quinta-feira, fevereiro 11, 2016

Fronteiras


Foi um excelente e esclarecedor debate, com interventores de muita qualidade, aquele que hoje, ao final da tarde, teve lugar, moderado por António José Teixeira, na Sociedade de Geografia. 

A questão das Fronteiras, tema do n° 6 da revista "XXI - Ter opinião", encontrou naquele belíssimo espaço (desconhecido de muitos portugueses) o seu lugar ideal de tratamento. Como foi lembrado, naquela como em outras "sociedades de Geografia" dos países europeus com colónias, desenharam-se e redesenharam-se, às vezes a régua e esquadro, muitas fronteiras africanas, que ainda hoje partem ao meio etnias e causam tensões sem fim. Por um momento, senti por ali perpassar o espírito, nem sempre benfazejo, do "mapa cor-de-rosa" e das imposições da "pérfida Albion", que levou o empolgado letrista de "A Portuguesa" a escrever o épico "contra os bretões, marchar! marchar!", que o politicamente correto de um país às ordens de Londres acabou por transformar no masoquista "contra os canhões, marchar! marchar!".

Durante o debate, houve um desvio natural para a questão dos refugiados, causa maior que trouxe as fronteiras à ribalta na Europa. Neste tópico, muito se ficou a saber sobre o modo excecional como Portugal se disponibilizou para acolher refugiados chegados à Europa. Foram também dadas informações de grande interesse sobre o "estado da arte", no tocante a essa questão, em todo o espaço da União. Um dos oradores fez muito bem em lembrar que, em matéria de conflitos, quando se fala, por exemplo, na barbárie de uma guerra como a da Síria, onde morreram 500 mil pessoas, à Europa conviria adotar alguma modéstia. Só no século XX, nas suas duas Guerras, morreram cerca de 100 milhões de pessoas e a atual onda de refugiados é "peanuts", comparada com as vagas que assolaram o continente europeu, em condições bem mais trágicas. Lembrar isto não atenua minimamente a tragédia dos que hoje sofrem, mas deveria ajudar os europeus a não mostrarem soberba e indiferença em face dos problemas dos outros, como se isso nunca os tivesse atingido no passado e, quem sabe, pode vir a afetá-los no futuro.

Quem estiver interessado pode aqui consultar o texto com que contribuí para este número da "XXI - Ter Opinião", intitulado "Schengen e as ilusões europeias".

Laurent Fabius


Laurent Fabius deixou a chefia da diplomacia francesa, passando a assumir a presidência do Conselho Constitucional, um órgão que, no ordenamento constitucional francês, não tem a relevância de um tribunal, mas onde, por exemplo, têm assento os ex-presidentes da República. É um fim de linha política "honorable" para uma das figuras mais proeminentes da família socialista francesa, que, a meu ver, fez um excelente lugar como ministro dos Negócios estrangeiros, consagrado com um papel decisivo na cimeira do clima e, embora num grau menos determinante, no acordo nuclear com o Irão. Num tempo em que a imagem internacional da França é de algum declínio, Fabius contribuiu para o disfarçar.

Fabius é aquilo que a direita costuma qualificar de "esquerda caviar". Oriundo de uma abastada família judaica, ligada ao negócio de antiguidades, emergiu, ainda jovem, pela mão de François Mitterrand, que o levou até ao cargo de primeiro-ministro. Atingido pelo escândalo da aquisição do sangue contaminado, que faria outras vítimas políticas noutros países, incluindo Portugal, fez uma travessia do deserto, durante a qual ficou famosa a sua oposição ao defunto "tratado constitucional" europeu, em cuja rejeição pela França teve um papel decisivo, o que os europeístas nunca lhe perdoaram.

Fabius terá sido dos últimos a acreditar em François Hollande como possível presidente socialista. É famosa a sua frase quando, num colóquio, foi perguntado sobre as hipóteses do atual presidente: "Hollande? On rêve!". No entanto, com a vitória de Hollande nas "primárias" socialistas, este viria a chamá-lo para o seu círculo próximo. Conheci-o pessoalmente, nesse período pré-eleitoral. Falámos mais do que uma vez, nesse tempo em que os diplomatas em posto em Paris procuravam sondar sobre o que seriam as intenções e orientações de um possível executivo socialista. Na minha perspetiva, cedo se revelou como uma das figuras de grande qualidade no círculo político do futuro presidente. A sua passagem à chefia do Quai d'Orsay só foi uma surpresa para quem estava desatento.

