quarta-feira, julho 23, 2014

Obras

- Ó mãe! Onde é?

Era uma miúda creio que com menos de 10 anos. Estava sentada com os pais, a olhar a televisão, a ver algumas imagens da etapa da Volta a França, num café de Vila Pouca de Aguiar, hoje, depois do almoço.

- É na França, disse a mãe.

- E lá não há obras?

- Obras? Claro que há obras!, foi a resposta do pai, em tom irritado, sem tirar os olhos do plasma e a mão da Super Bock.

A miúda calou-se. Mas eu percebi bem o que ela queria dizer.

Gosto imenso de ver as reportagens televisivas do "Tour", cada vez mais bem realizadas. E há anos que me delicio com os panoramas soberbos que temos o privilégio de observar, com as bermas bem arranjadas, com os campos alinhados, com os muros impecáveis e, em especial, sem os estaleiros eternos de obras, que fazem parte do cenário calisto deste nosso país.

Por lá, por França, apeteceu-me dizer à miúda, também há obras, mas há o cuidado - melhor, a obrigação - de as disfarçar, porque o culto da paisagem faz parte da preservação da qualidade de vida de um país que sabe que ganhar o olhar admirativo dos outros é a condição essencial para continuar a ser o maior cativador de turistas de todo o mundo.

Céu de brigadeiro

Ontem, numa das suas imperdíveis crónicas no DN, Ferreira Fernandes elaborava sobre os "brigadeiros", o doce brasileiro que um cozinheiro internacional desprezou e de cuja simplicidade um escriba culpava a colonização portuguesa. Recomendo a leitura aqui.

Hoje falo do conceito de "céu de brigadeiro", uma expressão também brasileira que significa céu muito limpo e sem a menor ventania. 

A expressão "céu de brigadeiro" prende-se com o facto de brigadeiro ser, naquele país, o posto mais elevado da hierarquia da Força Aérea. Ora o chefe da Aeronáutica, por definição, só voa com um tempo ideal, com um "céu de brigadeiro". A expressão vem dos anos 50 e é corrente numa conversa brasileira.

Porque me lembrei dela? Porque é isso mesmo que estou a "sofrer". Sem voar.

Imagens

Porque é que o blogue deixou de ter fotografias?, perguntam-me amigos. Porque só uso um IPad e sou um "nabo" informático. Daqui a dias "volto atrás" e alindo o blogue, prometo!

A pena do comissário

A cara de Jacques Chirac não era das mais satisfeitas. Tive o privilégio de assistir a algumas "cenas" do antigo presidente francês e, por isso, era muito evidente para mim que estava mal disposto, naquela manhã em que eu acompanhava António Guterres ao Eliseu. A única certeza é que não era nada que nos dissesse respeito, tanto mais que estávamos ainda longe dos dias em que nos havíamos de confrontar fortemente com a França em algumas matérias europeias.

António Guterres, que tinha uma muito boa relação de confiança com Chirac, detetando-lhe o "mood", inquiriu da razão dessa evidente irritação. Chirac permitiu-se a franqueza, perante um amigo, e, com aqueles gestos largos e dasajeitados com que alguns franceses grandes dão corpo físico às palavras (já De Gaulle era assim), deixou cair:

- É a Comissão, António. É essa "impossível" Comissão europeia!

Guterres ironizou: "acontece-nos a todos!". Mas Chirac continuava a agitar os braços, como se não precisasse de palavras para traduzir o que pensava. Alguma coisa importante havia "feito" a Comissão Europeia à França, nesse eterno duelo acrimonioso entre Paris e a burocracia bruxelense, que faz parte da história da Europa comunitária. Chirac esclareceu o que tinha sido e que acabara de saber: uma obstinação na recusa sobre um interesse francês, o qual, por definição, é sempre "essencial". Como Guterres tinha dito, não há país que disso não se queixe, mas a França não é um país qualquer...

Por fim, Chirac distendeu-se e comentou, com uma graça forte, sobre a qual já sorriu:

- Sabes, Antonio? Se houvesse uma só razão para reintroduzir a pena de morte, seria para ela ser aplicada a certos comissários europeus, e deu uma sonora gargalhada, contente em ter despachado o que lhe ia na alma.

