segunda-feira, maio 09, 2011

Mitterrand e a moda

Foi há 30 anos. Lembro bem a noite de 10 de maio de 1981, o dia da vitória presidencial de François Mitterrand. Eu vivia então na Noruega e organizámos um jantar em casa para acompanhar as notícias, que nos iam chegar pela rádio de ondas curtas e pelas televisões norueguesa e sueca, as únicas que nos eram acessíveis. Convidei amigos que nos podiam ajudar a "decifrar" os noticiários naquelas línguas, além de outros que o acaso juntou nessa noite nórdica.

A esmagadora maioria dos nossos convivas, onde se contavam alguns diplomatas estrangeiros, muitos temerosos da anunciada chegada dos comunistas ao poder, acabava por alinhar num "giscardianismo" de oportunidade. Nada de estranho, se pensarmos que a guerra fria estava ainda muito presente na vida internacional e que a experiência francesa assustava então muita gente. Estas coisas hoje parecem ridículas, mas, à época, havia quem falasse, sem rir, na possibilidade de tanques russos não tardarem na place de la Concorde.

Quando as notícias da vitória de François Mitterrand se confirmaram, esse núcleo de amigos conservadores entrou numa aberta e pública depressão. As teses sobre o que iria suceder em França eram catastróficas: de desordens públicas a um conjunto de malfeitorias que a nova maioria seguramente iria desencadear, tudo era de esperar da "révanche" da chegada da esquerda ao poder.

Num certo casal estrangeiro, em que ela era bastante mais nova, notei que o marido estava a ser carinhosamente consolado pela mulher, na sua conjuntural desventura política. Mas era por demais evidente que ela tinha muito pouca consciência da complexidade do que estava a ocorrer. O marido disse, a certa altura: "Isto vai provocar uma desvalorização fortíssima do franco, vai ser gravíssimo!".

Eu lançava umas piadas, em jeito de provocação e, a certa altura, saiu-me esta: "Bom, há grandes vantagens numa desvalorização do franco. Por exemplo, a roupa que se vende em França vai ficar muito mais acessível, a moda francesa vai embaratecer, agora é que vai valer a pena ir a Paris, às compras". 

O que eu fui dizer! Mal eu tinha acabado de falar, vejo os olhos da jovem brilharem, a cara abrir-se-lhe num esgar de felicidade, como que por uma súbita descoberta das virtualidades da vitória da esquerda. Voltou-se então para o marido e, numa voz bastante audível, tanto mais que ele era meio surdo, disse-lhe: "Ouviste? É verdade que os vestidos vão ficar mais baratos? Não podíamos ir agora a França?".

O meu amigo ignorou-a, olimpicamente, e fuzilou-me com o olhar. Eu ria, olhando na televisão a place de la Bastille cheia de gente, com imensa pena de lá não estar. 

Migrações

Nestes tempos em que algumas notícias tendem a provocar surtos depressivos em alguns dos nossos concidadãos, talvez faça bem à nossa auto-estima notar que, entre 31 países avaliados (os 27 da UE e os EUA, Noruega, Suíça e Canadá), Portugal é considerado, depois da Suécia, o segundo melhor país em termos de políticas de integração de migrantes. O nosso país assume mesmo o primeiro lugar no tocante ao "ranking" de acesso à nacionalidade, bem como no tocante ao reagrupamento familiar.

Sporting

Lendo, com todo o cuidado, o acordo da "troika" com Portugal, não consegui encontrar nenhum ponto onde esteja previsto o "resgate" do Sporting. Vou ler outra vez...

domingo, maio 08, 2011

Dia da Europa

Hoje, comemora-se o dia da Europa. Sei de algumas pessoas que, nos dias que correm, sentem escassa vontade para o celebrar.

Aqui em Paris, as instituições europeias tiveram a bizarra ideia de o fazer no passado dia 5. Não percebi muito bem porquê. Um amigo, que não renega ironicamente algumas heranças, aventava que talvez tivesse sido para aproveitar a boleia do aniversário de Karl Marx...