Diz-se que razões de saúde poderão ter determinado esta sua saída de cena. Era um "peso pesado" importante no governo, embora nunca fosse um "bem amado" no seu seio, bem como junto dos diplomatas. Alguma arrogância e sobranceria marcaram sempre o estilo de Fabius. Mas, repito, olhando do exterior, acho que foi um nome que dignificou internacionalmente a voz da França e, pelo menos aparentemente, foi leal a Hollande até ao fim.

Revista XXI


É logo, esta quinta-feira, pelas 18.30 horas, na Sociedade de Geografia (uma bela escolha, atendendo ao tema), que terá lugar o lançamento de mais um número, o 6º, da revista XXI, Ter Opinião, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, desta vez dedicado ao tema das Fronteiras.

A coordenação deste número pertence a António José Teixeira, que me convidou a nela publicar um texto que intitulei "Schengen e as ilusões europeias".

Vou tentar passar por lá, embora a ubiquidade, não sendo teoricamente impossível, seja complicada de realizar. 

António Monteiro Cardoso


É logo à tarde, pelas 18.00 horas, nesta quinta-feira, na Livraria Férin, na rua Nova do Almada, 70, a homenagem a António Monteiro Cardoso, há pouco falecido.

Na ocasião, haverá uma apresentação do seu livro "Boas Fadas que te Fadem" e a apresentação de vários testemunhos.

Lá estarei.

Ulmeiro


Li ontem na imprensa, com tristeza mas sem surpresa, que a Livraria Ulmeiro atravessa uma fase de grande dificuldade. Tenho pena pelo livreiro e editor José Ribeiro, pelo seu notável esforço de décadas em sustentar um projeto que já foi de grande sucesso.

A vida de algumas livrarias, em especial das que permaneceram ligadas a um modelo algo tradicional, é muito difícil. Só em Lisboa, e sem grande esforço, consigo lembrar-me de imensos espaços que foram fechando nos últimos anos.

A Ulmeiro, criada em 1969, chegou a ser uma referência em Lisboa, um local de encontro nos fins-de-semana, onde havia espetáculos e até se fez muita política. Lembro-me bem de a ter visitado logo na primeira semana da sua existência, nessa Lisboa em que as coisas novas eram muito poucas. Foi também uma editora e recordo-me de ter feito para a Ulmeiro, no início dos anos 70, uma tradução de uma obra de Sékou Touré (as coisas que eu fiz!), nunca publicada. Por lá ouvi José Afonso e (creio) poemas lidos pelo Tóssan (quem se lembra dele?).

Embora as perspetivas sejam sombrias para a Ulmeiro de hoje, convidaria quem (ainda) se interessa por livros a passar por lá e ver as pechinchas que existem entre os seus quase 200 mil volumes. Tome nota: é na avenida do Uruguai, 13A (prolongamento da avenida Gomes Pereira), às portas de Benfica.

Ah! E se tiverem uma gata, levem-na. Ela fica a conhecer o Salvador!

quarta-feira, fevereiro 10, 2016

Falar claro

É muito curiosa - e desonesta - a tendência de certos comentadores que, com acinte e aparente gozo, procuram esconder que a recente subida das nossas (e de vários outros países) taxas de juro, para reciclagem dos empréstimos da dívida pública, tem como essencial justificação o ambiente agitado que as bolsas atravessam por toda a Europa (e não só). Esse viés faz-se também sentir em alguns títulos de jornais e rodapés televisivos.

A vontade mesquinha de colar a subida das taxas de juro ao caso do orçamento português, sem a menor comprovação mas apenas pelo seu "wishful thinking", qualifica a mediocridade pedante desses inconsoláveis viúvos da defunta coligação. Ninguém afirma isso lá fora, mas esses arautos da desgraça teimam em insinuá-lo cá dentro. E nota-se o prazer que lhes dá magnificar, para consumo da paróquia, qualquer observação crítica sobre Portugal que consigam descortinar num jornal estrangeiro.

Os eventuais efeitos de qualquer opinião negativa sobre o orçamento português, a existirem - e eu não excluo que possam ocorrer, em alguma medida - só poderiam ser avaliados numa situação "business as usual" dos mercados. E, de momento, isso não existe, pelo que tudo o que por ora se disser - a menos que haja entretanto um "downgrading" pelas agências de notação - não passa de simples e infundadas especulações, destinadas a criar um ambiente de desconfiança e mal-estar na opinião pública.

