Há dias, um amigo falou-me de um conceito para o qual eu não tinha ainda uma expressão: restaurantes “cansados”. Ganhei essa fórmula utilíssima.
Na tarefa simpática a que me dedico para a revista “Evasões” (faço-o também para a revista “Epicur”, mas ali o registo que escolhi foi outro) elaborando notas de análise sobre alguns restaurantes pelo país, há uma realidade que algumas pessoas talvez desconheçam: os críticos não estão sujeitos a qualquer indicação ou recomendação por parte da publicação, podendo, no seu livre arbítrio, selecionar os locais que visitam. Foi aproveitando esta liberdade que (aqui entre nós) tenho decidido selecionar, em regra, restaurantes que já existem há alguns anos.
Porquê? Desde logo, porque há uma imensa publicidade a propósito dos novos restaurantes - eu diria mesmo, um excesso de “informação” que, muitas vezes, me parece derivar de bem sucedidas operações de marketing, com algum “spin” de comunicação a funcionar. Isso não significa que não haja coisas magníficas a despontar, um pouco por toda a parte, mas eu gosto de os “deixar pousar”, de os testar já com algum tempo de prova.
Mas há uma segunda razão. Sempre achei magnífico o esforço de algumas casas, espalhadas pela província portuguesa, que, às vezes com uma notável constância, teimam em sobreviver e continuar, frequentemente afrontando a concorrência agressiva de restaurantes episódicos mas que, enquanto duram, lhes corroem a clientela. Muitas dessas casas atravessaram os anos de crise, com grande dificuldade, e entendo que merecem ser apoiadas. E, por essa razão, porque as conheço e admiro há muito, apetece-me visitá-las e dar-lhes a oportunidade de serem destacadas com uma página de uma revista de grande difusão como a “Evasões”, distribuída com o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”.
É para esses restaurantes uma publicidade totalmente gratuita, mas que nem sempre possível. Eu explico. É que, com alguma frequência - com muito mais frequência do que se pode pensar - saio desses restaurantes com um sorriso amarelo: havia regressado com alegria, acabo desiludido pelo que encontrei. E, naturalmente, nada vou escrever sobre essa casa, porque a minha regra de ouro é reportar exclusivamente locais onde tenha tido uma experiência positiva. Não quero, com um texto crítico, fruto de uma única visita, que não está isenta de poder ter sido uma infelicidade conjuntural, correr o risco de poder afastar clientes e ter um impacto comercial desagradável, afetando um negócio e o emprego de pessoas e o sustento de famílias. É claro que, nada escrevendo, pago a conta do meu bolso, mas esse é o preço da minha opção. Nunca quebrei esta regra de só “dizer bem” e espero nunca ser confrontado com uma situação limite que me obrigue a quebrá-la.
Como disse, tenho-me confrontado com algumas desilusões em restaurantes “com nome”, mesmo com alguma história no panorama da gastronomia portuguesa. E, cada vez mais, tenho encontrado por aí os tais restaurantes “cansados”.
Sucedeu-me há uma semana, numa cidade nortenha que não vem para o caso. Apeteceu-me ir ao mais “histórico” restaurante da localidade, onde me recordo de ter tido refeições magníficas (às vezes pergunto-me, confesso, se o meu critério de então era o mesmo de hoje). E tive uma imensa desilusão.
A sala estava muito pouco composta, mantendo, contudo, o estilo tradicional, aquele género rústico, com cadeiras de couro, que, a partir dos anos 50 e 60, se espalhou como uma epidemia decorativa, de norte a sul do país. O serviço, simpático mas rarefeito como começa a ser triste “moda”, era executado por um único funcionário, simpático mas muito impreparado. A lista, manchada de azeite, tinha mais pratos do que a realidade nos ia oferecer, como fomos logo avisados. A insistência para que optássemos pelos pratos do dia revelou uma cozinha preguiçosa, com produtos disponíveis pouco frescos (ou “frescos” demais). Era jantar e, claramente, algumas das coisas vinham já do almoço. Os pratos, que até não estavam mal de todo e vinham em doses generosas, tinham uma apresentação abaixo de qualquer classificação, fruto de gente sem a devida qualificação profissional. Um sinal de alarme, sintoma de banalidade, e que ali era bem patente, foi o facto dos acompanhamentos de pratos muito diferentes serem exatamente os mesmos. Como é de regra quase geral nestas casas “cansadas”, a lista de vinhos estava imensamente desfalcada. Ah! E as entradas não tinham a menor imaginação, nem sequer fazendo jus aos produtos da região. Idem para as sobremesas, com uma torta que eu perguntei ao funcionário se era da “Firestone” ou da “Mabor”. Não percebeu a piada...
Saí triste de mais este restaurante “cansado”. Mas não vou desistir de continuar a tentar mostrar o esforço de quantos, por esse país, teimam em manter a nossa cozinha tradicional, com uma oferta honesta, sólida e com brio. E há muitos, podem crer.
(A fotografia, está bem de ver, não respeita a nenhum dos restaurantes de que falo no texto)