domingo, março 12, 2017

Os "nègres"


Os franceses chamam-lhe "nègres", os ingleses "ghostwriters". São aqueles que escrevem textos que, no final, serão assinados por outros. Ás vezes são livros, outras vezes são discursos.

Ontem, comprei uma biografia sobre um político português em que o autor diz de si próprio que é "crítico literário e ghostwriter". Acabo agora de ler, num semanário também ontem publicado, alguém que se identifica como membro do "European Speechwriters Network". Nunca tinha visto tanta "transparência" neste assunto...

Na minha vida, escrevi dezenas de discursos - e artigos de jornal - que foram lidos e subscritos por outras pessoas. São coisas que acontecem com naturalidadade na vida pública. Embora eu goste de escrever tudo o que leio em público ou assino, também já me aconteceu ter de ler (embora muito poucos) textos de que não fui autor, ao tempo em que estive no governo.

Há, neste domínio, um episódio curioso que até hoje nunca contei. Alguém me tinha pedido para preparar um prefácio para a tradução portuguesa de um determinado livro (cujo autor, curiosamente, li que virá proximamente a Lisboa, para uma conferência). O texto, bastante longo (seis densas páginas, em letra miúda), era para ser assinado por essa pessoa, como viria a acontecer. (Que fique claro que eu não ganhava nada com esse trabalho). Passaram alguns anos e as minhas relações com essa pessoa alteraram-se profundamente. Um dia, num debate público (lembra-se, Luís Tibério?) em que eu intervinha ao lado da figura que assinara o texto, essa pessoa defendeu uma tese, sobre um determinado assunto, em absoluto oposta à orientação seguida naquele prefácio (que, repito, eu escrevera e ele assinara). Fui então, confesso, "mauzinho". Disse-lhe que estranhava muito que tivesse "mudado de opinião", porquanto me lembrava de que, num prefácio "da sua autoria" a um determinado livro - "um texto com que eu concordava em absoluto, que até podia subscrever..." - ele defendera precisamente uma tese oposta. A pessoa em causa não gostou nada da minha "graça", mas foi obrigada a calar-se...

"Pago um almoço!"


Conheço restaurantes onde a lista é muito mais variada, que têm uma carta de vinhos bem mais rica. Sei de locais muito mais confortáveis, com salas mais acolhedoras, com um ambiente sofisticado que não se lhe compara. É claro que há sítios em que é mais fácil estacionar. Há mesmo locais onde a relação qualidade/preço quase pede meças à "Imperial de Campo de Ourique".

Reconheço tudo isso. Uma única coisa é inexcedível na "Imperial de Campo de Ourique": se houvesse "estrelas" do Michelin para a simpatia, se acaso existisse um "Óscar" para o dono mais atento aos clientes, um "Grammy" da afabilidade, o meu amigo João Gomes era, a grande distância, o vencedor antecipado e indiscutível.

Pago um almoço (mas pago mesmo!) a quem me descobrir um dono de restaurante com uma amabilidade e um trato para com os clientes superior ao do meu amigo João!

A "Imperial" fica no 67 da Correia Teles. Serve almoços - eu marco sempre pelo 213 886 096 - e também jantares, neste caso por reserva antecipada ou para quem por ali surgir não mais tarde do que as oito e meia. E fecha ao domingo. Com a dona Adelaide na cozinha e o filho Nuno também na sala, o João Gomes forma a "troika" do bem que transforma aquele espaço num "espetáculo!". Ah! E, se por lá reservar nos próximos dias, ainda vai encontrar lampreia, porque as raízes da família Gomes andam por barquenses terras minhotas.

O querer e o poder


Devemos ter forte respeito por quantos hoje têm a responsabilidade de conduzir e intervir na política europeia de Portugal, seja a nível governativo, seja no plano parlamentar. Não apenas porque este é um Portugal diferente  – saído de um periodo de grande fragilidade económico-financeira, que deixou fortes sequelas – mas, principalmente, porque o nosso país tem perante si uma Europa com uma inédita complexidade, atravessada por uma crise que afeta o seu projeto, sujeita a linhas de clivagem nunca antes vistas.