Nestes dias em que, entre nós, se fala tanto da nomeação de comissários europeus e da famosa moratória guiné-equatoriana sobre a pena de morte, pareceu-me interessante trazer aqui, numa destas minhas histórias dos outros, uma conversa em que os temas se cruzaram.

terça-feira, julho 22, 2014

Os inúteis

Foi necessário que, na passada semana, Bagão Felix tivesse utilizado o seu "megafone" mediático para que as Finanças cuidassem de vir pressurosamente a terreiro, por fonte ainda assim anónima, a clarificar o que não era claro: que os funcionários públicos na reforma não estão impedidos de dar contributos que lhe sejam solicitados por entidades públicas, desde que pro bono, a título gracioso.

Sou consultor de duas universidades públicas e faço parte de um grupo de trabalho criado por um diploma interministerial. Não recebo um cêntimo por estas tarefas, mas é com grande prazer que presto esse meu contributo. Faço-o pelo que considero ser meu dever tentar ser útil ao Estado, mesmo na condição de reformado, depois de 42 anos de orgulhoso servidor ativo da "coisa pública".

Como muitas outras pessoas nas mesmas circunstâncias, interroguei-me quando vi publicada a Lei 11/14, de 6 de março. Contrariamente ao anónimo oráculo do Terreiro do Paço, não tomei o "wording" do texto legal à conta de um pretenso "excesso de zelo" (ficando por clarificar o que entendem por "zelo"). Tomei-o pelo que ele era, de facto, e que, agora e sob pressão do escândalo, o poder político teve atabalhoadamente de retificar, ainda assim com um mero "parecer": o interesse em afastar do convívio com o Estado, tão rapidamente quanto possível, os antigos servidores públicos, uns "inúteis" tidos por potenciais desafetos à nova cultura político-administrativa dominante, por forma a evitar que eles venham a "poluir" esse arejado ambiente, com as suas ideias de outrora e com a sua opinião datada.

O escriba de serviço foi longe demais? Talvez, mas não cometeu nenhum lapso, era para ser mesmo assim! Eles fazem asneiras mas não fazem erros. De quem freudianamente "matou o pai" e agora parece querer "privatizar a mãe", tudo é de esperar. Quem os não conhecer que os compre...

O xadrez angolano


Aquele telefone, num móvel situado atrás da minha mesa de trabalho na embaixada em Luanda, raramente tocava. Era uma linha direta que eu ia distribuindo aos novos conhecimentos que fazia  pela capital angolana, esse posto que o MNE me destinara no ano da graça de 1982, depois de três anos na Noruega, onde "aterrara" poucas semanas antes.

Naquele dia, o telefone tocou:

- Bom dia! Daqui Sande Lemos. Estás bom? Nunca mais nos vimos, desde o jantar em casa da Luthgarda. Temos de fazer um almoço, um destes dias, no "grill" do Trópico, para pôr a conversa em dia.

Para não parecer indelicado, não retorqui que não estava a identificar a pessoa com quem falava. O nome "Sande Lemos" dizia-me alguma coisa: era uma família conhecida de Lisboa, mas não me recordava ter-me cruzado em Luanda com alguém com esse apelido, no escasso tempo que levava da cidade. Mas podia ter acontecido! De facto, eu estivera num jantar em casa de uma amiga chamada Luthgarda e almoçava, com frequência, no "grill" do hotel Trópico, onde aliás estava provisoriamente instalado. Por isso, a minha resposta, dada na passada, foi prudente, evitando mesmo o "tu" que me era proposto:

- Bom dia! Vai-se andando, com muito trabalho. Tudo bem?

- Meu caro. Queria pedir-te se me poderias despachar dois vistos para Portugal, em "passaportes de serviço", que já estão aí pela embaixada há já uns dias. É gente aqui da secretaria de Estado dos Desportos e conseguiram-se dois "OK" na TAP para esta noite. Achas que podes "desenrascar" isso?

Como era eu que assinava esses preciosos vistos, não tive dificuldade em assegurar que os passaportes estariam disponíveis dentro de meia-hora. E assim pude fazer um favor ao meu "amigo" Sande Lemos, o qual, pelos vistos, trabalhava na secretaria de Estado dos Desportos. E logo preenchi uma pequena ficha desse novo contacto, para o que desse e viesse.

