecer um salário/reforma. Quando coloboro é de borla! Estas nomenclaturas que têm inventado para classificar o esforço que os cidadãos fazem para sobreviver são uma vergonha das últimas décadas do mundo ocidental. É a INVEJA de quem é forte para deminuir os subordinados que teimam em chegar pontualmente ao trabalho e que descontaram de boa fé para a "Reforma".
O nome da peça não seria: "E não se pode Exterminá-lo"?
Eu estou de acordo consigo Senhor Embaixador. O que me custa é ver os sucessivos governos deitarem mão aos Fundos de Pensões de outras actividades, constituidos com os descontos de quem lá trabalhou, para equilibrarem os défices orçamentais!
É só fazer a conta (como Guterres dizia)! O que cada um descontou está lá (ou devia estar), e é o que tem a haver a preços atuais. Não é preciso inveja nenhuma!...
Só que ninguém esclarece nada… despois vem a desconfiança que acicata a inveja… Mas é “disto” que eles (políticos e imprensa) vivem, não é?
...o assalto de sucessivos goivernos aos fundos de pensões constituidos por dinheiros que pertencem a quem os descontou e acumulou (sem juros) ao longo dos anos de trabalho...
"E Não Se Pode Exterminá-lo?"
Eu acho que há demasiada gente, a maioria em Portugal, a ganhar 200 e poucos euros de reforma (até 500). Por isso não me admira que nem isto consigam comprar. http://economia.publico.pt/Noticia/nestum-ja-substitui-refeicoes-vendas-disparam-7-ate-junho-1565531
248€ (duzentos e quarenta e oito euros).
E compra-se da 'marca branca', with a little help from my family.
Todos foram ao pote.Era um maná.E agora?Continuamos a votar neles?
Se chalhar até são rapazes serios e vão devolver...no IRS!!!
A noticia do Nestum fez recordar-me um trabalho de dois economistas indianos (A economia dos pobres) onde se disserta, entre outros assuntos, em como os mais pobres dos pobres quando têm mais algum dinheiro ao invés de o poupar o gastam em calorias mais saborosas (dito assim parece uma barbaridade do politicamente incorrecto não é esse, contudo, o teor do livro).
É incrível o estado a que isto chegou ... diria SM.
Nuno 361111
Totalmente de acordo com a abordagem que faz ao assunto das reformas. As pensões devem ser as que resultam dos salários auferidos durante a vida activa, em qualquer situação profissional, de acordo com os prazos e descontos efectuados. No caso da Segurança Social, esses descontos são 23,75% do empregador e 11% do empregado, isto é, 34,75% dos ordenados totais (14 meses/ano). Refira-se que a pensão normal é de 80% da média dos ordenados dos 10 melhores dos últimos 15 anos, correspondente a 40 anos de trabalho. Neste caso, dos ditos privados, o Estado nem sequer contribuiu com uma parte, dado não ser o empregador. Portanto, tem ainda menos legitimidade para "retirar" os 13º. e 14º. meses aos reformados. No jornal PÚBLICO, de 11 de Setembro passado (pág. 45), vinha um artigo, algo irónico, sobre um sonho do Primeiro-Ministro, no qual a solução poderia estar no desaparecimento de 1 milhão de pessoas, para que a economia nacional fosse viável... Era tudo uma questão de ir reduzindo algumas comparticipações na área da saúde, mais os 2 meses de pensão aos reformados e outras que a racionalidade económica possa determinar... sem violência, naturalmente. O que talvez não seja razoável é haver pensões, ou coisas equivalentes, obtidas do Estado ou de empresas de capitais públicos sem que sejam submetidas às regras gerais da Segurança Social ou da Caixa Geral de Aposentações.
José Honorato Ferreira
Apoiado! No meu caso, enquanto na BBC, a fim de melhorar a minha reforma, de que estou a beneficiar, além da contribuição normal, como me foi facultado, contribuí com mais 17,5%,
Abraço,
Gilberto FERRAZ
Os Lusíadas terminam com a palavra inveja.
Não será um final "inocente", creio.
Sobre a inveja e as suas inúmeras e diversas manifestações é todo um programa.
Maria Helena
Senhor Embaixador: se não estou em erro já há tempos este tema foi abordado.
Estou inteiramente de acordo com V. Exa.e todo este discurso em volta das chamadas"reformas milionarias" alimentado por algumas cabeças, hipoteticamente bem pensantes,ampliado pela nossa triste comunicação social,não passa de uma manifestação mesquinhez.
Fico indignado com a leviandade dessa gente ao defender que quem efectou descontos proporcionais as suas retribuições não tenha direito a ver respeitada essa regra aquando da sua reforma.
Não os impressiona que os descontos sejam verbas consignadas a uma determinada finalidade,nem a natureza contratual que as enquadra.
Esclareço que não sou, nem fui funcionário publico mas incomoda-me esta especie de histeria-aliás não politicamente inocente-que tem como alvos tudo quanto é publico e as pessoas que trabalham nesssa esfera.
Pois é.... Portugal mudou muito nos últimos 30 anos. Ás vezes só não sei se para melhor ou para muito pior. É em tempos de crise profunda a vários níveis como este que vamos ver. Wait and see.
Subscrevo.
Senhor Embaixador:
Estou inteiramente de acordo consigo. Há muito que os jornais procuram atrair leitores com grandes títulos referentes às reformas milionárias. Mas há também um conjunto de comentadores que sistemáticamente aborda essa questão, lamentando o facto de terem hoje uma vida difícil por causa das reformas milionárias (e não só) da geração dos anos 50 e 60.