Há a sensação de que aquilo que consagrou o sucesso de seis décadas de integração pode, pela possível conjugação de circunstâncias não há muito tidas por implausíveis, colapsar ou ter uma deriva, de recentragem ou partição, que definitivamente o descaraterize. Daí a extrema delicadeza, quase única, deste momento, para o qual se exige visão, coragem e sentido de Estado, por parte de quantos, entre nós, acreditam, não apenas na Europa mas, muito particularmente, na importância de Portugal dever continuar a apostar na inserção europeia como o eixo mais seguro para a objetivação dos interesses do país no quadro global.

Dir-se-á que muito do que ocorreu com Portugal, na Europa do passado, já não dependeu, no essencial, da nossa vontade. A título de exemplo, lembraria que fomos obrigados, por razões ditadas por imperativos insuperáveis, a sofrer processos como o progressivo desmantelamento de proteção comercial, mobilizado pela pressão da globalização, ou a avalanche dos alargamentos, por determinantes políticas que não era possível controlar. Ambos os movimentos tiveram impactos sérios para a nossa economia, mas foi possível, nessa tal Europa de outros tempos, negociar fórmulas compensatórias que permitiram algum amortecimento dos efeitos dessas irrecusáveis decisões.

Essa Europa, contudo, acabou. A solidariedade e a preeminência das políticas estruturais e de coesão, voltadas para a Europa mais pobre, começam a diluir-se no horizonte e as consequências orçamentais, ditadas pelo Brexit, agravá-las-ão ainda mais. Quero com isto dizer que, vindo a repetir-se, num contexto muito diverso, uma possível evolução desfavorável de algumas outras políticas, cujos novos termos de referência Portugal continue a ter dificuldade em controlar, do nosso horizonte desapareceram já os importantes mecanismos compensatórios do passado. É muito mais dificil defender os interesses próprios de Portugal na Europa de hoje, e temos de estar preparados para ter de assumir as consequências disto. As prioridades europeias são outras e, por essa razão, a definição de uma rigorosa política de alianças é hoje de uma importância vital.

É neste contexto que surge, com uma força impositiva que a recente reunião dos “powers that be” da Europa parece ter tornado incontornável, a questão das “cooperações reforçadas” (a também chamada flexibilidade ou integração diferenciada) ou das “cooperações estruturadas” na área militar. Este está longe de ser um tema novo e a diplomacia portuguesa conhece-o como poucas – porque Portugal, desde há muito, o trabalhou com afinco, controlando com imenso cuidado a sua inserção institucional nos tratados. Mas isso é apenas o passado e nada nos garante que novos e mais complexos modelos não possam por aí surgir.

As declarações oficiais portuguesas foram, a este respeito, de grande prudência. Com a autoridade que temos pelo facto de ter estado, desde sempre, nos processos mais inclusivos da Europa (de Schengen ao euro, antes no Protocolo social e, depois, nas questões de Justiça e Assuntos Internos), afirmámo-nos já dispostos a encarar o alargamento do âmbito dos modelos possíveis, desde que eles venham a manter-se sempre potencialmente abertos a todos. E, claro, afirmámos o nosso desejo de continuar a integrar o que aí vier a criar-se, em termos de reforço de algumas políticas.

O título deste artigo não é, porém, casual. É que até agora, com exceção do euro (que obedeceu a critérios próprios), foi apenas a vontade política nacional que sobredeterminou o nosso integracionismo “à outrance”, pelo interesse assumido em evitar que Portugal, ao não estar presente nessas instâncias, viesse a pagar custos de periferização. Por essa razão, a grande preocupação que, a meu ver, o nosso país deverá agora ter, nos debates que se seguirão, é procurar evitar que quaisquer novos mecanismos de reforço integrador venham a derivar de condicionalidades de natureza económico-financeira, com impactos orçamentais, perante os quais a vontade política não seja suficiente. Esse, a meu ver, é o grande risco que Portugal tem no seu horizonte europeu imediato.

sexta-feira, março 10, 2017

O europeu derrotado


O governo polaco, descontente com Donald Tusk, seu opositor político interno, decidiu uma candidatura própria para a presidência do Conselho Europeu e, para tal, foi descortinar no Parlamento Europeu uma personalidade tida pela imprensa como "quase desconhecida", apontando-a como o seu candidato a esse posto. Essa tentativa saiu, em absoluto, frustrada e o nome avançado por Varsóvia foi clamorosamente derrotado, com a reafirmação da confiança em Tusk por parte dos outros 27 Estados.