Com a agitada vida social de diplomata (episodicamente) sem familia, nunca mais me lembrei do Sande Lemos, dando apenas por adquirido que fora uma das caras que cruzara num jantar em casa da Luthgarda, que acabara com um tardio "muzungué". Com o recolher obrigatório então em vigor, entre a meia-noite e as cinco da manhã, nos fins de semana ficava-se frequentemente na conversa até à alvorada, inaugurando o novo dia com essa sopa de peixe que substituía o pequeno almoço.

Até um dia. Novo telefonema do Sande Lemos, novos vistos a apressar, abraços e promessa da tal "almoçarada". Eu, encavacado pelo facto de ainda não ter colocado uma cara naquele nome, lá me despachava das conversas como podia, resolvendo o problema àquele cada vez mais grato "amigo".

Passaram talvez dois anos. Realizou-se em Luanda um torneio de xadrez, ao qual Portugal enviou o mestre Joaquim Durão. No seu termo, havia uma cerimónia de entrega de medalhas e o embaixador pediu para ser eu a representá-lo. Chegado ao local, fui apresentado aos membros da mesa pelo meu título, "primeiro secretário da embaixada portuguesa" (por um mistério que nunca resolvi, em Luanda não se dizia "embaixada de Portugal" mas sempre "embaixada portuguesa"...). Ao cumprimentar um dos presentes, representante da secretaria de Estado dos Desportos, ouvi:

- Sande Lemos...

Olhei-o de frente. Nunca o tinha visto. Era o meu "amigo" e interlocutor telefónico. Ficámos bloqueados, sem "lata" para nos rirmos do imbróglio. A explicação para o que acontecera, como vim a concluir, era simples. O meu "amigo" Sande Lemos devia ter conhecido, num dos frequentes jantares em casa da Luthgarda, o meu antecessor, que saíra de Luanda escassos dias antes da minha chegada. Tinha o número de telefone do "primeiro secretário da embaixada", não cuidou em referir o nome dele na conversa comigo e estivera de total boa fé ao longo de todo esse tempo. A minha timidez fez o resto.

Passaram mais de 30 anos. Que será feito do meu "amigo" Sande Lemos, o meu "contacto" na estrutura oficial do Desporto em Angola?

Israel

Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi. 

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU (já agora, sem oposição dos EUA) aprovou, muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana. 

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?

Artigo que hoje publico no "Diário Económico"

segunda-feira, julho 21, 2014

Nívea

Estava ali, à mão de semear, junto ao balcão da farmácia das Pedras Salgadas onde me fui abastecer de cremes para o sol e para depois dele. Era o creme Nívea. Comprei-o, claro. Depois da fragorosa vitória de ontem do Sporting sobre um clube que joga (quando joga...) perto do Colombo, nós, os sportinguistas, temos imediatamente de nos precaver das doenças de pele, neste período do ano desportivo em que esfregamos cada vez mais as mãos, pensando para nós mesmos: "Este ano é que é!". 

domingo, julho 20, 2014

Coincidências

Este blogue dispõe de um identificador de países visitantes, que qualquer pessoa pode consultar na coluna do lado direito.

Se acaso, num destes textos, insiro palavras como "Israel", "Bin Laden" ou "Al Qeda", é certo e sabido que, poucos minutos depois, tenho um visitante dos Estados Unidos.

Não há coincidências, não é?

Gaza

Vai para duas décadas, dormi uma noite na Faixa de Gaza. Embora fosse novembro, a noite estava quente e abafada. A insónia fez com que eu me sentasse, por algum tempo, na varanda da espartana "guest house" que o governo de Arafat me tinha destinado. Recordo-me de ter dado por mim a notar o pesado silêncio da noite daquela que era, e ainda hoje é, uma das zonas mais densamente povoadas do mundo. Só ao fim de uns minutos realizei que, tendo sido assassinado horas antes o primeiro-ministro de Israel, Itzak Rabin, aquela não era para Gaza uma noite normal, numa terra que se habituou a conviver com a insegurança. O silêncio significava então algo mais: o medo.