Percebo que, com a "zizanie" no euro, com as divisões na Líbia e com as hesitações em Schengen, entre tantas "eurochatices" recentes, alguns possam ser tentados a não dar muita importância a esta data.

Como português, eu dou. Com toda a convicção, comemoro este fantástico projeto de paz e liberdade que, para além de todas as hesitações e contradições, contribuiu para manter largas décadas de convivência democrática.  E que, naquilo que nos toca, ajudou a fazer de Portugal um outro país.  

Nota: utilizo, como imagem, uma fotografia que me acaba de ser mandada, de Brasília, pelo meu amigo Hermínio de Oliveira.

Economia

O famoso acordo há dias concluído entre três entidades financiadoras internacionais (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) e o governo português só tinha, até agora, uma versão em língua inglesa.

O blogue Aventar decidiu fazer uma tradução (não oficial, claro) deste complexo texto, cuja aplicação vai marcar o futuro do nosso país nos próximos anos. Trata-se de um documento denso, muito técnico, nem sempre de fácil leitura. Mas essencial.

Ele aqui fica este verdadeiro serviço público do Aventar.

sábado, maio 07, 2011

Paul Anka

- Olha! O Paul Anka vem a Paris, em novembro. Não sabia que ele ainda cantava...

Ouvi hoje o comentário a alguém, ao deparar com um grande cartaz a anunciar o espetáculo. Revelei então que não tinha a mais leve intenção de ir ouvi-lo. O cantor está muito longe de fazer parte das minhas nostalgias de estimação.

Outro amigo comentou:

- A mim o que me espanta não é que ele venha a Paris cantar. É que, com aquela idade, arrisque marcar um espetáculo só lá para Novembro...

Há gente muito màzinha...   

Foto

Não há nenhuma razão particular para publicar hoje esta fotografia. Apenas porque, num blogue, deparei com esta "American girl in Italy", uma imagem clássica de Ruth Orkin, de 1951.

Em si mesma, é um tratado de antropologia mediterrânica.

Cliquem sobre a imagem, para verem em detalhe.

sexta-feira, maio 06, 2011

Nós e a Finlândia

Há dias, foi aqui publicada uma modesta carta a um virtual diplomata finlandês.

Surgiu agora, na internet, um vídeo, em inglês, que consubstancia uma mensagem portuguesa a todos os finlandeses.

Ganhe seis minutos de bem-estar vendo este Portugalnomics.

Da forma

O presidente da República portuguesa entra num auditório e a maioria dos presentes permanece sentada.

Há uma sessão parlamentar de receção a um chefe de Estado estrangeiro e alguns deputados à Assembleia da República aparecem sem gravata.

Chega-se a qualquer cerimónia oficial e cruzamo-nos com fotógrafos e repórteres de imagem calçados de ténis e vestidos com trajes que, por vezes, os confundem com arrumadores.

Assiste-se a um debate televisivo e ouve-se locutores dizer, como se tivessem andado na escola com os entrevistados: "Paulo Portas, o que é que acha..." ou "Diga-me lá, Jerónimo de Sousa...".

Por contraste, olhe-se para um sessão do parlamento britânico. Assista-se à entrada do presidente francês numa sala. Atente-se no modo como estão vestidos os jornalistas numa conferência de imprensa na Casa Branca.

Nada disto tem importância? Talvez não. Mas é também por estas e por outras, por esta perca progressiva de formalismo, que representa um desrespeito ostensivo pelos símbolos e pela representação do Estado, que certas coisas chegaram onde chegaram.

Relógio

Havia quem considerasse irrelevante saber a "hora de Paris", que era dada por um relógio digital que este blogue tinha na coluna lateral direita. Uma sobrinha arquitetou a teoria de que era "irritante" aquele "flashar" dos segundos. Pronto! Fiquei convencido. Depois da tradução automática, e porque sou um adepto do "simplex", eliminei o relógio. Mais alguma coisa?

quinta-feira, maio 05, 2011

Angola e o Corredoura

Ontem à noite, alguns embaixadores e diplomatas dos países da CPLP, depois de uma comemoração na UNESCO, juntaram-se em casa do embaixador angolano em França. Foi interessante ver como uma língua comum une, com facilidade, o humor e o sentimento, garantindo horas de boa disposição e de são entendimento.