Quem era a figura escolhida pelos governantes polacos? Um deputado de seu nome Jasek Saryusz Wolski, membro da direita local, o qual, por essa ousadia que se sabia politicamente suicida, se viu afastado da vice-presidência do Partido Popular Europeu.

E por que é que trago o assunto para aqui agora? Porque Saryusz Wolski é, há mais de duas décadas, um bom amigo pessoal. Com ele troco, nomeadamente no Twitter, mensagens que expressam as nossas profundas mas sempre cordiais divergências, sobre a política europeia, a questão ucraniana ou as relações com Moscovo. 

Jacek foi, por algum tempo, meu contraparte polaco, como secretário de Estado dos Assuntos Europeus e nunca mais esqueceu uns filetes de pescada que um dia o levei a comer à "Primavera", bem como uma noitada no "Procópio", onde se queixou por então só por lá haver vodka "Moskovskaya"... É que, para ele, tudo o que for russo é tabu!

Um abraço para ti, Jacek!

"Insuspeito"

Nos últimos dias, com aquilo que por aqui disse sobre a intocabilidade temporal do lugar do governador do Banco de Portugal e sobre o erro que seria mexer no Conselho de Finanças Públicas nesta conjuntura, fui incensado pelos meios conservadores ou mesmo de direita pura e dura. O online de um semanário colocou-me a "atacar o PS", escondendo que eu tinha precisamente elogiado a atitude oficial do partido e do seu líder sobre os dois temas, apenas tendo procurado alertar os socialistas para o inconveniente de eventualmente irem contra essa linha, utilizando metaforicamente a figura de que o PREC, com o seu histórico ataque às instituições, tinha já acabado há muito.

Logo de seguida, ao ter-me indignado com o boicote à palestra de Jaime Nogueira Pinto, passei logo a ser citado como "insuspeito" pela direita - que é aquilo que se costuma chamar aos "do outro lado" quando o que dizem nos dá pontualmente "jeito". Porque escrevi que o boicote que tinha conduzido à suspensão da sessão tinha tido origem numa estrutura da extrema-esquerda, isso foi sublinhado com ênfase e júbilo pelo lado contrário.

Ontem, ao mostrar desagrado com a crispação na Assembleia da República, sem explicitamente crucificar o líder da oposição, fui logo criticado, em algumas redes sociais. Desta vez foram alguns comentaristas de esquerda que acharam que eu estava a "meter tudo no mesmo saco", reclamando pelo facto de não me ter pronunciado sobre o fundo da questão (e os "culpados"), mas apenas sobre o "ruído" público do espetáculo parlamentar.

Há uns tempos, se bem se lembram, quando Manuela Ferreira Leite, Bagão Felix ou Pacheco Pereira criticavam o governo de Passos Coelho, essas figuras surgiam, para a esquerda, como uma espécie de "novos camaradas". Eram gente que "dava jeito". Não eram "dos nossos", mas, como surgiam a criticar quem nós criticávamos, isso era logo visto como positivo. Longe de mim colocar-me ao nível desses senadores, mas chamo-os à colação porque foram casos simétricos.

Agora, nestes últimos dias, à direita dizem que sou "insuspeito" porque, aos olhares desatentos de alguns (para quem, em política, "o que parece é"), parece que surjo reticente face ao setor de onde sou oriundo. Mas, estejam descansados! Bastará que eu elogie a "geringonça" ou zurza a bancada parlamentar da direita para logo vir ser crismado com todos os qualificativos desqualificantes, nos blogues e outros meios desse setor. Logo passarei a "suspeito", num instante... Lembro-me do que ouvi quando publiquei um texto chamado "Não lhes perdoo!".

Alguns amigos dirão: "Mas por que é que te pões a jeito? Assim, eles utilizam-te!". Talvez, mas a liberdade de dizer o que penso é, para mim, um valor bem mais importante do que o risco de vir a ser utilizado por aqueles com quem não concordo.

quinta-feira, março 09, 2017

Assembleia da República


Assisti ontem a um dos debates parlamentares mais tristes de que tenho memória - e tenho alguma. A acrimónia que atravessou a sala não honrou a democracia portuguesa. Já sei que cada um terá a sua leitura sobre quem são os "únicos culpados" (e prevejo, também tristemente, que nalguns comentários emergirá o maniqueísmo clubista da paróquia), mas isso não é para aqui chamado, porque o que importa é que o cidadão politicamente menos mobilizado terá ganho uma razão mais para alimentar a imagem degradada que tem da nossa classe política.

quarta-feira, março 08, 2017

RTP


Acho graça aos filmes das primeiras emissões da RTP, na antiga Feira Popular, com a futura Vera Lagoa a apresentá-las. Já os conheço de cor, mas essa não foi a minha primeira RTP.