É preciso que isto seja dito de forma clara.

terça-feira, fevereiro 09, 2016

Reflexão de Carnaval

Hoje, almoçando despreocupadamente com dois colegas, também reformados, um deles saiu-se com esta:

- É uma injustiça não sermos abrangidos pela tolerância de ponto!

Caímos num assentimento coletivo. O outro colega foi mesmo mais longe:

- É um escândalo! A Ana Avoila não protege os nossos interesses. Olha se mexeu uma palha a nosso favor, para podermos beneficiar das 35 horas! É o mexes!

Por mim, fui bem mais radical:

- Sempre achei inconcebível que não esteja regulamentado o direito à greve dos reformados. E fizemos nós o 25 de abril para isto!

Revoltados q.b., acabámos o almoço e regressámos às nossas tarefas.

Em tempo: vários amigos deram, entretanto, achegas que nos tinham escapado (fruto da idade, com certeza) na composição do nosso potencial "caderno reivindicativo": desde logo, o direito a férias, com o respetivo subsídio, e claro!, o de Natal, o óbvio subsídio de refeição e, o que é mais importante, um regime que permita uma distinção clara entre o fim-de-semana e os restantes dias. Começa aqui a gizar-se uma agenda jeitosa. Costa e Centeno que se "ponham a pau"! Isto não é só Carnavais e nós não somos menos importantes que os maquinistas da CP e do Metro...

O Brasil

Conversa com Pedro Pinto sobre o Brasil, para o "Observare"

Pode ver aqui.

Gilberto Ferraz



O meu amigo Gilberto Ferraz faz hoje anos, lá por Londres. A maioria dos leitores não faz a mais leve ideia de quem estou a falar. E é pena.

Gilberto Ferraz é um jornalista que, desde há algumas décadas assentou arraiais "por terras de sua majestade" (deixo isto entre aspas, porque esse é o título do seu futuro livro de memórias e recordações, revelo agora). Hoje, aposentado, continua por lá atento ao mundo, atento a nós e interessado como sempre esteve pelas coisas da vida.

Posso estar equivocado, mas tenho a impressão que foi um dia bem distante, nas manhãs da TSF, no meio daqueles noticiários trepidantes, que escutei pela primeira vez o seu nome e a sua voz. Só no final dos anos 80, numa passagem por Londres, vim a colocar finalmente uma cara naquela voz. Quando, tempos mais tarde, me mudei para a capital britânica, para trabalhar na nossa embaixada, pude contar com Gilberto Ferraz como um interlocutor regular. Construímos então uma boa amizade, feita de respeito e estima pessoal e profissional, que se manteve a partir de então, e já lá vão mais de duas décadas e meia.

O Gilberto, que teve um pé na política (julgo que chegou a representante do PSD ou do PPD no Reino Unido), era também correspondente do "Jornal de Noticias", tendo colaborado com outros órgãos de comunicação social. Paralelamente a tudo isso, trabalhou durante décadas na famosa "secção portuguesa" da BBC, uma excecional escola de rádio e jornalismo. Há uns anos, fui de Paris a Londres e ambos almoçámos na Bush House, a sede da BBC, onde ele se sentia verdadeiramente em casa. Mas ele vai contar-nos um destes dias tudo isso e muito mais, no seu livro.

Por agora, caro Gilberto, aqui lhe deixo um forte abraço amigo de parabéns! 

Vitória mural

(Não, não é erro, é mesmo "mural"). Hoje à noite, atravessando Lisboa duas vezes, por caminhos diferentes pude constatar que a esquerda continua a gozar a sua vitória mural. Por toda a cidade, indiferente à caminhada institucional de Marcelo a caminho de Belém, toda a nossa esquerda continua impante pelas paredes onde a sua propaganda exibe os sorrisos joviais de Sampaio da Nóvoa, de Maria de Belém, de Marisa Matias e Edgar Silva - e só destes!

O descaso com a poluição visual é também um sinal do nosso subdesenvolvimento cívico: este costume bem português de deixar a propaganda eleitoral por semanas, bem depois do sufrágio, tal como as comissões fabriqueiras das freguesias deixam, até que apodreçam, os cartazes das festas e romarias. Verdade seja que ainda subsiste pelo menos um sinal da EXPO98!

segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Amizades

Há dias, depois de um jantar em casa de amigos, um convidado a quem dávamos boleia comentou:

- Não sabia que conheciam tão bem os nossos anfitriões de hoje. É do tempo da faculdade?