A certa altura, falámos da Angola de outros tempos, da guerra civil, dos períodos de grandes dificuldades que afetavam então a vida quotidiana em Luanda, uma cidade sitiada, com frequentes cortes de água e luz, com recolher obrigatório.

Nesse tempo, de inícios dos anos 80 do século passado, vivi por alguns meses no Hotel Trópico, na capital angolana. Nele se acolhiam muitos estrangeiros, em especial portugueses em negócios. Com o cônsul-geral e com o ministro-conselheiro da embaixada, eu almoçava e jantava, quase por regra, no "grill" do hotel, uma facilidade rara, que não era estranha à nossa invejada condição diplomática. Nesse tempo, obter uma "reserva" para o "grill" era uma benesse pouco comum, muito apreciada pelos portugueses e angolanos que para lá convidávamos. Diga-se que esse privilégio acontecia não obstante as tensões políticas que, à época, marcavam fortemente as relações entre Lisboa e Luanda, o que só revela que alguma afetividade, fruto de certas cumplicidades, se sobrepunha à conjuntura política.

Com algum exagero, o humor corrente afirmava que, no restaurante normal do Trópico, havia, ao almoço, "arroz com peixe frito" e, ao jantar, "peixe frito com arroz". No "grill", as coisas era ligeiramente melhores, mas a variedade de menus não ia muito longe. Longe, sim, iam os tempos em que os grelhados haviam dado nome ao local. Recordo apenas um cíclico "émincé" de vitela e o sempre presente bolo Trópico, uma espécie de pão-de-ló coberto com claras de ovos, que fechava a maioria das refeições.

O "chefe de sala" era um velho e simpático angolano que havia trabalhado no "Café de Paris", em Lisboa, o Smith. Quando perguntado sobre o menu do dia, costumava ironizar sabiamente, respondendo coisas como: "Eu hoje aconselhava um magnífico caldo verde, seguido de um bacalhau à lagareiro. Depois, teremos um bife à marrare. E fecharemos com um pudim abade de Priscos, que está "de truz" ". Esses e outros pratos virtuais, que se deliciava a relembrar, com expressões do léxico luso, fruto da sua longínqua memória da culinária e da vida lisboeta, logo contrastavam com as limitações do pobre menu do dia, a única realidade a que iríamos ter direito.

O vinho era, invariavelmente, o mesmo: português, de uma marca que nunca esquecerei, de que nunca mais ouvi falar - Corredoura. Não o retive, contudo, na minha memória sensorial como um néctar digno de figurar na história vinícola portuguesa, embora, nas condições locais, a minha escala de valores em matéria de consumo tivesse então atingido generosos limites de complacência.

O serviço às mesas do "grill", chefiado pelo Smith, coadjuvado pelo excelente Sambo, era feito por alunos da escola de hotelaria local, que rodavam com grande frequência. Eram jovens muito simples, inexperientes, terreno fácil para ensaiarmos algumas graças. A piada cíclica era perguntar ao jovens alunos: "Há vinho?". A resposta era sempre positiva, como já sabíamos. Essa era então a oportunidade para que um de nós lançasse, variando cada dia de fórmula, uma coisa assim: "Hoje, estava-me a apetecer um vinho português. Um maduro tinto. Por acaso não tem um Corredoura, não?". Ou assim: "Para acompanhar o almoço, traga-me um tinto. Pode ser Corredoura, tem?"

Os olhos dos ingénuos e solícitos rapazes brilhavam de felicidade. "Por acaso" tinham - esse que era o único vinho existente, à época, em toda a Angola, "de Cabinda ao Cunene", para utilizar um lema então em voga. E, minutos depois, a uma temperatura "impossível", lá surgia, saído da cave, um Corredoura tinto.