Para quem vivia "para lá do Marão", em Vila Real, a RTP era uma "coisa" de Lisboa, apenas falada nos jornais e na Emissora Nacional. Por algum tempo, bastante, mas cuja duração não posso precisar, a cidade não teve aparelhos de televisão, porque o "sinal" não chegava lá. 

Um dia, talvez em 1958 ou 1959, o meu pai recebeu um convite impresso, cuja imagem guardo na memória, enviado pela Rádio Patinhas, uma casa de eletrodomésticos que existia numa esquina da avenida principal da cidade, convidando "Vossa Excelência e a Excelentíssima família a assistirem à emissão da Radiotelevisão Portuguesa". E lá fomos, uma noite, juntamente com alguns escassos eleitos, sentar-nos dentro da loja, olhando um aparelho pequeno, a preto e branco, com uma imagem muito granulada e um som episódico. Cá fora, de cara colada às montras, amontoavam-se muitos curiosos, que não tinham o privilégio do convite. O "sinal" era muito mau, vinha da Lousã, mas aquilo era, para o miúdo que eu era, o "máximo". Tenho três recordações, porque as belas coisas novas nunca se esquecem: o Trio Odemira a tocar, Artur Agostinho e Gina Esteves a apresentar o "Quem Sabe Sabe" e números de magia e ilusionismo, creio que pelo "Conde de Aguilar". 

Algum tempo depois, a televisão começou a ser visível nas montras dos vendedores de aparelhos. Em Vila Real, na Casa Dionísio, concorrente do Patinhas, e, em férias, na Casa Ponte, na Praça da República, de Viana do Castelo. Depois, com o tempo, o mundo mudou e, pouco a pouco, todos passámos a ter televisores em casa, com as infernais antenas, os "potenciadores de sinal" e, mais tarde, os pesados "estabilizadores" de corrente. A partir de certa altura, havia mesmo quem colocasse no écran uma cobertura cobertura com ligeiras cores, uma patetice a sugerir uma antecipação do colorido. Essa cor chegou um dia, como também chegaria esse momento democrático do país que foi a abertura de outros canais. Antes, porém, já todos pagávamos a famosa "taxa", hoje disfarçada já não sei bem como.   

60 anos é uma bela idade. A RTP faz parte da história de todos nós e todos nós temos uma "história" com a RTP. A minha cruza-se também com os tempos que por lá passei, como militar, nos dias que se seguiram ao 25 de abril. E, nos de hoje, com um programa em que também por lá, de vez em quando, colaboro.

Deixo de parte a minha leitura da relação da RTP com o poder, a qual, só por si, já deveria ter merecido um estudo universitário - desde os tempos de Camilo de Mendonça, seu primeiro presidente, até aos de Gonçalo Reis, que atualmente a dirige, passando por um número infindo de figuras que marcaram os ciclos políticos. 

Agora, é ocasião apenas para dar parabéns à sexagenária RTP e a alguns amigos que por lá tenho.

terça-feira, março 07, 2017

Jaime Nogueira Pinto


Acabo de ter conhecimento de que uma ameaça de boicote e invasão do espaço onde, ao final da tarde de hoje, deveria realizar-se uma conferência de Jaime Nogueira Pinto conduziu ao adiamento da sessão, que deveria ter lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa.

Como membro do Conselho de Faculdade da FCSH, lastimo que a direção da escola tenha sido forçada, contra a sua vontade, a tomar esta atitude para salvaguarda da estabilidade funcional da instituição. 

E porque convém chamar os bois pelos nomes, que fique claro que esta inadmissível atitude censória, foi tomada por uma estrutura de estudantes identificada com o Bloco de Esquerda.