Os últimos dias e noites não têm sido fáceis em Gaza e as muitas centenas de mortos árabes, para punir a mão-cheia de vítimas israelitas, repetem um "script" que todos conhecemos de cor.

Não faço a menor ideia de como vai acabar, se é que algum dia vai acabar, o triste conflito israelo-palestiniano. Uma coisa tenho por certo: as humilhações e os padecimentos, somados à pobreza e à raiva que vêm com eles, são o irreversível caldo de cultura em que foram criadas várias gerações de palestinianos. Nunca uma paz sustentável de construiu sobre a persistência do ódio e Israel sabe bem que, com esta sua postura, afasta, dia após dia, as hipóteses de uma paz negociada, numa guerra que nunca vai poder ganhar em absoluto. Pelo contrário, com a sua política de permanente desprestígio da Autoridade Palestiniana e desprezo notório pelas vidas dos seus vizinhos, Israel dá adubo ao terreno onde prosperarão sempre o Hamas e outros grupos radicais. O governo de Telavive recorre, ano após ano, às ações militares que só geram novos e eternos inimigos nas populações civis árabes, fartas de ver nascer, como cogumelos, sucessivos colonatos judaicos - sob a cínica complacência internacional - que afastam, a cada hora, a sua esperança de retornar à terra que as resoluções da ONU lhes atribuiu, mas que ninguém obriga Israel a cumprir.

Perante o mundo, desde os "taken for granted" EUA até à pusilanimidade europeia, os palestinianos parece só terem o dever à sua ritual humilhação. Israel, na assunção eterna do direito histórico à "terra prometida", potenciado pelo usufruto da memória da barbárie nazi e, mais recentemente, da onda anti-muçulmana depois do 11 de setembro, tem sempre mão livre para tudo quanto entenda fazer, não se lhe aplicando a condenação que atitudes idênticas provocariam, se acaso tivessem sido outros Estados a praticá-las. Por muito que alguns atos palestinianos sejam condenáveis, o saldo da violência israelita é incomensuravelmente maior, é uma insuportável bofetada no Direito Internacional, assumida com arrogância e com uma cegueira histórica que um dia acabará por se voltar, em definitivo, contra o Estado judeu.

Termino com uma pergunta: por que razão Israel não aceita que as Nações Unidas coloquem observadores internacionais com a responsabilidade de vigiarem as linhas de separação entre o seu território e as áreas atribuídas às autoridades palestinianas, que, por exemplo, facilmente poderiam denunciar os ataques feitos destes últimos para o seu território? É na resposta nunca abertamente dada a esta questão que reside a chave da verdadeira atitude de Israel perante todo este problema.

sábado, julho 19, 2014

Golpe de Misericórdia?

Há pouco mais de uma semana, escrevi no "Twitter": "O CDS "lançou" Marcelo. Rio fez "prova de vida". Querem apostar em como Santana vai surgir nos mídia nos próximos tempos?"

Hoje, no "Expresso", são duas páginas completas, recheadas de fotografias, com chamada de primeira página e título sonante, a desvalorizar Barroso,  ... Marcelo e Rio"

Por que será que a política portuguesa é tão previsível?

Honoris causa

Durão Barroso recebeu um doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Brasília. Quem cuidou em mandar a notícia aos jornais lembrou que De Gaulle, Alfonsin e Mandela tiveram uma honra idêntica por parte da escola de Darcy Ribeiro. 

Pena foi que não tivessem lembrado que, no passado, já a quatro outros portugueses foi atribuída a mesma honraria: José Saramago, Boaventura Sousa Santos, Adriano Moreira e Adriano de Carvalho.

"Adriano de Carvalho?", perguntarão muitos leitores. Quem é? É um distinto diplomata português que, durante cerca de oito anos, chefiou a nossa embaixada no Brasil. A sua marca naquele país foi de tal ordem que, ainda hoje, o seu nome é por lá lembrado com imenso respeito. 

Lusofonias

- 'C'um caraças! Habíeis de ber o camandro da chuba, há bocado, no alto de Espinho! Só amainou na Campeã!"