Consumimos hectolitros de Corredoura. Provavelmente esgotámo-lo. Deve ser por isso que nunca mais ouvi falar desse vinho. E, devo confessar, vá-se lá saber porquê, não tenho nenhumas saudades dele.

quarta-feira, maio 04, 2011

Ser primeiro-ministro

Jean-Louis Debré, presidente do Conselho Constitucional, é filho do antigo primeiro-ministro de De Gaulle, Michel Debré.

Ontem, numa entrevista na televisão, contou uma história curiosa, passada na sua adolescência. 

Um dia, ao chegar a casa (curiosamente, bem próxima da nossa embaixada aqui em Paris), encontrou-a cheia de flores, com caixas de chocolates abertas e amigos com garrafas de champanhe, num ambiente bem festivo. A sua mãe explicou-lhe, então, a razão de tudo isso:

- O teu pai acaba de ser nomeado primeiro-ministro!

Alguns anos passaram. Uma certa tarde, chegado de novo a casa, deparou-se com um ambiente de euforia: chegavam ramos de flores, abriam-se garrafas e reinava um estado de grande alegria na família. O que é que se passa?, perguntou:

- O teu pai acaba de deixar o lugar de primeiro-ministro!

China

O meu colega luxemburguês, Georges Santer, um diplomata com grande experiência da China, apresentou hoje um trabalho, num determinado contexto, do qual achei curioso citar dois elucidativos extratos:

"Os que acreditam que a China acaba de instalar o seu poderio na cena internacional não apreenderam realmente o fenómeno que o planeta vive no atual momento. A China não emerge, a China retoma o seu lugar como primeira nação da Terra. Eis o que faz vibrar a alma de todo o chinês".

"Para a China, os Estados Unidos são o único país que ela respeita verdadeiramente: um país capaz de dar sequência aos seus anúncios de atos concretos, bastante fácil de apreender do ponto de vista cultural face à diversidade extrema das culturas europeias e face a países cujos cujas posições conduzem à frequente emergência de situações de conflitualidade".

Interessante! 

terça-feira, maio 03, 2011

Memória

Há dias, o "Público" deu forte destaque, em primeira página, à morte de Vitorino Magalhães Godinho. Tratando-se de uma figura cimeira da historiografia e da nossa vida cívica (demitido da função pública pela ditadura, ministro da democracia) nada era mais justo. Porém, a notícia era ilustrada com uma fotografia... do irmão do historiador, o advogado José Magalhães Godinho.

No dia seguinte, o jornal não retificou o seu erro, Só o veio a fazer posteriormente. O que leva a presumir que aqueles - apesar de tudo, deverá ter havido alguns - que deram conta desse erro crasso já nem se terão dado ao cuidado de alertar o jornal. Ou -  pior ainda! -, se o fizeram, o jornal manteve-se indiferente na sua edição imediata, o que também é grave.

Os jornais são, cada vez mais, importantes arquivos da nossa memória coletiva, agora ajudados pelas suas versões "on line". Pensar-se que é normal que os seus redatores, só porque pertencem a gerações mais novas, não estão obrigados ao extremo rigor histórico-cultural é entrar num inaceitável caminho de facilitismo. Se aqui, em França, o "Le Figaro" ou o "Libération" trouxessem uma imagem de Simone Signoret em lugar de Simone de Beauvoir, ou de Simone Weil em lugar de Simone Veil, garanto que caía  "o Carmo e a Trindade"!

Pois há dias, um jornal português, que me passou pelas mãos, trazia fotografias ilustrativas do período do "marcelismo". Numa delas via-se Américo Tomaz rodeado de representantes de "forças vivas" de qualquer localidade de província. A legenda era: "Marcelo Caetano com alguns dos seus ministros"...

Este é - felizmente! - um défice que escapa à "troika".

Esforços

O humor de oportunidade é uma conhecida caraterística dos portugueses.