Há meses, em Cascais, teve lugar um debate público com três intervenientes: Jaime Nogueira Pinto, Francisco Louçã e eu próprio. Ninguém se lembrou de boicotar a sessão. Claro.

Multiculturalismo


Terá lugar em Braga, na sexta-feira, dia 17 de março, no Auditório Vita da Universidade Católica, pelas 21 horas, a conferência "Olhares sobre o Multiculturalismo", inserido no ciclo de conferências "Nova Ágora", organizado pela Arquidiocese de Braga, em que participarei ao lado de Ângelo Correia e João Cardoso Rosas, sob a moderação de Rita Ribeiro.

O presidente Marcelo Rebelo de Sousa inaugurou este ciclo, que prosseguirá com outras conferências dedicadas ao tema "Saúde e Qualidade de Vida" e "Era digital".

segunda-feira, março 06, 2017

O PREC acabou, sabiam?

Percebo que muitos não gostem das declarações e dos "statements" da dra. Teodora Cardoso e do seu Conselho de Finanças Públicas - eu não aprecio. E acho muito bem que a senhora e a instituição sejam zurzidas por quem deles discorda e sejam expostas as suas insuficiências e contradições.

É também saudável que haja um escrutínio público sobre o governador do Banco de Portugal, cujas ações e omissões podem ter contribuído para o estado lamentável a que chegou o nosso sistema bancário. O caráter sacrossanto do regulador bancário nunca me caiu bem e, em democracia, convém que se note, temos de poder dizer o que nos vai na alma, em especial quando nos vão aos bolsos.

Até aqui tudo bem. Mas a democracia tem regras e uma delas é saber viver com as instituições, muito em especial quando o que elas fazem não está em sintonia com o que pensamos. Foi isso que dissémos ao anterior governo, quando atacou o Tribunal Constitucional.

Estou-me perfeitamente borrifando para o que pensa quem anda pelo Bloco ou pelo PC ou respetivas bordas. Mas gostava de deixar claro, à atenção do PS, que a irresponsabilidade desqualifica politicamente um partido de poder (como, noutros domínios, está a desqualificar gravemente o atual PSD), pelo que seria de uma imensa insanidade democrática apelar, nesta conjuntura, à revisão do estatuto do Conselho de Finanças Públicas ou à demissão do governador do Banco de Portugal. Mas eu estou seguro de que António Costa está bem ciente disto.

O PREC já acabou, sabiam?

Registo de interesses

Sou sportinguista, com imenso orgulho em sê-lo e sem que a minha afetividade clubista seja minimamente afetada pelos resultados do clube no futebol. Era só o que faltava!

Serve isto para deixar claro que, respeitando embora a decisão dos sócios em manter à frente do clube o atual presidente, que reconheço que fez alguma obra no equilíbrio financeiro, não me revejo minimamente no estilo e na forma da sua liderança. 

O que essa figura afirmou no final das recentes eleições envergonha muitos sportinguistas, embora, aparentemente, rime bem com a javardice de muitos outros. Argumentar que é preciso mostrar uma frontalidade agressiva face aos principais adversários é colocar-se ao "nível" das insalubres lideranças e do fanatismo acéfalo de muitos apoiantes dos mesmos - e não parece que isso seja um "benchmark" recomendável para um clube como o Sporting Clube de Portugal.

Continuo a repetir o que digo há muitos anos: a prova provada da grandeza do Sporting é o facto de, nas últimas décadas, ter conseguido resistir à mediocridade de muitos dirigentes que por lá têm passado. E, uma vez mais, isso vai acontecer.

Guimarães

Sou do tempo em que o Sporting ganhava em Alvalade ao Guimarães... (O empate de ontem deve ser consequência da noitada de júbilo da reeleição do "líder" que nos levará às grandes vitórias.)

Numa bela tarde de sol (mais bela porque ganhámos por 3-1), já há uns bons anos, em Alvalade, o Sporting estava a fazer um bom jogo com o Guimarães. A certa altura, um atacante sportinguista caiu na área do adversário e, na bancada onde eu estava, houve um imenso berro de "penalti". O árbitro não marcou.

Talvez porque, antes dos meus 20 anos, fiz um curso de arbitragem de futebol, "tenho a mania" de ser rigoroso nas minhas análises. Sou completamente incapaz de, por cegueira clubista, achar que houve falta... quando não houve! (Embora, muitas vezes, não me importe que o árbitro marque, mas isso é outra questão.)