- "Na Campeã, o caraças! Inda pingava, que Deus a dava, em Parada de Cunhos!"

A Gomes, a pastelaria icónica de Vila Real, era o palco desta conversa, no meio de um covilhete e umas fatias de bola (leia-se "bôla") de carne, há meia hora.

Dei comigo a matutar quantos anos vai demorar até que o diálogo venha a ser entendido em Malabo, na Guiné Equatorial, esse novo recruta voluntarista que a CPLP vai entronizar daqui a dias. Ah! E, já agora!, em muitas cidades do Brasil.

Diálogo interesseiro

Conversa ao final da tarde de ontem, no Porto:

- Quem me mandou a mim meter por esta zona de obras na avenida da Boavista!? Só máquinas a trabalhar, poeirada e um piso sinistro! E o caminho só leva ao hotel Porto Palácio! Depois, vamos ter que fazer marcha atrás. 

- Mas, olha! Também dá acesso ao "Pingo Doce". E já viste quem está a fazer a obra? É a "Mota-Engil".

- Ai é?! Pensando melhor, este acesso não é assim tão mau...

sexta-feira, julho 18, 2014

"Por outro lado"

 
Há uns tempos, perguntei por aqui "o que era feito" de Ana Sousa Dias, a jornalista serena que desapareceu dos nossos écrans. Acabo de ter notícias através do seu novo site: www.anasousadias.com.
 
E estou com imensa curiosidade de rever a conversa que ambos tivemos, há mais de 13 anos, no seu excelente programa de entrevistas "Por outro lado". A RTP Memória anunciou que voltará a pôr essa entrevista no ar. Mas há uma grande confusão nos sites da RTP: ou será pelas 22.30 horas do dia 31 de julho (que o site da RTP refere ser 6ª feira, mas que é 5ª...) ou no dia 1 de agosto, sexta, à 1.00 hora da manhã. Logo veremos... como ambos estamos depois de mais de uma dúzia de anos passados. 

quinta-feira, julho 17, 2014

Parabéns, Angela

Cara Angela

Não nos conhecemos, nem nos viremos a conhecer. Isso torna mais fácil este postal cibernético que aqui lhe envio, no dia em que comemora as 60 primaveras da vida.

Escrevo-lhe de um país onde o seu nome anda em todas as bocas, embora deva saber que, a maioria das vezes, é adjetivado de forma menos elegante. Um país que, sabia?, esteve sempre ao lado da luta dos alemães pela sua reunificação. Graças a Gorbachev e à teimosia dos povos das duas Alemanhas, esse sonho pôde concretizar-se. Pelo caminho, perdemos a excitação do "checkpoint Charlie", os beijos obscenos de Honecker e Brejnev, mas, felizmente, a Alemanha ultrapassou mais uma etapa importante da sua conturbada História. Saberá que, por muito tempo, também nós pagámos isso nas taxas de juro (já então!), mas você, Angela, pôde assim saltar alegremente o seu muro em ruínas, ao ponto de vir substituir, anos mais tarde, esse homem de bem e nosso amigo, que por aqui deixou muitas saudades, que se chama Helmut Kohl.

Como bem sabe, os últimos anos não têm sido fáceis por cá, mas eu não pretendo dizer, como Chico Buarque, que "a coisa aqui está preta". Mas, que está bem feia, está, é bom de ver. Claro que já não andamos como no tempo dos vossos Trabant, mas quero que saiba que hoje subsiste por aqui muita gente bem pior do que se vivia na sua pouco saudosa Alemanha de Leste. Por cá, há pessoas atulhadas de liberdade, mas muito pobres. Por isso se assiste aqui a uma imensa insatisfação quanto ao rigor extremo das receitas que, sob a sua tutela - não seja modesta, é assim mesmo! -, Portugal teve de sofrer nestes últimos tempos.