Rimos e explicámos que o nosso convívio com esses amigos era relativamente recente, não tinha sequer três anos. O nosso parceiro de percurso ficou siderado! 

- Mas é fantástico! Pela vossa intimidade, parecia que se conheciam desde há várias décadas! 

Algumas amizades tardias na vida, desde que com as pessoas certas e com as quais algumas identidades essenciais se possam estabelecer, podem ser tão genuínas e ficar tão permanentes como amizades mais antigas. Aprendi isto com os anos, a minha mais eficaz escola.

Museu do Aljube


Fui ontem visitar o Museu do Aljube, um espaço que devia ser referência para todas as escolas, porque as novas gerações só virão a entender o que vai ser o seu futuro - e só perceberão as limitações do seu presente - se souberem o que significaram quase cinco décadas com polícia política, censura, repressão das liberdades, agressão colonial, condenando o país a um subdesenvolvimento que, infelizmente, não foi apenas no domínio económico-social.

Com um notável equilíbrio político, sem sectarismos partidários, o trabalho museológico do Museu do Aljube mostra o que foi a luta contra a ditadura e a ideologia que suportava o regime.

Porém, no melhor pano cai a nódoa. Não gostei de ver por lá duas ou três referências à "troika" e à situação que o país viveu nos últimos quatro anos. Havia necessidade? O 25 de abril deveria ser a data limite para um museu desta natureza, se o objetivo é unir as pessoas na rejeição, indignada mas serena, de um determinado tempo passado.

domingo, fevereiro 07, 2016

Erros, lapsos & "gaffes"

O que nos leva aos erros factuais crassos, quando intervimos na esfera pública? Descontado o desconhecimento das coisas, que às vezes também pode ocorrer e que temos de ter a humildade de assumir, há incorreções e até "gaffes" que vamos detetando (ou alguém por nós) na nossa expressão, escrita ou falada. Ontem, dei comigo a inventariar pequenos lapsos nas últimas 48 horas e a perguntar-me por que os cometi, sendo coisas tão óbvias.

Num artigo no último "Expresso", escrevi "Jeu de Pomme", em lugar do quase homófono "Jeu de Paume", quando me referi a um espaço museológico em Paris (felizmente, o "editing" do jornal estava atento). Na véspera, no programa televisivo "Olhar o Mundo", falei de mísseis balísticos "internacionais" quando queria dizer "intercontinentais". Além disso, nesse mesmo programa, e noutro ponto, troquei "democratas" por "republicanos". Num artigo publicado no sábado, no "Diário de Notícias", escrevi "There is alternative", tendo amigos comentado que deveria ter escrito "There is an alternative" - mas, neste caso específico, alimento algumas dúvidas de que não pudesse escrever como escrevi.

É irritante, mas isso é sempre a posteriori, termos de nos arrepender destes deslizes. Comentava isto com um amigo que, muito simpático, me dizia que tudo isto faz parte da vida, em particular da de quem frequenta com alguma assiduidade o espaço público, como tem sido o meu caso. Mas esse querido amigo, mais velho do que eu, não deixou de me abalar com algum realismo: "E há o fator idade, meu caro. Não te esqueças disso!". Infelizmente, esse é o único esquecimento que nunca me atingirá.

sábado, fevereiro 06, 2016

É isto, não é?

Ao ouvir, nas últimas horas, a maioria dos acabrunhados comentadores económicos e figuras dos partidos à direita - e não vale a pena procurar dissonâncias entre eles, porque as não encontraremos nunca - cheguei à seguinte conclusão: este governo de esquerda é acusado pela direita de, nas negociações em Bruxelas, não ter sido suficientemente "de esquerda", por ter aceitado alguma austeridade, a qual, contudo, acaba por ser bem menor do que aquela que um governo de direita teria aprovado - presume-se que de muito bom grado e em total sintonia com a Comissão europeia.

É isto, não é?

"Olhar o mundo"


Durante este fim de semana, no programa "Olhar o Mundo", transmitido em todos os canais da RTP, converso com António Mateus sobre as eleições americanas, a nova Estratégia Global da União Europeia, a candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU, as difíceis esperanças para a crise síria, o crescente cerco judicial a Lula no Brasil, as tensões entre a Rússia e a Turquia, a saga da formação do novo governo espanhol, o alarme internacional pelo virus Zika, o estado da arte nas negociações entre o Reino Unido e a União Europeia, o papel russo na endémica crise na Moldova e as atitudes belicistas da Coreia do Norte.