Naquele instante, no seio de uma homogénea bancada leonina, saiu-me um imprudente: "Não foi penalti!" O que eu fui dizer! De "lampião" para cima (porque, no seio do Sporting, é o mais baixo qualificativo insultuoso existente) fui apodado de tudo (lembras-te, Tó Zé?). E não fora dar-se o caso do jogo estar a correr bem para o Sporting e o meu gesto podia ter-me saído bem caro.

Nessa tarde, decidi definitivamente deixar a honestidade técnica à porta dos estádios.

Alain Juppé


Acabou, em definitivo, a carreira política, à escala nacional, de Alain Juppé. Com a sua (hoje reiterada) recusa em avançar como candidato presidencial, em substituição de um desgastado François Fillon, o político de Bordéus colocou um ponto final num percurso público que prometeu bastante mais do que conseguiu efetivamente concretizar. 

"O melhor de entre nós", como lhe chamava o seu grande mentor, Jacques Chirac, acabou por ter um destino nacional limitado, de certo modo sucedendo-lhe algo parecido a um seu prometedor conterrâneo, que também não conseguiu ultrapassar a soleira do Eliseu, Jacques Chaban-Delmas.

Alain Juppé foi ministro e primeiro-ministro de França, tendo em tempos sido condenado por uso indevido de bens públicos, num processo em que, ao que tudo indica, protegeu e pagou por Chirac, o que o levou a uma penosa "travessia do deserto", em parte no Canadá. É impressionante a descrição que faz, num dos seus livros, das horas que passou, detido, numa fronteira americana, expiando o cadastro passado, que a burocracracia policial dos EUA não esquecera. Apesar de tudo, e não obstante o seu caráter algo arrogante, a França parecia ter-lhe perdoado esses pecadilhos do passado, colocando-o, nos tempos de hoje, na prateleira reverenciada dos "senadores" da República.

O gaullismo de Juppé - tal como o de Chaban-Delmas, de quem Delors fora adjunto - era marcado por uma leitura muito mais social e muito menos liberal do que a de François Fillon. Por essa razão, da mesma forma que acontecera em 2003 com Chirac, alguma esquerda poderia, numa hipotética segunda volta com Marine le Pen, dar-lhe com maior facilidade o seu voto. 

Mas esse, curiosamente, terá sido o "defeito" que fez com que tivesse sido ultrapassado, com surpresa maioritária, por Fillon, nas Primárias da direita. O radicalismo conservador do "Les Republicans" - nome atual do partido da direita democrática, que já foi UMP, RPR e coisas outras - está manifestamente a aproximar-se da perigosa fronteira com a extrema-direita, cedendo programaticamente a alguns dos seus slogans, como Sarkozy já demonstrara. Juppé, que reflete uma versão moderna do "gaullisme de gauche", estava assim já em "terra de ninguém" em matéria de apoio partidário. E, por isso, sai hoje de cena, sem glória mas com alguma honra política.

Entrevista

Dei uma entrevista de quatro páginas ao semanário "Sol", publicada na edição do passado sábado, sobre questões de política interna e externa.

Não há link na edição on-line nem é viável transcrever aqui o longo texto da conversa com o jornalista Sebastião Bugalho.

domingo, março 05, 2017

1974 revisitado


Andávamos por cafés, bares e tascas, usando o nosso melhor francês e um então mais fraco inglês, explicando a velhos esquerdistas nostálgicos e a jovens marxistas aturdidos que nos procuravam, vindos da estranja, quem era quem nesse Portugal revolucionário que nos enchia as ruas. Traduzíamos MDP ou MRPP ou PCP-ML (explicando mesmo que este tinha duas fações) a ouvidos que entendiam muito mal esse multiplicar diário de siglas, o que as distinguia, o que cada grupo propunha de diferente. (Alguns de nós também, verdade seja!)

A Revolução portuguesa de 1974 trouxe o nome de Portugal pelas bocas espantadas do mundo. De um país ignoto, com uma ditadura cinzenta que alimentava um ridículo e tardio sonho colonial, Portugal encheu por meses capas e primeiras páginas da imprensa, em especial europeia, surpreendida por uns militares sorridentes que anunciavam querer devolver o poder ao povo, no amanhecer de uma revolta quase sem sangue, com flores, música e muita alegria.

