Os três dias tinham passado na agitação e correria que é tipica das visitas presidenciais a um país estrangeiro. Na manhã seguinte, far-se-ia o regresso a Portugal. O ministro e a sua mulher, acabado que foi o último jantar oficial, voltaram cansados ao quarto do hotel, ansiando por uma boa noite de sono.
Havia, porém, um ritual a cumprir: neste género de deslocações, as regras logísticas obrigam a que os membros das comitivas deixem as malas, do lado de fora dos quartos, aí pelas cinco da manhã, por forma a serem recolhidas pelos bagageiros, que as colocam no avião, bem antes da partida. É desta forma que os presidentes e as suas comitivas podem sair directamente dos hotéis para os aviões, já sem precupações com as bagagens.
Para isso, porém, há que fazer as malas bem cedo, deixando para trás apenas as coisas básicas de higiene e o vestuário para essa manhã. Foi essa regra que a mulher do ministro cumpriu, já com o marido a dormir. Concluída a função, colocou as malas à porta e foi-se deitar.
No dia seguinte, aí pela sete horas, o ministro toma o seu duche e - surpresa das surpresas! - dá-se conta de que a sua mulher, por lapso, tinha colocado nas malas o seu par de sapatos. A essa horas, as malas já deviam estar no avião!
Que fazer? Era um "país de Leste", as lojas da cidade estavam fechadas, o "concierge" do hotel revelou-se sem soluções. E, há que convir, era política e socialmente imprudente o ministro surgir em peúgas na fila de cumprimentos. Ou não surgir, o que seria protocolarmente muito grave e abriria lugar a infindáveis especulações.
É nessas horas que os embaixadores justificam a sua existência. Ou não. O meu colega em posto foi alertado para a crise ministerial quando já estava, no seu carro, prestes a chegar ao hotel. "Que número usa, senhor ministro?". A resposta "41" terrificou-o, olhando desolado para os seus pés "38" e para a impossibilidade de encontrar, na sua própria casa, uma alternativa. O carro continuava a rolar em direcção ao hotel, onde o presidente o esperava. Mas o embaixador tinha bem claro que o seu ministro também o esperava, embora ainda no quarto, e, claro, aguardando uma solução. Na falta dela, como seria de presumir, lá se iria a desejada promoção e o tal posto, uma sinecura simpática que prometera à sua mulher e que perseguia há muitos anos, como fim de carreira.
Que importava a qualidade dos dossiês técnicos, que a Embaixada tão bem tinha caprichado em trabalhar e apresentar, face ao drama do ministro? Que representavam anos de bons serviços, perante a presumível fúria ministerial, que o gáudio da comitiva iria potenciar?
Apesar da hora matutina, pouco propensa a rasgos, o nosso embaixador, olhando casualmente de viés entre os bancos da frente do seu Mercedes de serviço, a pedir uma substituição que o chefe da gabinete do ministro lhe assegurara na véspera, intui uma solução: nos pés do seu motorista. "Ó Arnaldo, que número é que você calça?". Surpreendido pelo intimismo do seu sempre reservado chefe, o Arnaldo responde: "40, senhor embaixador". E aí, pese embora o diferencial que a tragédia tornava irrelevante, o Arnaldo selou, em glória, o seu destino matinal: lá se ficou no carro, em peúgas, até ao regresso à Embaixada, depois da partida da comitiva presidencial.
Dizem-me que o ministro arvorou, nas despedidas, um ar grave e compungido, que alguns jornalistas - rapazes bem sagazes - levaram à conta da tensão entre o governo e o presidente, que os últimos meses tinham agravado. Ora a verdade, porém, era bem mais terra-a-terra.
Havia, porém, um ritual a cumprir: neste género de deslocações, as regras logísticas obrigam a que os membros das comitivas deixem as malas, do lado de fora dos quartos, aí pelas cinco da manhã, por forma a serem recolhidas pelos bagageiros, que as colocam no avião, bem antes da partida. É desta forma que os presidentes e as suas comitivas podem sair directamente dos hotéis para os aviões, já sem precupações com as bagagens.
Para isso, porém, há que fazer as malas bem cedo, deixando para trás apenas as coisas básicas de higiene e o vestuário para essa manhã. Foi essa regra que a mulher do ministro cumpriu, já com o marido a dormir. Concluída a função, colocou as malas à porta e foi-se deitar.
No dia seguinte, aí pela sete horas, o ministro toma o seu duche e - surpresa das surpresas! - dá-se conta de que a sua mulher, por lapso, tinha colocado nas malas o seu par de sapatos. A essa horas, as malas já deviam estar no avião!
