domingo, março 05, 2017

1974 revisitado


Andávamos por cafés, bares e tascas, usando o nosso melhor francês e um então mais fraco inglês, explicando a velhos esquerdistas nostálgicos e a jovens marxistas aturdidos que nos procuravam, vindos da estranja, quem era quem nesse Portugal revolucionário que nos enchia as ruas. Traduzíamos MDP ou MRPP ou PCP-ML (explicando mesmo que este tinha duas fações) a ouvidos que entendiam muito mal esse multiplicar diário de siglas, o que as distinguia, o que cada grupo propunha de diferente. (Alguns de nós também, verdade seja!)

A Revolução portuguesa de 1974 trouxe o nome de Portugal pelas bocas espantadas do mundo. De um país ignoto, com uma ditadura cinzenta que alimentava um ridículo e tardio sonho colonial, Portugal encheu por meses capas e primeiras páginas da imprensa, em especial europeia, surpreendida por uns militares sorridentes que anunciavam querer devolver o poder ao povo, no amanhecer de uma revolta quase sem sangue, com flores, música e muita alegria.

A Revolução não foi só isso, algumas coisas não correram tão bem como se desejaria, diferentes leituras do futuro confrontaram-se com algum estrondo, sabemo-lo hoje. Mas, usando por uma vez a imagem do déspota beato de Santa Comba, "em política, o que parece é". E parecia e era uma Festa bonita, que trouxe amanhãs que cantaram uma liberdade que "já cá canta" há quatro décadas.

Agora, com outra serenidade, a Geringonça surpreende alguma Europa, pelo ineditismo da fórmula, pela "conversão" pragmática (por quanto tempo?) da "esquerda da esquerda", lado-a-lado com um PS que procura - e tem conseguido - fazer a "quadratura do círculo", respeitando os compromissos europeus, sob a bênção sorridente de um presidente improvável, vindo da direita para ajudar uma estabilidade que assenta na esquerda.

A capa desta revista italiana, que hoje apanhei na net, diz muito da surpresa de quem nos olha de fora. No título, "sinistra" significa "esquerda". É assim para os italianos... e para alguma direita!

1 comentário:

Anónimo disse...

Berlusconi, presidente da Forza Itália, governou em coligação com a Lega Nord, cujo programa era dividir a Itália. Aliança mais contraditória não é possível!
Fernando Neves

João Miguel Tavares no "Público"