A Revolução não foi só isso, algumas coisas não correram tão bem como se desejaria, diferentes leituras do futuro confrontaram-se com algum estrondo, sabemo-lo hoje. Mas, usando por uma vez a imagem do déspota beato de Santa Comba, "em política, o que parece é". E parecia e era uma Festa bonita, que trouxe amanhãs que cantaram uma liberdade que "já cá canta" há quatro décadas.

Agora, com outra serenidade, a Geringonça surpreende alguma Europa, pelo ineditismo da fórmula, pela "conversão" pragmática (por quanto tempo?) da "esquerda da esquerda", lado-a-lado com um PS que procura - e tem conseguido - fazer a "quadratura do círculo", respeitando os compromissos europeus, sob a bênção sorridente de um presidente improvável, vindo da direita para ajudar uma estabilidade que assenta na esquerda.

A capa desta revista italiana, que hoje apanhei na net, diz muito da surpresa de quem nos olha de fora. No título, "sinistra" significa "esquerda". É assim para os italianos... e para alguma direita!

Macron


Ontem, alguém lembrava: "aquilo em França é tudo em "on": é o Macron, é o Fillon, é o Hamon, é o Mélenchon...".

Se a direita democrática não se vir livre rapidamente de Fillon (o nível de assistência ao comício no Trocadero, em Paris, daqui a horas, pode ser um fator decisivo - e, em princípio, vai chover), colocando Alain Juppé no seu lugar, a probabilidade de ter Emmanuel Macron no Eliseu é muito elevada. Grande parte do PS, que não aceita Hamon, está a passar-se para o seu lado.

Macron afirma que não é nem de direita nem de esquerda - o que é uma frase típica de quem é de direita, como a História nos ensina, sem uma única exceção. (A regra é igualmente válida para quem diz que "essa coisa de esquerda e direita é uma dualidade ultrapassada e sem sentido")

Faz-me lembrar um colega da Carreira, um homem simpático que, para o meu gosto, tinha uma coreografia opinativa demasiado mimética com os poderes de turno e que um dia apregoava, em tempos de prevalência conservadora pelos claustros, ao serem-lhe lembradas algumas anteriores ligações à esquerda: "eu não sou de esquerda nem de direita, sou alentejano". Tá bem, abelha!

sábado, março 04, 2017

Miguel Lobo Antunes


Sou muito suspeito, sou amigo do Miguel, por quem tenho uma grande admiração, pelo que é e por tudo quanto soube construir ao longo da vida, com azares e muitas coisas boas pelo meio. Fizemos "tropa" juntos, temos algumas ideias (nem todas) em comum, mas eu tenho melhor feitio do que ele (o que, aliás, é fácil).


A seu convite, faço parte de uma "conspiração do bem" que ele criou há vários anos, uma combinação improvável de pessoas que discretamente se dedica, sem a menor agenda de interesses, a refletir sobre os caminhos de futuro para o país - e que deve ser a única "tertúlia" no mundo que reúne às 9.30 da manhã (temos água e café de borla).

Gostei agora de uma entrevista que deu, feita, com a serenidade inteligente de sempre, pela Ana Sousa Dias, onde ele se mostra perplexo com a reforma que aí (lhe) virá.

Não te preocupes, Miguel! O ativo ou a reforma não são categorias que se excluam mutuamente. Conheço muita gente que, estando teoricamente "no ativo", está "reformada" há muito, às vezes desde sempre. E, tal como tu, também conheço alguns "maduros" para quem estar tecnicamente reformado significa apenas ter conseguido muito mais tempo para aquilo em que quer manter-se ativo.

Welcome to the club, old chap!

(Leia-se a entrevista aqui)

Um estranho almoço

Há pouco, entrei no carro e "olhei para trás", para o longo almoço que hoje tive, com amigos, em casa de outros amigos. Foram mais de cinco horas de conversa, bem acompanhada por belas vitualhas e líquidos adequados. Um almoço divertido, bem disposto, com muitas histórias e ironias qb.

Contudo, foi um almoço estranho. Porquê? Porque nessas cinco horas não se falou do livro de Cavaco, dos SMS de Centeno, de Passos Coelho, de António Costa, de Núncio, dos "offshore", do jornalismo de José Gomes Ferreira, de Ricardo Salgado, de Carlos Alexandre, de Sócrates, das eleições no Sporting, quase nada de Trump, das eleições francesas, do Brexit, da salgalhada europeia.