E não me venha com histórias de ajudas e generosidade, porque nós sabemos bem que, a haver quem tenha ganho muito dinheiro com os empréstimos que nos foram concedidos (e aos bancos e credores não se agradece, tenta-se pagar e boa tarde!), esse alguém é a Alemanha. Mas não, Angela, não tem nada que nos agradecer! Nós somos uns mãos largas e, na passada da crise, para nos alindarmos para o retrato do défice que nos exigiram, até aumentámos ainda mais a dívida que ainda temos que vos pagar e criámos (não gosto deste plural, mas está bem) batalhões de jovens desempregados que vão servir a Alemanha e outros países, sem que vocês tivessem dispendido um cêntimo com a sua formação académica. Diga lá se não somos amigos?! E nem partimos os vidros, como os gregos...

Por isso, Angela, neste seu dia de aniversário, gostava apenas de lhe dizer que ficaria muito agradado se, numa sua próxima deslocação a Portugal, você pudesse receber muitas flores e muito menos vaias no seu cortejo de Mercedes, Audi e BMW, pelas ruas de Lisboa. E isso, acredite, está totalmente na sua mão, na sua abertura à possibilidade da vida dos portugueses poder ser facilitada por um repensar europeu sobre o modo como a austeridade lhes (nos) tem sido imposta pela rapaziada que você controla, de Bruxelas a Frankfurt. Pense nisto, está bem?

E "Alles Gute zum Geburtstag", como julgo que aí se diz, nossa muito cara Angela.

quarta-feira, julho 16, 2014

Caberão?

Chamava-se José Augusto e era porteiro do ISCSP, quando aquela escola tinha um U de "ultramarina" no fim do nome. Foi com ele que me defrontei quando, no decurso de um processo disciplinar, passei um dia a ser impedido de aí entrar. Por largos meses. Nada estava escrito que limitasse esse meu direito, mas a ditadura tinha os seus incontornáveis arbítrios. Ou melhor, eu estava proibido de assistir às aulas e frequentar as instalações, mas podia fazer as frequências e os exames. "São ordens do senhor diretor", disse-me o José Augusto, com o visível gozo em mostrar autoridade sobre um "associativo" tido por incómodo. Tinha fama de "bufo", o José Augusto, mas não posso comprová-lo. De qualquer forma, no dia 29 de abril de 1974, quando me viu entrar fardado de oficial do Exército, ele foi todo mesuras e sorrisos. Se soubesse quem era Dylan, poderia estar a ter a consciência de "the times they are a-changin' ". E estavam.

Anos antes, uma aula tinha de ser mudada, por uma qualquer razão, do grande anfiteatro do anexo do Palácio Burnay para uma sala mais pequena. O velho padre Silva Rego, com sua inconfundível pronúncia beirã, mandou chamar o contínuo e indicou um espaço alternativo para alojar a sua aula de Missionologia (isso mesmo! O que eu então estudava!). O José Augusto, perante o silêncio das hostes, avaliou vagamente a adequação do novo espaço ao número de alunos e lançou, alto: "Não sei se caberão". Só que o "e" da última palavra não surgiu suficientemente forte para evitar uma gargalhada coletiva, com o próprio padre Rego a sorrir, pela gralha fonética. Dando-se conta, num segundo, do ridículo em que caíra, o José Augusto virou costas, perante um gáudio coletivo que o humilhava, saindo disparado, a praguejar, pelo corredor fora.

Porque é que me lembrei disto? Porque, há minutos, perante um Chiado a abarrotar de gente, na maioria estrangeiros visitantes, um amigo meu, como que "assustado" por esta bela e crescente invasão pacífica de Lisboa, dizia-me: "Um destes dias, não sei se caberão!". Cabem, com certeza, e é bom que deixem por aqui os cabedais, a troco do nosso sol, da nossa gastronomia, do nosso acolhimento e do usufruto desta maneira, ímpar e contraditória, de sorrir dos males da sorte.

Jacinto Nunes

E se, como homenagem a Jacinto Nunes, lessem estas suas discretas memórias, publicadas em 2009, de que muito pouca gente falou, mesmo por ocasião da sua morte?

Robin Cook


Foi anunciada a saída de William Hague, de "Foreign Secretary" do governo britânico, que passa a líder parlamentar do seu partido na Câmara dos Comuns. Isso trouxe-me à memória a figura de Robin Cook, que teve precisamente o mesmo percurso, depois de ter dirigido a diplomacia britânica entre 1997 e 2001.

