domingo, março 12, 2017

Os "nègres"


Os franceses chamam-lhe "nègres", os ingleses "ghostwriters". São aqueles que escrevem textos que, no final, serão assinados por outros. Ás vezes são livros, outras vezes são discursos.

Ontem, comprei uma biografia sobre um político português em que o autor diz de si próprio que é "crítico literário e ghostwriter". Acabo agora de ler, num semanário também ontem publicado, alguém que se identifica como membro do "European Speechwriters Network". Nunca tinha visto tanta "transparência" neste assunto...

Na minha vida, escrevi dezenas de discursos - e artigos de jornal - que foram lidos e subscritos por outras pessoas. São coisas que acontecem com naturalidadade na vida pública. Embora eu goste de escrever tudo o que leio em público ou assino, também já me aconteceu ter de ler (embora muito poucos) textos de que não fui autor, ao tempo em que estive no governo.

Há, neste domínio, um episódio curioso que até hoje nunca contei. Alguém me tinha pedido para preparar um prefácio para a tradução portuguesa de um determinado livro (cujo autor, curiosamente, li que virá proximamente a Lisboa, para uma conferência). O texto, bastante longo (seis densas páginas, em letra miúda), era para ser assinado por essa pessoa, como viria a acontecer. (Que fique claro que eu não ganhava nada com esse trabalho). Passaram alguns anos e as minhas relações com essa pessoa alteraram-se profundamente. Um dia, num debate público (lembra-se, Luís Tibério?) em que eu intervinha ao lado da figura que assinara o texto, essa pessoa defendeu uma tese, sobre um determinado assunto, em absoluto oposta à orientação seguida naquele prefácio (que, repito, eu escrevera e ele assinara). Fui então, confesso, "mauzinho". Disse-lhe que estranhava muito que tivesse "mudado de opinião", porquanto me lembrava de que, num prefácio "da sua autoria" a um determinado livro - "um texto com que eu concordava em absoluto, que até podia subscrever..." - ele defendera precisamente uma tese oposta. A pessoa em causa não gostou nada da minha "graça", mas foi obrigada a calar-se...

1 comentário:

Lúcio Ferro disse...

Upa, upa...

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...