Hoje, numa parede junto ao Liceu Francês, em Lisboa, lá estava escrito, em grandes letras: "Agora é hora de se fazer esforços e, por isso, há que treinar".

Era propaganda a um ginásio...

Depois de Bin Laden

Ontem, durante o noticiário das 19.00 da SIC Notícias, conversei com Teresa Dimas sobre o caso do dia: a morte de Bin Laden. Limitei-me a dizer algumas coisas óbvias, nesta fase em que apenas nos é possível avançar suposições.

Devo dizer, que ao ver as peças que antecederam a entrevista, senti alguma incomodidade com as imagens de celebrações alegres em torno daquela morte. Bin Laden era um criminoso, autor moral de milhares de mortes. Os mesmos valores que me levam a apoiar empenhadamente a luta anti-terrorista obrigam-me a não poder comungar um júbilo público por uma morte. Mas, porque não vi muita gente preocupada com isso, deduzo que devo ser eu quem está equivocado.

A saída de cena de Bin Laden, sendo uma notícia que pode prenunciar tempos de esperança na atenuação das tensões no Médio Oriente e Ásia Central, não pode deixar lida em conjugação com a instabilidade em todo o mundo árabe, tornando a equação geral com um resultado de muito difícil antecipação, em especial para atores que se atribuem responsabilidades à escala global, como é o caso dos Estados Unidos. 

Talvez por esse motivo se compreenda melhor a frase que João Vale de Almeida ontem nos dizia ter ouvido a Brent Scowcroft, o antigo "National Security Advisor" de administrações republicanas, procurando caraterizar o delima americano, em face do estado geral do mundo árabe: "Sentimo-nos como um malabarista que, ao mesmo tempo que procura circular e manter no ar as bolas que manipula, tem a necessidade de ir preparando um "souflé" ". Ou, lido por outros modos: alguma coisa pode falhar.

Em tempo: sobre este tema, publiquei hoje no "Diário de Notícias" um curto artigo.

Diálogo transatlântico

Não faço ideia se nos Estados Unidos as pessoas se preocupam tanto com a relação transatlântica como nós, europeus, o fazemos. Mas, francamente, não me parece mal. A capacidade da Europa para fazer passar e executar, com eficácia, a sua agenda política depende, em muito, do modo como conseguir articular-se com o seu parceiro do outro lado do Atlântico - com o qual partilha muitos princípios comuns, embora dele pontualmente divirja. Mas continuo convicto que, entre a Europa e os EUA, e para utilizar uma terminologia maoísta, só haverá "contradições não antagónicas".

Ontem, em Lisboa, durante várias horas, numa excelente iniciativa do Observatório de Imprensa, em articulação com o gabinete da Comissão Europeia em Portugal, dirigido por Margarida Marques, o embaixador europeu em Washington, João Vale de Almeida, e eu próprio lançámos um debate com jornalistas portugueses especializados em temas económicos (com a curiosa presença de um membro da delegação do FMI, incluído na "troika" que negoceia com o governo português o programa de ajuda financeira). O convite foi-nos formulado por Joaquim Vieira e Teresa Moutinho, tendo Nicolau Santos e Helena Garrido como condutores da discussão.

O "menu" tinha por título: "Relações Europa-América: veja as diferenças". Três tópicos essenciais serviam de base às nossas intervenções, bem como ao período de questões que se lhes seguiu:
  • Reação da UE e dos EUA à crise financeira e económica. As diferentes formas de abordagem do problema e a posição do euro perante a disputa cambial sino-americana.
  • Relações com os países emergentes. Prioridades das políticas externas de Bruxelas e de Washington.
  • Perspetivas sobre as mudanças no Mediterrâneo sul. Como enfrentar as revoltas árabes e qual o papel da NATO em caso de intervenção. A relação entre os dois lados do Atlântico continua firme ou é hoje menos sólida?
Foi muito interessante ouvir a visão privilegiada do chefe da missão europeia em Washington, decantando analiticamente, com grande lucidez, a forma como a América nos "lê" e revelando o modo como a diversidade/unidade europeia é oficialmente explicada do outro lado do Atlântico.