Se me permite vou transcrever parte de um e-mail que enviei a um desses comentadores que num dos últimos semanários, mais uma vez vociferou contra os reformados. Eis, pois, algumas das perguntas que lhe pus:
"Acha que a geração dos anos 50 e 60 teve uma vida sem sacrifícios, num país paupérrimo, com um regime ditatorial e sob uma guerra que durou 13 anos?
Pensa que a vida profissional, na função pública ou no privado, não exigia trabalho, estudo e actualização?
O que é para si uma pensão alta? As pensões reflectem, com raras excepções, que não fazem a regra, o que as pessoas descontaram em função do seu rendimento salarial. Ou está a querer convencer os seus leitores de que quem recebe pensões mais altas descontou, para a Caixa Geral de Aposentações ou para a Segurança Social, o mesmo do que os outros e não em perecntagem do seu salário?
Será que acha justo que um reformado ou pensionista, só por passar a essa condição, terá de baixar drasticamente o seu nível de vida, deixando de ter acesso a qualquer actividade do seu interesse, nomeadamente o lazer e a cultura?
Acha que o Estado não tem de respeitar os contratos que fez e em função dos quais as pessoas, acreditando nessa honradez, fizeram as suas opções de vida e de educação dos filhos, bem como a programação para a velhice? E acha que é nesta fase da vida, com setenta e oitenta anos que as pessoas têm de refazer todo um modo de estar e de viver?"
Vejo nestas posições e em todo este clamor não só muita inveja , mas também falta de sensibilidade e humanismo e a quebra da solidariedade intergeracional.
Maria Eduarda Boal
Não são coisas antagónicas, senhor embaixador. É possível sentir a inveja que condena e também a preocupação pelos mais pobres. Sendo que a onírica imortalidade de Cristo também causará esperança em quem não peque, ouso dizer que mal estará quem viva sem pecado pois que a mortalidade humana, tão necessária ao equilíbrio do sistema de pensões, lhe estará tendencialmente vedada.
É simples aritmética a que dita que a diminuição do mercado de emprego e o aumento da expectativa de vida levem a que o sistema, desequilibrado -porque os descontos individuais não cobrem, por via da inflação nem dos montantes descontados, a média do tempo de reforma-, esteja a breve trecho falido, como aliás qualquer sistema piramidal em que a base -tendencialmente finita- tenha de suportar o topo. Na realidade o sistema de pensões não é um simples mealheiro em que o pensionista beneficie exclusivamente do que descontou, e ainda bem; antes um sistema que foi desenhado como garantia de sobrevivência com mínimos de dignidade equiparáveis aos que o beneficiário manteve ao longo da sua vida profissional.
A inveja que, introspectivamente me foi revelada pela leitura do texto do senhor embaixador não é relativamente a valores, tem como objecto todos os que possam eventualmente usufruir ainda de uma reforma; já que no meu caso particular duvido muito que venha a tê-la, ainda que tenha mantido até hoje uma vida laboral sem interregnos e de bom pagador de impostos.
Sinto inveja, confesso, dos que pelo nepotismo subiram a cargos que não alcancei e também dos que cometeram actos bastante mais vis contra os seus irmãos do que a vileza da minha inveja mas para os quais a justiça dos homens foi cega; pois que irão beneficiar de uma segurança na velhice que me estará possivelmente vedada.
De facto não deveria ser um favor do Estado, antes um dever, que não está a ser levado muito a sério. Mas ainda há alguns afortunados como eu que poderão trabalhar até que a saúde acabe; ou esperançosamente até ao fim da vida; eventualmente curta, porque o pecado mortal nos há-de condenar cedo.
Na certeza de que continuarei um fiel admirador, pelo que V. Exª. me tem ensinado, nos abundantes bons e nos raros menos bons momentos,
António Marques
Caro Francisco, não posso estar mais de acordo consigo, mas talvez por estar de alguma maneira "Longe" nem consegue advinhar a Inveja que campeia em Portugal em volta deste tema e dos "Ordenados Chorudos" que apesar disso são Excelente fonte de Receitas para o Estado e a retribuição daqueles que pela sua capacidade Técnica e Inteligência superior, merecidamente ganham e geralmente são escrutinados pelos seus Accionistas, confessava-me um Amigo que trabalha como CEO de uma Empresa Farmacêutica em Portugal que ganhava mais de Ordenado e Bónus de que qualquer Gestor das Empresas cotadas em Bolsa, felizmente como ele diz: "ninguém me conhece" "quero dizer apenas o Fisco",mas sempre pago mais que alguns dos Homens mais Ricos de Portugal e como diz o que é "que isso interessa".Ou seja a questão é "Será que temos de ficar reféns do nosso mérito e isso transformar num anátema da nossa existência Profissional? e sermos Vexados porque cumprimos com as Regras que nos Impuseram?
Tal como num contrato de seguro, mediante o pagamento de um prémio mensal, durante determinado prazo, o Estado obrigou-se a garantir determinadas coberturas, entre as quais, a de conceder uma pensão mensal calculada com base no consignado nas condições estipuladas.
Limitar, e/ou diminuir, pensões, é um esbulho.
Faça-se justiça social através de impostos progressivos sobre os rendimentos e não só sobre os do trabalho.
Correcção: 254 € (duzentos e cinquenta e quatro euros)
Creio que, ao contrário do mencionado, não se trata de inveja pelas altas reformas mas antes imcompreensão pelas exageradas pensões auferidas por quem não descontou (contribuiu) minimamente para tal: Politicos com pensões vitalicias ao fim de escassos anos de exercicio, ex-Juizes do TC com pensões obtidas ao fim de APENAS 10 anos de "trabalho", etc, etc.
Todas as pensões/reformas obtidas ao abrigo do sistema da SS, não me parece que sejam objecto de qualquer tipo de inveja, sejam grandes ou pequenas. Todas as obtidas inexplicavelmente podem, e devem, ser contestadas publicamente
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