Num largo de Barcelos, à saída da "Bagoeira", no mês de Agosto de 1975, vi três fulanos que me pareceram excessivamente "interessados" na parte traseira do meu Fiat 128. Aproximei-me e perguntei o que se passava, identificando-me como proprietário do automóvel. Com ar bastante calmo, um deles olhou para mim e disse: "Estamos a discutir se havemos de partir o vidro ou 'arrebentar' uma das portas". "Essa agora!, porquê?", perguntei. "Porque temos de arrancar esta bola vermelha", apontando para um pequeno autocolante, com o símbolo do MES, que eu tinha no canto do vidro. E olharam para mim com um ar neutro, que revelava alguma ameaça e a segurança da total impunidade para a levar à prática.
Não valia a pena estar com muitas conversas. Os tempos eram tensos, em especial nessas bandas do Minho, onde o MDLP, associado a setores da igreja, contestava abertamente os caminhos da Revolução. Tudo o que "cheirasse" a esquerda era por ali reprimido, com sedes de alguns partidos a arder (num caso, com gente a morrer lá dentro), com bombas a matar pessoas, com simpatizantes de algumas forças políticas desse setor a serem perseguidos. A polícia e alguma tropa fazia de cega, quando não acontecia, como muitas vezes aconteceu, colaborar na "festa". Nesse "verão quente" o diálogo não era a palavra de ordem mais ouvida.
Com assumida cobardia, fui dizendo: "Bem, eu estou de saída, ia agora tirar o carro". Os fulanos entreolharam-se. Um deles disse: "Se o tirar já, não partimos o vidro. Mas não queremos ver por aqui gente como você". E lá me fui embora. Dessa vez, porque volto sempre com grande prazer a Barcelos, uma belíssima cidade.
O autor da "bola vermelha", da cor dos cravos que esses barcelenses não apreciavam, com uma estrela amarela que simbolizava o que isso sempre quis dizer para quem então pensava as coisas de uma certa maneira, era Robin Fior, que acabo de saber que morreu ontem.
Não tenho ideia de alguma vez o ter encontrado até ao ano passado, quando, no dia 12 de novembro, lhe fui apresentado na Costa da Caparica, onde, com algumas centenas de amigos e conhecidos, me reuni numa alegre almoçarada, que assinalou a passagem de três décadas sobre o termo da existência do Movimento da Esquerda Socialista (MES).
À sombra dessa bola e dessa estrela, juntámos, nesse tempo, o nosso entusiasmo e demos expressão política a setores de uma geração que, não se revendo nas correntes mais óbvias da esquerda, decidiram criar um movimento um tanto atípico, que nunca agradou ao partidos clássicos e que, por alguns anos, agitou as águas da vida política portuguesa. Resta a memória, que, para sempre, será ajudada pela arte de Robin Fior.
(Em tempo: que fique claro que não desconheço que, se o símbolo do CDS, do PSD ou até do PS surgisse, em situação idêntica, por esses tempos, em automóveis estacionados em certas localidades alentejanas ou da "cintura industrial" lisboeta, o seu destino seria similar. O "verão quente" afetou o "clima" político por todo o país.)
(Em tempo: que fique claro que não desconheço que, se o símbolo do CDS, do PSD ou até do PS surgisse, em situação idêntica, por esses tempos, em automóveis estacionados em certas localidades alentejanas ou da "cintura industrial" lisboeta, o seu destino seria similar. O "verão quente" afetou o "clima" político por todo o país.)
11 comentários:
Meu caro. Durante essa tensa época, fui a Portugal, como sempre, o que aonteceu até ao ano passado, de automável. Não se tratava de um grande espada, mas na altura apenas um Vauxhall Victor. Não tinha qualquer dístico, o que habitualmente recuso. Apenas matrícula britânica. Estacionado e de visita, creio que a Sesimbra, quando cheguei deparei com os pneus furados e um grande risco do lado esquerdo. Portanto, não esteve só e eu, sem dístico do MES ou de qualquer outro partido (na altura era Presidente da Secção do PSD no Reino Unido), mesmo assim, não escapei! Abraço
Nesse mesmo Agosto de 1975, depois de uma incursão pela Galiza - curiosamente também com um Fiat 128 - passei alguns dias em viagem pelo Minho (Viana, Braga e Guimarães)), Trás-os-Montes (Chaves e Vila Real) e Beira Alta (Viseu).