Pode ver o programa aqui.

Primavera portuguesa em Paris

Numa das primeiras vezes em que, como embaixador português em Paris, visitei a Delegação da Fundação Calouste Gulbenkian, para uma qualquer exposição ou concerto, cruzei à porta um cidadão francês que, em face do movimento que via na entrada, inquiriu: “Esta é a embaixada de Portugal?” Ele não fazia a menor ideia de quem eu era e deve ter ficado perplexo com a minha resposta sorridente: “Não é ... mas também é!” A minha reação espontânea traduzia o que, muito sinceramente, eu pensava do papel desempenhado pela Delegação em favor da língua e da cultura portuguesas na capital francesa.

Há precisamente 50 anos, como lembra Rui Ramos numa recente monografia, foi instalado, num edifício da avenue de Iéna, adquirido por Calouste Gulbenkian em 1922, e que seria a sua residência formal em Paris, um Centro Cultural (que evoluiu para aquilo que é hoje uma Delegação) cuja atividade faz parte integrante da própria história da Fundação. 

Dirigido ao longo desse meio século por diversas e qualificadas personalidades nacionais, esse “braço” parisiense da Gulbenkian desempenhou um papel do maior relevo como montra cultural portuguesa. Podem discutir-se algumas opções seguidas em todo esse percurso, o universo de abrangência da atividade desenvolvida, mas é indiscutível o benefício que, para a imagem de Portugal, essa estrutura representou, muito em particular como polo do atração dos “lusófilos” franceses e na ligação aos estudos universitários portugueses em França. Além do mais, ontem como hoje, aí se concentra a segunda maior biblioteca portuguesa no mundo, depois da do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.

Novos tempos têm vindo a justificar um repensar evolutivo das atividades da Delegação. Um Conselho Consultivo a que tenho o gosto de presidir, constituído por figuras portuguesas e individualidades do meio intelectual francês, tem trabalhado sobre a necessidade de aliar o caráter universalista da reflexão a que a Delegação se dedica, onde as temáticas europeias têm um papel predominante, a uma abordagem cada vez maior das diversas culturas que se exprimem em língua portuguesa. A isso acresce uma atenção, também crescente, às novas realidades que emergem em setores da segunda ou terceira geração de portugueses no exterior, hoje com relevante inserção nas sociedades de acolhimento. E, finalmente, note-se a ligação muito frutuosa que tem vindo a ser conseguida com a histórica “Maison du Portugal”, na Cité Universitaire de Paris, criada pela Fundação nos anos 60, que hoje usufrui de um estatuto distinto, mas que, tal como no passado, continua a acolher estudantes e investigadores portugueses e estrangeiros.

Há já alguns anos, em Paris, fui testemunha da mudança da Delegação da Fundação para novas instalações onde, muito em especial, “respira” melhor a sua fantástica biblioteca. Hoje a funcionar no boulevard de La Tour Maubourg, esta estrutura desenhou, para este cinquentenário em 2016, um interessantíssimo programa cultural que tentará contribuir para uma maior visibilidade de Portugal nesse “mar” de oferta expositiva que é a capital francesa e que se estende muito para além das paredes da Delegação. 

Só como exemplos, aí está já uma mostra de Julião Sarmento. No museu “Jeu de Paume” vamos ter em breve Helena Almeida. Em abril, uma grande exposição no “Grand Palais” “revelará”, pela primeira vez, Amadeo de Sousa Cardoso à cidade que mais inspirou a sua obra. E a Cité de l’Architecture et du Patrimoine vai revelar a arquitetura portuguesa entre 1965 e 2015. Uma Primavera cultural portuguesa começou já em Paris, pela mão da Gulbenkian, a nossa “outra” embaixada na cidade.

(Artigo que hoje publico no jornal "Expresso")

A Tia de Costa

Por muito tempo, a Comissão era o nosso “amigo de Bruxelas”. Fábrica e distribuidora de fundos, era como que um instrumento de correção do poder diferenciado dos países. A retórica de solidariedade construía então a narrativa de uma Europa que almejava o nivelamento das condições de vida - a tal coesão. Esse mundo mirífico acabou.

