Há uma conhecida e vetusta instituição que, em Portugal, assume o título ritual de “rigoroso inquérito”.
Depois de um acidente ou incidente grave, de uma vigarice com impacto ou de uma qualquer disfunção pública relevante, desde que com expressão mediática, aparece quase sempre a rassurante declaração de que as "entidades competentes" (privadas ou públicas) decidiram “instaurar”, sobre o assunto, um “rigoroso inquérito”. Mas não se pense que se trata de um inquérito de rotina: é sempre um estudo que tem de ser qualificado de “rigoroso”, com o objectivo de sossegar as consciências, no sentido de que nada ficará por investigar e de que ninguém ficará impune. Se se ler bem a comunicação social, verificarão que, quase todas as semanas, surge o anúncio de um “rigoroso inquérito” que foi instaurado, deduz-se que com gente a arregaçar de imediato as mangas na investigação, com limites temporais para apresentar os resultados, com a ameaça de uma espada de Dâmocles sobre os responsáveis a punir.
Passam dias, semanas, meses e que acontece? Na esmagadora maioria das vezes nada se sabe, muitos destes inquéritos devem ser arquivados, outros terão ido avante, mas a emoção já passou, a comunicação social já está noutra, ninguém pergunta por eles.
É pena que não haja alguém que tenha tempo para fazer o registo e o acompanhamento regular, aí de três em três meses, com alarde público, por exemplo num blogue ou num site, com os resultados práticos e as conclusões de tais inquirições, assinaladas as respectivas responsabilidades nominativas. Que se saudassem os resultados, quando os houver, até como exemplo positivo a apontar. E que denunciassem, bem alto, os casos em que nada se passa, em que a montanha nem um rato pariu. Teria imensa graça e, estou certo, certos “responsáveis” passariam a ter mais cuidado para que ninguém sorrisse quando anunciassem o próximo “rigoroso inquérito”.
4 comentários:
Nos idos sessenta, havia uma revista, das poucas, "Flama", onde pontuava, com inigualável e acintoso humor, o recém falecido Vítor Direito, com uma crónica de atualidade.
Título da dita, "Os quens de direito".
Hoje poderia ser "Os rigorosos inquéritos".
Parabéns pelo lúcido e dinamizador blogue.
Quem está interessado em familiarizar as pessoas com palavras que à força de repeti-las perdem o senso da gravidade e do rigor?
A força de se brincar com o “acudam que há lobo”, quando houver de facto lobo já ninguém reage.
José Barros
Boa! Vamos então dar o passo seguinte: nomear uma “entidade rigorosamente competente” para inquirir os “rigorosos inquéritos”. Mesmo com marcação de um prazo, fica-me a vaga impressão de que o resultado seria mais ou menos este: “depois de se ter procedido a um inquérito rigoroso para se apurar porque é que os rigorosos inquéritos nunca chegam ao seu termo, ou desaparecem nas brumas, concluiu-se não haver razões para se duvidar que os rigorosos inquéritos não apuram o que lhes é exigido. Neste sentido, arquive-se este inquérito, elaborado com todo o rigor e aguardem-se as conclusões dos restantes inquéritos rigorosos.
A Entidade Competente Responsável por este inquérito”.
P.Rufino
Ai! Os rigorosos inquéritos, as estatísticas oficiais, as entidades acima de qualquer suspeita, as fontes próximas de, as sondagens mais credíveis, os fazedores de opinião, os jornais de referência, as instituições responsáveis...ai! Senhor Embaixador, tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é Portugal!
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