Então não é que houve assaltos, com incêndios e/ou mobiliário atirado pelas janelas, nos dias seguintes à minha passagem por aquelas cidades?
Quando cheguei a Lisboa um dos meus amigos, brincando, claro, dizia-me: "É pá!, foste tu que andaste a acender os rastilhos lá pelo Norte?"
E durante algum tempo, o meu círculo mais próximo metia-se comigo, dizendo que eu era um infiltrado do MDLP, embora soubessem bem que eu navegava noutras águas.
O cuidado de judicioso equilíbrio que o último parágrafo deste post revela levou-me a repescar uma rimalhice que a velha senhora, minha amiga, dirgiu ao Alcipe do blogue 'Tim Tim no Tibete'. Terá aqui cabimento a última versão que a senhora me ditou?
'L'Art de se taire'
arte será ou profissão
em que calar pode bem ser
outra maneira de dizer
nem sim nem não
mon jeune ami
mais ça suffit?
eh bien que faire?
O verão quente, que eu vivi no aconchego do ventre de minha mãe, é a prova provada, se dúvidas houvessem, que o povo português só é de brandos costumes quando não encontra nada de valor para lutar (é um povo velho, não velhaco, sábio, não sádico)....
Quem viu a manifestação de ignorantes da TSU ou as manifestações memoráveis de apoio à autodeterminação de Timor-Leste, sabe que o sangue dos nossos avós ainda corre nas nossas veias.
Nesse tempo de 75, perdão por qualquer erro histório que advém apenas da ignorância, portugueses houve que perceberam que, nas suas diferenças, juntos poderiam fazer nascer um Portugal Democrático, esperemos que em 2012 os seus "herdeiros" se apercebam que só juntos podem lutar pela sua "sobrevivência", ...
Ah ... sem qualquer curso de design e com um sentido estético que quem me conhece diz ser muito questionável ... sempre se diga que o simbolo do MES é feio, sem com tal querer tirar qualquer mérito, mais que merecido, ao seu autor...
Nuno 361111
Senhor Embaixador
Nunca fui intima do MES, mas íntimos meus foram...
Hoje com este seu post e o ressurgimento da poética Velha Senhora, dei comigo a achar que este logotipo me lembra algo do BE, não do BES, claro!
Qual a razão não na sei, como diria o poeta!
Ora bem. Eu sou membro de uma familia muito católica e, naquele verão quente de 75, penso que por iniciativa do Bispo da dicese de Braga, houve um chamamento ao "povo cristão" para reunir em preces junto da diocese.
Não conhecia a razão que motivava aquelas rezas mas acedi ao pedido dos familiares e conduzi-os a Braga.
Logo no inicio das preces compreendi que aquele fervor "crescendo" era para pedir a salvação de Portugal que enveredava pelos caminhos de satanaz e vi que estava envolvido num movimento cujo protesto me deixou sem ação...
O Bispo "aqueceu" bem os ânimos e, no fim da parte religiosa, o movimento desceu para o campo da vinha que ficou apinhado de gente.
Não precisava o MDLP (Movimento de Libertação de Portugal, creio, em quem precisamente o Sr. Spinola, desertor fugitivo no estrangeiro, depositou esperanças) de muitos ativistas para ali agitar aquele mar de gente que de repente levou a sua fúria para junto da sede do Partido Comunista. Não houve mortos. Mas houve tiros e destruição pelo fogo do local do P.C.P. que ficou em cinzas.
Presenciei sem rezar. Mas agora também já ninguém rezava.
José Barros
Cara Dra. Helena Sacadura Cabral: nunca tinha pensado nisso. Mas se alguém copiou, não fomos nós.
Não conheço Satanás, mas parece que o seu nome termina em "s" e não com "z" como por erro escrevi.
José Barros.
Senhor Embaixador, lá isso é verdade!
Estas minhas associações filosóficas andam a preocupar-me. Leio uma coisa e zás catrapás, começo logo a divagar e a encontrar associações. É da crise, seguramente. Dizem-me uma coisa e eu vou logo buscar outra... Cabecita pensadora, decerto!
A propósito dos Ss a mais, que me acontecem, totalmente inconvenientes, bem vistas as coisas o BE não o terá aplicado por questões de redundância…
Se calhar, no caso do MES, terá sido colocado por prevenção de conexão inconveniente… será?
Nuno 361111:
A bola é linda!!!
E.Dias
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