Os tempos eram outros, as figuras que, por Portugal, faziam política também. Pouco dados ao mundo internacional, muitos tinham, como costumava dizer (cito de cor) o meu amigo Nuno Bredorode Santos, a fronteira do Caia como limite à sua livre expressão linguística. Alguns, como o Eça referia, cuidavam em falar "patrioticamente mal" certas línguas estrangeiras. Outros, nem isso podiam ou tentavam. Esta história é sobre um destes últimos.
O ambiente era um aeroporto de uma capital estrangeira, no termo de uma visita oficial, feita sempre com intérpretes à ilharga. As despedidas estavam como que concluídas, a delegação portuguesa tinha já embarcado e, como é de regra, o convidado seria o último a partir. Por uma qualquer razão, as coisas tinham "emperrado" e ninguém dava indicação para ele entrar no avião. O anfitrião, com quem, ao longo desses dias, falara através de um intérprete, e nitidamente apenas para encher o tempo com algo mais do que sorrisos ou gestos, disse ao nosso homem umas palavras em inglês. O intéprete desse país tinha-se sumido, e quem, da nossa parte, era por isso responsável também já tinha embarcado.
Porque vi o nosso político um tanto embaraçado, face ao comentário do seu anfitrião, que não percebera ou ao qual não sabia como responder, aproximei-me e, em voz baixa, disse-lhe "Se quiser que traduza alguma coisa...". O nosso homem olhou para mim, muito sério, e apenas retorquiu: "Eu quero é ir-me embora!". Contive o riso, fui avisar o protocolo e, um minuto depois, ele lá embarcou, de regresso à terra onde tinha as mais amplas liberdades linguísticas. Que não usava muito, valha a verdade.
8 comentários:
Há Sussurros que salvam, em qualquer língua.Melhor no vir...Embora.
deixaram-no sózinho....!
Assisti a uma cena semelhante mas com uma personalidade que falava inglês, língua em que manifestou veementemente ao seu anfitrião o seu angustiado desejo de partir.
O outro, sibilino, respondeu: "estou feliz por ter gostado tanto do meu pai's".
Num dia em que em Portugal não se vislumbram sorrisos... fiquei a rir a bom rir com mais este episódio de um tempo em que os "nossos" políticos dominavam de longe melhor o francês do que o inglês. Aconteceu-me em Hongkong ter deixado "sozinho" um dos nossos políticos de primeira página porque era licenciado em germânicas, enquanto o outro colega que estava nas andanças necessárias para a implementação de uma fundação recentemente criada, não queria falar com ninguém sem tradutor. Com muitas compras feitas o nosso ilustre político afastava-se zangado da fila da caixa aonde não se tinha entendido com as "meninas". Gerou-se alguma confusão porque já não queria levar nada! Lá fui ver o que o levava a dizer que aquela gente falava um inglês de doidos e que ainda por cima não o entendiam... Começei simplesmente a cantar o inglês com os quatro "tons" (são oito no total)que sabia do cantonense e as compras voltaram para a caixa. De castigo pediram-me que se "era tão fácil" os levasse a pé até ao barco pelas famosas ruelas das tendinhas para almoçarmos no Sheraton porque bem mereciamos. Atravessei de propósito a Wing Hon com com tudo o que havia nas lojas para os turistas... O resultado foi o regresso no dia seguinte a Stanley(mercado ao ar livre) com uma ida no segundo andar do autocarro, naquela "velocidade chinese" que parecia que treinávamos para "duplos" do cinema. O negócio corria bem, de tal modo que já aceitavam comer nas ruas os Dim Sam para pouparmos mais umas patacas para Temple Street (onde há mercado de rua durante a noite uma vez por semana) à noite, porque era quarta-feira. Lá experimentaram cantar o inglês para lhe dar uns laivos de cantonense a que eu ia emprestando umas frases para deixar os nossos vendedores contentes por estarem com "panguiau's". Agora nem a "cantar" nos emprestam mais barato!
Pois é.... Nem sei como comentar este "post" mas mais uma vez pergunto como se entrega a chefia de uma missão no estrangeiro a pessoas como esta. Mas.... eu sei pouco.
Meu caro,
Nestas questões de inérpretes, que muito bem levanta, força-me a contar um episódio pessoal. Ao serviço do Ministério Britânico dos Negócios Estrangeiros, funções extra BBCianas que desempenhei durante vários anos, mas com a expressa autorização desta, quando em visitas especiais de altas figuras de estados de países de Expressão Portuguesa. Numa delas (pois tenho outras deveras interessantes em relação ao Brasil!), esta com a delegação angolana, que vinha para confrmar o início do estabelecimento das relações angloangolanas (igualmente iniciadas na minha presença), o chefe do Protocolo Britânico pediu-me para perguntar se a vasta delegação do ministro era possuidora de armas. Caso fosse, seriam retidas e devolvidas à saída, no fim da visita. Pedido embaraçoso, que obviamente não podia ser evitado, satisfi-lo, no que fui correspondido com a negativa, mas duvidosa. É, igualmente interessante mencionar que durante e depois dos 12 dias desta visita, em conversa com o influente ministro, foi-me por ele solicitado para passar uma sensitiva mensagem às mais altas instâncias do nosso país, o que mudou completamente as relações lusoangolanas. Este, um dos muitos episódios da minha atividade, relatadas na minha obra POR TERRAS DE SUA MAJESTADE. Abraço.
PS. Continuo a admirar a extensão da sua coleção fotográfica com que ilustra os seus blogues!
Eu também quer é ir embora
E hoje muito mais austeridade...
Cada dia é mais feliz que o
anterior...
Um gosto ter chegado a este
blogue.
Saudações
Irene Alves
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