Recordo bem o dia em que acompanhei Jaime Gama na visita do recém-empossado Robin Cook (que nada tem a ver com um seu homónimo escritor de romances), na sala da nossa REPER bruxelense. Os serviços do MNE tinham preparado para nós pastas com alguns temas passíveis de serem suscitados na reunião. O novo ministro britânico, numa lógica bem mais simples, tinha apenas duas folhas de A4, ligadas por aqueles lacinhos de fio com extremos metálicos, que fazem a imagem de marca do "civil service"... Como me habituei a ler documentos ao contrário, tomei atenção aos "talking points" que estavam à frente de Cook. Neles se sintetizavam, cada um em duas ou três linhas sem "bolds", os escassos assuntos que o Reino Unido queria colocar na reunião, seguidos da antecipação da possível resposta portuguesa, nalguns casos com sugestões para réplica. Numa segunda parte do texto, fazia-se uma "previsão" de temas que Jaime Gama podia, pelo seu lado, vir a levantar. Lembro-me que Gama foi muito pouco previsível nas poucas questões em que tocou, tendo ficado para sempre com a sensação de que os britânicos, dessa vez, não acertaram uma...
Robin Cook tentou lançar uma "diplomacia ética", que desde o início se confrontou com a "realpolitik" dos negócios. Trabalhista ou conservadora, a administração diplomática britânica segue uma lógica de fins muito profissional e rigorosa, pouco dada a flutuações. Segundo Palmerston, "a Grã-Bretanha não tem amigos, só interesses", embora eu ache que, às vezes, tem interesse em ter amigos... Um dia se falará do modo como, nesse tempo, o Reino Unido atuava perante a Europa e, no que diretamente nos respeita, relativamente à questão de Timor. Mas, se bem me recordo, não variou muito a atitude dos vários contrapartes britânicos que fui tendo nos Assuntos Europeus: Davis Davis, Doug Henderson, Joyce Queen, Geoff Hoon e Peter Hain.
A última imagem que guardo de Robin Cook foi a conversa que tivemos, sentados lado a lado, num jantar em Nice, no dia da assinatura do tratado europeu com esse nome, em 26 de fevereiro de 2001. Uma semana depois, eu iria sair do governo para ir ocupar a chefia da nossa representação na ONU. Fiquei surpreendido quando Cook inquiriu: "Sais por algum conflito com o Jaime?". Expliquei-lhe que esse era um boato corrente e recorrente, mas sem o menor fundamento, e que, como há mais de um ano estava planeado, regressava à minha carreira profissional após a presidência portuguesa da UE e depois de concluir a negociação do tratado que tinha sido assinado nesse dia. Foi então que recebi dele esta confidência: "Sei por experiência própria que, às vezes, as coisas não são fáceis dentro dos governos. Eu próprio tenho as minhas divergências com Tony (Blair). Tenho a sensação, aliás, de que se ocupasse uma pasta ligada a questões de política interna, já há muito que teria saído do "cabinet" ". Não tendo nenhuma intimidade com Robin Cook, fiquei surpreendido pela candura desta revelação. Mas, de facto, já persistiam fortes rumores sobre as divergências entre o primeiro-ministro britânico e o seu "Foreign Secretary", que era tido por demasiado pró-europeu. E, menos de três meses depois desta conversa, Cook seria afastado por Blair do "Foreign Office" para ir para líder dos Comuns, com lugar no governo, mas num segundo plano. Como agora vai acontecer a William Hague.
Tempos depois, Robin Cook sairia com estrondo, mas com honra, desse novo cargo, em protesto contra a posição de Tony Blair na questão do Iraque. Deixou a esse propósito um livro curioso, com o título simbólico de "The Point of Departure", onde, nomeadamente, relata cenas passadas nos conselhos de ministros, nesses tempos tensos. Guardo dessas memórias (que ainda devo ter encaixotadas algures) o episódio divertido de uma conversa com a rainha mãe, em que esta intercede para que não sejam vendidos os edifícios de algumas embaixadas britânicas pelo mundo (por cá, não sei de alguma "rainha mãe" tentou travar a depredadora cultura Re/max que atravessou o MNE, nestes últimos anos).

