domingo, outubro 07, 2012

Reuniões temáticas

O SMS, recebido na tarde da passada sexta-feira, da minha jovem "oficial de ligação" (pertencente ao "ask me team", aposto nas costas das respetivas t-shirts, que com imensa simpatia nos assiste) era bem claro: "You are requested to a meeting at 4 pm with the Minister of Agriculture of Azerbaijan". Seguia-se um endereço em Baku, escrito em azeri. Olhei para o relógio e faltava menos de uma hora. Interrompi a reunião em que participava e, com um condutor arrancado à organização, que só entendia a língua local, zarpei para o encontro.

Pelo caminho, fiquei a matutar no que poderia dizer ao ilustre anfitrião. Seria alguma coisa de natureza bilateral, aproveitando a minha passagem por Baku? O meu ministro tinha passado por aqui há alguns meses. Teria ficado algo pendente? Algum "protocolo de cooperação" por cumprir? Porque não gosto de "brincar em serviço", e embora a embaixada portuguesa competente neste país seja a que está situada em Ancara e o Fórum em que eu participava nada tivesse de bilateral, antes de sair de Paris eu tinha pedido ao MNE um papel sobre o relacionamento Azerbaijão-Portugal. "À cause des mouches", como dizia um amigo meu "versado" em francês. Estudara-o e, como mandam as regras, deixara-o prudentemente em Paris. Mas não me recordava de nele se falar de agricultura. Ou seria a minha memória?

A agricultura não é propriamente o meu "forte", mas, porque a diplomacia se transforma, quando as coisas assim o exigem, numa nobre arte do desenrascanço elegante, fui preparando algumas ideias para a conversa com o governante azeri, à medida que o meu condutor furava pelo tráfego infernal da cidade, ungido do dever, e dos fantásticos direitos rodoviários correspondentes, de transportar uma personalidade estrangeira ao seu governante.

Talvez viesse à baila a questão da próxima revisão da PAC e a onda protecionista que se avizinha, com o alibi da "segurança alimentar" europeia. Ou seriam as nossas experiências nacionais, em especial em matéria de extensão rural, que mobilizavam a curiosidade de Baku? Ou talvez pudesse surgir na conversa algum "memorando" de colaboração entre universidades (interesseiramente, lembrei-me da UTAD). Logo se veria. Tomaria nota do que me fosse dito e informaria Lisboa (e a nossa gente em Ancara, claro).

Cheguei sobre a hora à porta do imenso edifício do ministério. Um engravatado funcionário esperava-me, com olhar ansioso. Apressados, subimos por um elevador, depois seguimos por um longo corredor, até entrar numa sala de reuniões.

Para minha imensa surpresa, por lá estavam o grupo de colegas embaixadores junto da UNESCO, que comigo tinham vindo desde Paris. Todos tinham recebido o mesmo SMS e tinham saído das suas reuniões da mesma forma apressada que eu. E o encontro que estava prestes a começar era, muito naturalmente, com o ministro azeri da ... Cultura, com o qual discutimos temáticas que se prendem com as nossas tarefas na UNESCO.

18 comentários:

Isabel Seixas disse...

Teve piada.

Julia Macias-Valet disse...

Podiam ter organizado um carpooling...

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Júlia Macias-Valet: cada painel era local diferente da cidade...

Anónimo disse...

Li o texto de um só sorvo a reter o folgo. Não sabiamos muito bem para onde iamos com tanta precipitação e, afinal, toda esta azáfama para uma mera duscussão cultural.
Sim, mera, como se a cultura...

José Barros         

Julia Macias-Valet disse...

Outra idéia de titulo para este post :

"Agri-Doce"

Julia Macias-Valet disse...

Ja calculava, caro embaixador, mas o Planeta é que paga : (

Anónimo disse...

Se há ministérios, em todos os governos, que são próximos são os da cultura e o da agri(cultura).

Ambos "contra natura", um é o pão de que vive o Homem e o outro é expressão máxima de que nem só de pão vive o Homem, todos os outros (ministérios) andam lá pelo meio.

Nuno 361111

PS. Menos em Portugal porque não há Ministério da Cultura.

gherkin disse...

O seu suspense, meu caro, à semelhança de outros comentadores, não me deixou respirar (já que, por outra razões de saúde, tenho o oxigénio e o malfadado longo tubo ligado!). Durante a sua empolgante e misteriosa prosa, afinal, não agrícola, mas cultural, portanto relacionada com o seu posto, livrou-o de participar a Ancara. Que alívio! Respiramos fundo, consigo! Abraço. Giberto

Anónimo disse...

Se calhar queriam escrever "azericulture"...

Anónimo disse...

Pois é.... relato muito bem estruturado prendendo a atenção do leitor. Ainda sei ler.... mas...não sei...

EGR disse...

Senhor Embaixador :quando terminei a leitura do post de hoje só me ocorreu dizer: uf que alívio !

Helena Sacadura Cabral disse...

O risco dos telemóveis com as suas SMS's é enorme.
Conheço casais que se desfizeram assim, com esses "bichos" que vivem diariamente connosco e têm memória.
Mas também me pergunto como é que se teria feito antes? Telex? Fax? Telefone?
Conclusão: naturalmente não teria ido...

Anónimo disse...


Caro FSC
A velha senhora diz-se impressionada com seus contos e narrativas:

'fundações' 'reuniões'…
parabéns de mim também
ai 'senhor embaixador'

que sem vodkas nem vinhões
se escrevia já mui bem
escreve ora mui melhor

patricio branco disse...

uma sessão de cumprimentos, portanto.
a propósito do condutor furar pelo trafico infernal da cidade, lembrei-me de uma vez ter sido conduzido numa cidade de trafico do género por um condutor que só tinha um braço e mão, os esquerdos, foi um susto, nunca pensei que fosse possivel ou permitido a alguem conduzir profissionalmente assim, mas lá nos levava com a mesma facilidade dos outros que tinham os 2 braços e mãos. era um malabirista com a metade que tinha.
simpatico portanto esse ministro da agricultura que decidiu saudar os delegados europeus à ultima da hora.

ARPires disse...

São textos assim, com a narrativa adequada, que nos absorvem e prendem do princípio ao fim, e que nos trazem de volta a este blogue, sempre na espectativa de encontrar algo merecedor do nosso tempo.

Anónimo disse...

Atenção Patrício Branco: o embaixador andou metido no tráfego e não no tráfico.

patricio branco disse...

pelo trafego da cidade, efectivamente, obrigado pela chamada de atenção

Anónimo disse...

cara dr helena sc

as vezes mais vale a pena nao ter memoria...


bem haja

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...