quarta-feira, outubro 17, 2012

Lusofonias

Hotel numa antiga colónia portuguesa, no início dos anos 80. Telemóveis era uma coisa, à época, inexistente.

Tinha chegado de Lisboa, lá para as 10 horas da noite. Do quarto, liguei para a telefonista e pedi uma chamada para Portugal.

- O camarada necessita de vir aqui preencher boletim de "registro" de chamada, para a mesma se poder "efetivar".

Lá desci os quatro andares a pé, porque o elevador estava em dia não, e preenchi o boletim, que tinha a curiosidade de ser em triplicado, com papel químico pelo meio, herança burocrática do colono. Perguntei se demorava muito. "Vai ser verificado", foi-me dito.

Como a "verificação" não chegava, lá para a meia-noite, liguei de novo, a insistir. 

- O camarada aqui tem que ter paciência. Não tem linha. Aqui há muita falta de linha.

- Então, esqueça! Já não quero chamada nenhuma. Muito obrigado.

- O camarada tem de vir anular boletim.

- Faça isso por mim, por favor, rasgue o boletim.

E desliguei. 

Lá para as quatro da manhã:

- Foi o camarada que pediu uma chamada para Lisboa?

- Fui!!! Mas eu tinha-lhe pedido para cancelar a chamada! 

- Tinha, mas não efetivou cancelamento. O camarada não veio cá destruir pessoalmente o boletim.

- Ó minha senhora! Mas então eu não lhe tinha pedido para rasgar o boletim?

- O camarada devia saber que, depois de "registrado", um boletim só pode ser anulado pelo próprio.

- Pronto, esqueça! Não quero a chamada...

- Mas já tem gente na linha! É voz de senhora. Parece que a acordei e, pela fala, não está nada contente, camarada!

A língua portuguesa é falada por 240 milhões de pessoas, não é? Mas isso não significa que todos nos entendamos.

13 comentários:

Santiago Macias disse...

ORGANIZAÇÃO. A isso chama-se or-ga-ni-za-ção. Claro que quem recebe um telefonema às 4 da manhã é capaz de lhe chamar algo ligeiramente diferente.

Anónimo disse...

che senhor embaixador desculpa la...


bem haja

Anónimo disse...

Não é a primeira vez que encontro aqui textos com enredo humoristico. Mas com este, francamente, não pude reprimir a quase gargalhada. 
Também porque me vi numa situação parecida quando cheguei a França e cujo azedume ainda não esvaí.
Quando cheguei, quis telefonar a meus pais para "reconfortá-los", do alto dos meus quase 18 anos, e dizer-lhes que cheguei bem.
Pois aguentei uma manhã inteira à espera de linha adivinhando a menina algures a meter tomadas e a retirar tomadas na tentativa de ligar para Portugal e o meu pai, impaciente, à espera no "Chave d'Ouro" que albergava o telefone público.
Quando a menina conseguiu ligar, já depois do meio dia, só consegui falar com o dono do café. O meu pai já tinha desistido. Até pensava que os telefones em França estavam mais evoluidos, disse-me depois.
José Barros

patricio branco disse...

tempos divertidos, vistos e recordados a uns anos de distancia

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

No tempo em que os clientes dos hoteis eram camaradas das telefonistas. Ainda bem que já passaram.

Anónimo disse...

Passado algum tempo da experiência de José Barros passou a haver uns cartões para falarmos nas cabines. Como muitas vezes não se ouvia bem quem falava do outro lado, lá se iam uns quantos "pennies", que faziam falta para a ligação seguinte... pois aquela porcaria "comia" sempre um montande de X... ainda por cima tantas vezes com o frio e o vento que varria as cabines...

Helena Sacadura Cabral disse...

Que história engraçada.
Lembra-me outra do género passada comigo. Em Lourenço Marques - era assim que na altura se chamava - a minha Mãe tinha um "mainate" chamado Reginaldo. Quando cheguei, estafada de uma má viagem disse-lhe que me não acordasse para nenhum telefonema.
Veio um ao qual ele respondeu "espatroa tá, mas diz que não tá, foi dormir. Tava cansada. Tu telefona quando ela acordar"!

Anónimo disse...

Oh camarada Mello Breyner essa tirada foi um bocadinho reaccionária, não ?

Isabel Seixas disse...

Convenhamos que a camarada telefonista era um cibo trenga.

Anónimo disse...

Oh camarada Mello Breyner essa tirada foi assim um bocadinho reaccionária, não ?

Jose Tomaz Mello Breyner disse...

Carissimo Camarada Anónimo,

Pode até ter sido reaccionária, mas foi assumida.

Aquele Abraço

Anónimo disse...

Rsrsrs, situações destas na altura sabem mal. Mas hoje são de gargalhar, 4 da manhã!!! #$%&%...

E a sra. telefonista foi até muito competente. Secundo Santiago Macias.

Secundo, também, o anónimo de "...essa tirada foi um bocadinho reaccionária." As escolas e faculdades deviam ter mais uma disciplina e cadeira respectivamente.

Anónimo disse...

Caro José T Mello Breyner,

Diga no feminino : Carísima camarada Anónima : )))

Um abraço boguista
De uma habituée da casa
que nao quiz ficar na sua lista
negra por tal graça ; )

PS Nao sou a Isabel Seixas nem ERA UMA VEZ...mas deu-me a queda p'ra rima : )
Ah ! Também nao sou a velha senhora ; )

Oups...vou-me embora...atender uma chamada : )))

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...