Robin Cook viria a morrer subitamente, de ataque cardíaco, aos 59 anos. Tinha como hóbi escrever para jornais sobre corridas de cavalos, assunto sobre que era um reconhecido especialista. Guardo dele para sempre a imagem de um homem muito cordial e simpático.     

terça-feira, julho 15, 2014

Os equívocos de Paulo Rangel

O deputado europeu social-democrata Paulo Rangel reage hoje, num artigo no "Público", às críticas surgidas durante a jornada de reflexão, na passada sexta-feira, na Culturgest, em que foi referido o facto de Portugal ter deixado de estar representado na Comissão de Comércio internacional do Parlamento europeu, num tempo em que se aproximam importantes negociações sobre a futura Parceria Transatlântica, que tão decisiva pode ser para o nosso país. Essas críticas foram ecoadas num artigo de Teresa de Sousa e num texto aqui neste blogue, o que, a menos que algo me tenha escapado, parece esgotar o universo dos "observadores privilegiados" assinalados por Rangel, que se pronunciaram entretanto sobre o assunto.
 
Na sua reação, Paulo Rangel, pessoa por quem tenho consideração intelectual, assume as "dores" social-democratas e socialistas, áreas políticas que o meu texto visava por igual, o que me deixa mais à vontade.

Relativamente ao artigo, e no que pessoalmente me toca, não padeço de um "desconhecimento efetivo do PE" e, pelo menos tão bem como o deputado, conheço em detalhe o mecanismo de negociação da Europa e sei exatamente onde se situa a "separação de poderes" entre o Conselho e o PE, que em nada é passível do paralelo que Paulo Rangel procura fazer com a relação entre o governo e a nossa Assembleia da República.
 
Portugal, diz Rangel, não está ausente da Comissão a que um deputado nacional presidiu até há semanas. Tem dois suplentes que o deputado nos esclarece que podem "saltar do banco" a qualquer momento. Mas, se assim é, então por que razão as comissões têm "titulares" e "suplentes"? É tudo a mesma coisa? Rangel sabe que não é.

Naturalmente que os 21 deputados não podem ter o dom da ubiquidade, mas não era isso que se lhes pedia: pedia-se que, na hierarquia da escolha das Comissões a integrar, tivessem colocado aquela que trata da Parceria num lugar cimeiro. No meu texto, admitia até que o tivessem feito e que a negociação tivesse corrido mal, pelo que apenas considerava que PS e PSD haviam "perdido o jogo" antes do apito inicial. Paulo Rangel embrulha-se numa confusa formulação de onde se não percebe o que realmente se terá passado: "Nem sempre se conseguem os postos ou os lugares que se almejam à partida e é necessário ter uma visão de como pode ser maximizada a realização das prioridades políticas". Esta habilidosa fórmula impede-nos de saber o que os deputados portugueses - repito, socialistas e social-democratas - eventualmente tentaram obter.
 
Paulo Rangel dedica-se depois a explicar, em jeito de tardia compensação, que os deputados e funcionários portugueses estão hoje em outros lugares-chave da máquina do Parlamento, o que lhes permitirá acompanhar e influenciar o processo negocial, pelo que "o assunto não será menosprezado". Mas logo reconhece que "há, sem dúvida, uma desvantagem em relação à legislatura anterior", em que tínhamos o presidente da Comissão, o que dava "um acesso privilegiado à informação e ao acompanhamento das negociações".

Bom, mas então em que ficamos? Afinal, parece que sempre se perdeu alguma coisa de relevante! O deputado conclui, e bem, que, mesmo que Vital Moreira tivesse permanecido no PE, "nada garantia que a presidência dessa Comissão coubesse a um português e a um socialista". Mas quem disse que isso aconteceria se Vital Moreira ficasse? E quem exigia que Portugal mantivesse a presidência? O que se pretendia é que houvesse um qualquer deputado português, socialista ou não, que integrasse de pleno direito a Comissão de Comércio internacional do PE, nos próximos cinco anos. E o que os portugueses talvez gostassem de saber é se isso foi tentado ou não. Se não se tentou, acho grave. Se se tentou e não se conseguiu, então assuma-se que fomos derrotados. Todos nós - socialistas, sociais-democratas ou até Marinho Pinto!

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