De “bom da fita”, à Comissão europeia de hoje está cometida pelos Estados a tarefa de auxiliar o BCE na gestão do euro - esse heterónimo do marco, que os alemães um dia dispensaram, para obterem os derradeiros galões europeus da paz, a unificação, o alargamento e o mercado privilegiado onde assenta toda a sua riqueza. Essa gestão rege-se por uma ideologia, e ai de quem a contestar.

Margareth Thatcher disse um dia que “there is no alternative” ao modelo liberal, ao mercado puro e duro. A fórmula ficou conhecida por TINA e enforma a filosofia que hoje prevalece nas instituições europeias. Foi a TINA que moldou o “memorando de entendimento” e, por cá, a TINA foi a ideologia da coesa coligação Troika/PSD/CDS que governou Portugal e ainda hoje coloniza a mente da maioria dos nossos comentadores económicos.

Os gregos aprenderam na pele que é muito arriscado enfrentar o “touro” europeu de frente. António Costa fê-lo “de cernelha” e, com arte de lide, decidiu provar que a TINA podia começar a ser contrariada. Jogando as parcelas de forma diferente, fazendo essa coisa diversa (inesperada?) que é uma política fiscal de esquerda, conseguiu levar a água ao seu moinho. Percebeu-se o incómodo do ortodoxo báltico, que lia o papel da Comissão com um dos olhos em Berlim e outro em Madrid, ao ter entendido que, porque agora temos uma política europeia, temos outras armas, noutros tabuleiros, com que Bruxelas deve contar. Quem sabe se António Costa não encontrou uma “TIA" ("there is alternative”)?

(Artigo que hoje publico no "Diário de Notícias")

sexta-feira, fevereiro 05, 2016

Eduardo Lourenço no Conselho de Estado

Foi agora anunciado que Marcelo Rebelo de Sousa tenciona nomear Eduardo Lourenço para o Conselho de Estado. Isto hoje está complicado: lá vou eu ter de elogiar mais uma decisão do presidente "to be"! 

É que, para além da grande elegância do gesto, o nome do meu querido amigo Eduardo Lourenço é a garantia de poder vir a ouvir-se naquele órgão a palavra serena de alguém que há muito nos pensa, radiografa os nossos sentimentos coletivos e bussoliza o nosso futuro. Só tenho pena que a regra do segredo que faz parte da liturgia do cenáculo nos não venha a permitir usufruir das palavras sábias que Lourenço por lá irá deixar.

Acabo com algo que já contei por aqui. Uma tarde, em Paris, há cerca de sete anos, Eduardo Lourenço apresentava Marcelo, a abrir uma conferência que este iria fazer na delegação da Fundação Gulbenkian. E saiu-lhe esta tirada lapidar: "O Marcelo é uma figura que, desde há vários anos, está como que numa janela a fazer comentários sobre o país que passa na rua, lá em baixo, E, por vezes, nessa mesma rua passa também o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o qual, com naturalidade, ele também se pronuncia".  

Frutuoso de Melo


É uma boa notícia a indigitação de Fernando Frutuoso de Melo para a chefia da Casa Civil do futuro presidente da República. Trata-se de um qualificado funcionário europeu, com grande e diversificada experiência, que se espera possa vir a ajudar Marcelo Rebelo de Sousa nos anos que aí vêm.

É verdade que nem sempre a presença de uma figura de qualidade à frente da estrutura de Belém é garantia segura de eficácia da ação do presidente. Nos seus dois mandatos, Cavaco Silva teve como seu "braço direito" Nunes Liberato, um homem sério, capaz e com um indiscutível recorte de servidor público. E a Presidência foi o que se viu!

As presidências são os presidentes. Nenhuma presidência é eficaz se o presidente não "ajudar"...

Migrar


Quando por aí ouvir dizer que Portugal tem de resolver primeiro os seus problemas, antes de começar a acolher refugiados e imigrantes estrangeiros, convém lembrarmo-nos - nós, que continuamos a ser o país europeu que tem mais migrantes noutros países da Europa - do que os portugueses e a sua economia devem aos países estrangeiros, em especial europeus, que, desde há muitas décadas recebem os nossos emigrantes. Que diríamos se acaso as portas dessa Europa se fechassem a quem não tem emprego em Portugal?  

Desvario

O tratamento mediático das eleições americanas que nos chega está visivelmente enviesado contra Trump. Mas mesmo descontando isso, fica a se...