quarta-feira, julho 16, 2014

Caberão?

Chamava-se José Augusto e era porteiro do ISCSP, quando aquela escola tinha um U de "ultramarina" no fim do nome. Foi com ele que me defrontei quando, no decurso de um processo disciplinar, passei um dia a ser impedido de aí entrar. Por largos meses. Nada estava escrito que limitasse esse meu direito, mas a ditadura tinha os seus incontornáveis arbítrios. Ou melhor, eu estava proibido de assistir às aulas e frequentar as instalações, mas podia fazer as frequências e os exames. "São ordens do senhor diretor", disse-me o José Augusto, com o visível gozo em mostrar autoridade sobre um "associativo" tido por incómodo. Tinha fama de "bufo", o José Augusto, mas não posso comprová-lo. De qualquer forma, no dia 29 de abril de 1974, quando me viu entrar fardado de oficial do Exército, ele foi todo mesuras e sorrisos. Se soubesse quem era Dylan, poderia estar a ter a consciência de "the times they are a-changin' ". E estavam.

Anos antes, uma aula tinha de ser mudada, por uma qualquer razão, do grande anfiteatro do anexo do Palácio Burnay para uma sala mais pequena. O velho padre Silva Rego, com sua inconfundível pronúncia beirã, mandou chamar o contínuo e indicou um espaço alternativo para alojar a sua aula de Missionologia (isso mesmo! O que eu então estudava!). O José Augusto, perante o silêncio das hostes, avaliou vagamente a adequação do novo espaço ao número de alunos e lançou, alto: "Não sei se caberão". Só que o "e" da última palavra não surgiu suficientemente forte para evitar uma gargalhada coletiva, com o próprio padre Rego a sorrir, pela gralha fonética. Dando-se conta, num segundo, do ridículo em que caíra, o José Augusto virou costas, perante um gáudio coletivo que o humilhava, saindo disparado, a praguejar, pelo corredor fora.

Porque é que me lembrei disto? Porque, há minutos, perante um Chiado a abarrotar de gente, na maioria estrangeiros visitantes, um amigo meu, como que "assustado" por esta bela e crescente invasão pacífica de Lisboa, dizia-me: "Um destes dias, não sei se caberão!". Cabem, com certeza, e é bom que deixem por aqui os cabedais, a troco do nosso sol, da nossa gastronomia, do nosso acolhimento e do usufruto desta maneira, ímpar e contraditória, de sorrir dos males da sorte.

7 comentários:

Anónimo disse...

ai a estrangeirada é porreira e tal, ninguem duvida, mas fazem com que os preços upa upa... quem tem as lojas, fixe, quem nao tem... faz-se ao bife...

cumprimentos


Anónimo disse...

O Senhor Embaixador estudou Missionologia! Bom, já houve um missionário que se tornou diplomata - porque não se torna agora o Senhor Embaixador um missionário? As igrejas aqui no Golungo andam vazias com a concorrência do evangélicos… Pense nisso, porque Deus dura mais que os pingos da chuva sobre as motos mais seguras, pois Ele contém em si ao mesmo tempo o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Pense nisso. Olhe que todos os santos o querem ajudar…

a) Feliciano da Mata, feliz sobrevivente do Titanic, pela graça de Deus

Anónimo disse...

Senhor Embaixador (e caro colega - mais novo - do ISCSPU)

Que saudade do bom padre Silva Rego (a quem devemos um notável e volumoso trabalho de recolha de documentos da nossa História)
Se me permite um crítica, uma vez que referiu pelo nome o José Augusto, qual a razão por que não referiu o nome do diretor que lhe deu a triste ordem? (creio - não estou seguro - que terá sido o prof. Vasco Fortuna)? Não foi com certeza menor a sua responsabilidade.
José Neto

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Jose Neto. Embora seja um nome que não me apetece lembrar, era esse o nome. Não o citei porque o "herói" da historieta não era ele. Mas foram tempos muito interessantes, nessa bela escola que partilhamos, em tempos diferentes.

Anónimo disse...

Atualmente é muito frequente diretores/as "entremearem", nas suas preleções aos "colaboradores", a frase: E olhem! Eu sei tudo o que se passa aqui!
Como é improvável disporem dos meios de escuta do SIS, e como os tempos são outros (já não há bufos), surge a dúvida sobre o processo de obtenção do conhecimento sobre "tudo o que se passa aqui". Eu proponho: os assopradores!
antonio pa

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Antonio pa, o SIS está proibido por lei de fazer escutas. Pode parecer mentira, mas é a verdade.

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...