Que fazer? Era um "país de Leste", as lojas da cidade estavam fechadas, o "concierge" do hotel revelou-se sem soluções. E, há que convir, era política e socialmente imprudente o ministro surgir em peúgas na fila de cumprimentos. Ou não surgir, o que seria protocolarmente muito grave e abriria lugar a infindáveis especulações.
É nessas horas que os embaixadores justificam a sua existência. Ou não. O meu colega em posto foi alertado para a crise ministerial quando já estava, no seu carro, prestes a chegar ao hotel. "Que número usa, senhor ministro?". A resposta "41" terrificou-o, olhando desolado para os seus pés "38" e para a impossibilidade de encontrar, na sua própria casa, uma alternativa. O carro continuava a rolar em direcção ao hotel, onde o presidente o esperava. Mas o embaixador tinha bem claro que o seu ministro também o esperava, embora ainda no quarto, e, claro, aguardando uma solução. Na falta dela, como seria de presumir, lá se iria a desejada promoção e o tal posto, uma sinecura simpática que prometera à sua mulher e que perseguia há muitos anos, como fim de carreira.
Que importava a qualidade dos dossiês técnicos, que a Embaixada tão bem tinha caprichado em trabalhar e apresentar, face ao drama do ministro? Que representavam anos de bons serviços, perante a presumível fúria ministerial, que o gáudio da comitiva iria potenciar?
Apesar da hora matutina, pouco propensa a rasgos, o nosso embaixador, olhando casualmente de viés entre os bancos da frente do seu Mercedes de serviço, a pedir uma substituição que o chefe da gabinete do ministro lhe assegurara na véspera, intui uma solução: nos pés do seu motorista. "Ó Arnaldo, que número é que você calça?". Surpreendido pelo intimismo do seu sempre reservado chefe, o Arnaldo responde: "40, senhor embaixador". E aí, pese embora o diferencial que a tragédia tornava irrelevante, o Arnaldo selou, em glória, o seu destino matinal: lá se ficou no carro, em peúgas, até ao regresso à Embaixada, depois da partida da comitiva presidencial.
Dizem-me que o ministro arvorou, nas despedidas, um ar grave e compungido, que alguns jornalistas - rapazes bem sagazes - levaram à conta da tensão entre o governo e o presidente, que os últimos meses tinham agravado. Ora a verdade, porém, era bem mais terra-a-terra.
6 comentários:
Há história de sapatos e história de sapatos; esta é muito mais divertida do que a do jornalista iraquiano que atirou discretamente com os seus ao Presidente americano pensando talvez que Bush estaria em peúgas. Foi uma história que correu mundo mas, aqui, ficamos sem saber o número dos sapatos que pareciam relativamente grandes...
Esta do Ministro português reforça em mim uma ideia já antiga: a de que nós, homens, quando saímos sós, sentimo-nos sempre um pouco perdidos à procura dos objectos básicos e por isso a companhia das esposas, que têm sempre tudo à mão, traz-nos maior segurança... Desta vez parece ter havido uma qualquer precipitação não habitual nas mãos de fada e, nestas circunstâncias, imagino a preocupação do Ministro mas também a de sua mulher mesmo se as questões de promoção não eram para ali chamadas...
José Barros.
Esta está genial! Agora e se o tal Arnaldo calçasse 43, ou 44? Vá lá, mal por mal, mais valeu um pouco apertado, que a “nadar” nas “faluas”! Em tempos, contaram-me uma de um ministro que…precisava de gel (coisa de que nunca prescindia) para o cabelo, pois só assim conseguia “assentar” aquela hirsuta cabeleira que possuía. E foi um sarilho, pois sendo também num país de Leste, acabado de sair do comunismo, só se encontrou um fixador manhoso (e, pior, malcheiroso!). Ministro, por vezes, sofre!
P.Rufino
PS: a foto está igualmente com muita graça!
Para grandes males (41), grandes remédios (40).
Em peúgas nunca iria surgir, e ter os dedinhos dos pés um bocado apertados também nunca fez mal a ninguém.
Um abraço,
Pedro Duarte Dâmaso
A história desde logo cómica, é no minimo reveladora da capacidade de improviso do referido Sr. embaixador,
Estou em crer que se lembrou também de devolver um par de sapatos ao motorista.
Isabel Seixas
Excelente!!!
Engraçada ! :-)
NB1. Os hoteis que recebem Vip's e nao so, têm de prever o caso, visto que tudo pode acontecer.
NB2. O Obama contou recentemente uma do genero, mas ainda nao era presidente. Uf ! :-)
Mario
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