Para o bem e para o mal, a Europa é o nosso destino. O
Atlântico pode ser a vocação de há muito incumprida, as Áfricas podem
apontar-se como eterna promessa de um clube, feito de língua e algum afeto, a
abrir-nos as portas internacionais, mas a Europa é o que aí está, no imediato e
na realidade, como uma inevitabilidade – geográfica, económica, cultural. E
porque assim é, manda a racionalidade que seja nela que devamos concentrar
muita da nossa política para o mundo, sem prejuízo de procurarmos manter vivas
todas as nossas restantes dimensões de afirmação externa. Até porque essas
mesmas dimensões são também, elas próprias, constitutivas do nosso poder dentro
da Europa.
A Europa revelou, em anos recentes, insuspeitadas debilidades.
Como projeto com múltiplos atores, não necessariamente consonantes entre si
sobre os caminhos do futuro, na expressão simultânea das suas vontades, a
Europa comunitária provou, à saciedade, que é de uma grande e exasperante
lentidão na resposta aos factos, que navega quase sempre à vista, que é
arrastada pelos acontecimentos, em lugar de os conduzir. Isto não é uma
crítica, é uma mera constatação. Provavelmente não poderá ser de outra forma.
Conglomerado de vontades democráticas, mobilizadas por agendas nacionais
diversas e frequentemente divergentes, a Europa, no seu processo decisório, tem
de “ficar à espera” de todos e de cada um, sem o que arrisca a ilegitimidade
nos procedimentos, por muito que um juízo de eficácia justificasse o contrário.
No passado, no processo europeu, o sentido da urgência era
bem menor. Em causa estava, à época, avançar-se mais ou menos rapidamente no
completamento ou criação de certas políticas, que iam conferindo uma coerência
progressiva ao projeto. O tempo da maturação democrática era respeitado, a
identidade dos interesses comuns era mais evidente, a comunidade era então
menos extensa e mais coesa.
Foi a ambição que trouxe a nova urgência. Foi a “entrada” da
Europa em domínio que antes era do múnus exclusivo da soberania dos Estados –
como a moeda, a política exterior comum ou a gestão das fronteiras – que lhe criou
a necessidade de uma capacidade de resposta idêntica à que cada país tradicionalmente
tinha na gestão desses domínios. Perante esse desafio, a Europa mostrou a sua
escassa agilidade, uma lentidão paquidérmica. Vê-se isso na crise da moeda e no
caso grego, viu-se na caótica gestão do processo ucraniano e na falta de
soluções para uma afirmação coletiva face ao Estado Islâmico, constata-se, à
evidência, na patética reação face às vagas migratórias mediterrânicas ou às
hesitações sobre o que fazer no buraco do túnel para o oásis britânico.
A crescente constatação de que o “timing” é vital para a sua
eficácia está a levar a Europa a concentrar as suas decisões, a colocar de lado
o “método comunitário”, que se havia revelado confortável para as democracias
constitutivas do projeto coletivo. A preeminência do Conselho – isto é, dos
Estados – sobre a Comissão Europeia, a expressão de poder de instâncias como o
“eurogrupo”, tudo isso configura uma significativa mudança de natureza no
projeto.
Contrariamente a muitos, entendo que não compensa ser
nostálgico de outros tempos. Como nas regatas, há que ser hábil e saber navegar
com os ventos que estão, desde que se tenha uma estratégia, se proceda a uma
reflexão contínua, assente num amplo consenso político, sobre o modo como
atingir o nosso objetivo. Ter uma política europeia por omissão, como tem sido
o caso nestes últimos anos, é uma não-solução. E um imenso risco para o país.
(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")