E, no entanto, falou-se de tanta coisa! Um magnífico almoço.

sexta-feira, março 03, 2017

Angola e nós


Fui diplomata em Angola na primeira década pós-independência. Luanda era uma cidade sitiada, a guerra civil abrangia grande parte do território, mantinha-se uma forte presença cubana, civil e militar, a África do Sul apoiava militarmente a Unita, sedeada na Jamba, com apoio americano. A Guerra Fria estava a poucos anos do seu termo, mas Angola era então uma das suas trincheiras mais evidentes. 

Todos os dias, na embaixada, olhávamos para o « Jornal de Angola », esperando a diatribe do dia contra Portugal. A Unita passeava-se por Lisboa, era apoiada por portugueses, tinha acesso à nossa comunicação social. Tornava-se impossível explicar às autoridades angolanas que, menos de uma década passada sobre o 25 de abril, não era sensato esperar que os governos de Lisboa pudessem  limitar a expressão e a liberdade de movimentos dos opositores do regime de Luanda, muitos deles beneficiando do facto de terem nacionalidade portuguesa. 

Há poucos países de expressão portuguesa de cujos cidadãos eu me tenha sentido mais próximo do que dos angolanos. Vivendo uma realidade diametralmente diversa, com um regime cujo funcionamento e práticas nada têm a ver connosco, nem por isso os angolanos deixam de ter algo que se nos assemelha – nas qualidades e nos defeitos. Um dia, Venâncio de Moura, que foi ministro das Relações Exteriores de Angola, dizia-me, a brincar, numa conversa, em que eu comentava precisamente naquele sentido : « Nós, angolanos, tal como vocês, somos latinos », assim justificando a forma expansiva daquele povo magnífico, cujo destino histórico tem incorporado um sofrimento recorrente.

Há dias, um incidente judicial, com contornos políticos, voltou a agravar as relações bilaterais. Se acaso eu encontrar, daqui a horas, um qualquer amigo angolano – e tenho vários e bons – e lhe disser, com a verdade iniludível dos factos, que o governo português nada pode fazer face à autonomia do Ministério Público, pelo que é totalmente injusta a imputação de responsabilidades políticas e o alarido que isso provocou em setores de Luanda, quase que apostaria que ele acabará por me dar razão. Os angolanos, lá no fundo, sabem bem que as coisas são assim, que ninguém terá ficado mais desagradado pela coincidência temporal das revelações de um processo do que a nossa ministra da Justiça, originária de Angola e oriunda do próprio Ministério Público português, e que viu o incidente cancelar a sua deslocação oficial a Luanda.

Há quem, em Portugal, esteja apostado em prejudicar as relações com Angola ? Claro que sim, mas aí a « reciprocidade » é total… Por isso, só resta ter sangue frio e esperar.

quarta-feira, março 01, 2017

François Fillon

Vai ser penoso assistir à campanha eleitoral da direita democrática francesa, a partir de agora. Não obstante a Justiça ter decidido avançar no processo que envolve os alegados empregos fictícios da sua família, pagos pelo erário público, François Fillon optou por manter a sua candidatura. Fillon joga o "tudo ou nada", numa obstinada ambição de quem desenhou, de há muito, um futuro que pensava acabar no Eliseu. E que pode, afinal, acabar muito mal.

Veremos como reagirão agora os seus apoios políticos e, em especial, se Fillon conseguirá continuar no terreno sem sobressaltos humilhantes. É que nada indica que o "affaire Fillon" deixe de continuar no centro da campanha. 

Será isto uma boa notícia para Marine le Pen, não obstante ela também estar a braços com "trapalhadas" financeiras no Parlamento Europeu? E Emmanuel Macron terá a vida facilitada, agora que os socialistas franceses parecem fortemente divididos quanto a Benoît Hamon?

Não fosse a circunstância de passar pelo desfecho presidencial francês parte importante do futuro coletivo europeu, observar esta eleição podia ser um exercício divertido.

O poder da China

O "red carpet treatment" dado a Putin por Xi Jiping, depois da visita que fez à Sérvia e Hungria, parece ser um sinal claro, e def...