Pela minha parte, entre algumas outras coisas que por ali disse, procurei "trabalhar" o estado atual da União, quer no tocante à sua relação com o mundo, quer na tentativa de nela desconstruir a diferente proeminência dos 27 no processo comum de ação externa.

Mas de muito mais se falou naquelas mais de três horas, desde a Líbia à Rússia, das agências de "rating" à reforma do Conselho de Segurança, da posição do Brasil à atitude alemã. O euro, o dólar e a crise, bem como os números do mundo, foram estudados e debatidos. E falou-se da França, evidentemente. Porque a notícia era "fresca", as perspetivas abertas pela desaparição de Bin Laden foram também especuladas.

Tive um grande gosto em colaborar, uma vez mais, com o Observatório de Imprensa. Recordei que, a primeira vez que o fiz havia sido já em 1994, num debate sobre a Europa, lado a lado com Paulo Portas. Como o tempo passa...

domingo, maio 01, 2011

Condecorações


As condecorações têm uma importância muito diferenciada em cada país. Em França, os cidadãos têm por regra usar, no seu dia-a-dia, as condecorações de que são detentores. Se se olhar para a botoeira dos casacos dos homens, e também de certos vestuários femininos, notar-se-ão os pequenos símbolos redondos (com ou sem uma pequena tira por detrás, que revelam graus mais elevado) ou uma espécie de ligeiras bordaduras alongadas da mesma cor. 

Regularmente, a imprensa francesa dá nota pública da atribuição desses títulos de nobreza republicana, os quais, por regra, devem significar vidas ou atos feitos ao serviço da comunidade. Às vezes, algumas escolhas são um tanto mais polémicas, mas a relevância do cidadão é aqui claramente acrescescida com a exibição dessas distinções. Como me dizia um meu antecessor, para um francês, sair à rua sem a condecoração que lhe foi atribuída, é quase como "sair nu".

A "Légion d'Honneur", de cor vermelha, é a mais prestigiada das condecorações francesas, mas a "Ordre du Mérite" é também aqui muito importante, em especial nos seus graus mais elevados. Como ironia - mas com verdade -, costuma-se dizer que uma boa condecoração francesa "arranja mesas" em restaurantes cheios. Posso testemunhar que assim é, de facto. A consideração automática que suscita em muito locais é evidente.

Os diplomatas, um pouco por todo o mundo, têm, por vezes, acesso mais fácil a condecorações estrangeiras. Seja porque estiveram no serviço do Protocolo, seja porque as obtiveram pelos "pacotes" de trocas de condecorações que se trocam em visitas de Estado, acontece-nos, com frequência, sermos detentores, sem qualquer esforço especial, de insígnias que um nacional do país que as atribui passa uma vida a ambicionar. No meu caso pessoal, tenho algumas condecorações estrangeiras por motivos exclusivamente "ex officio", nalguns casos sem que nenhuma razão especial o justificasse. Digo-o com total sinceridade, embora não deixe de ficar grato pelo gesto da sua atribuição.

Com os portugueses, passa-se, em França, uma circunstância curiosa. A "Légion d'honneur" francesa é, na sua insígnia para uso quotidiano, exatamente idêntica à Ordem de Cristo portuguesa, que é a mais prestigiosa condecoração que, entre nós, um civil pode ambicionar obter. Existe, por isso, uma lei francesa, do século XIX, que proíbe o uso público, em França, da nossa Ordem de Cristo (e de uma condecoração idêntica da Santa Sé), para evitar confusões com a sua mais prestigiosa ordem.
Muitos diplomatas têm histórias ligadas a condecorações, tema que faz parte de abundante anedotário da nossa carreira. Um dia, na Noruega, como encarregado de negócios na ausência do meu embaixador, tive o ensejo de ser apresentado, com o meu colega espanhol, ao rei Olavo V, durante uma cerimónia de gala no palácio real. O soberano, que era um homem de uma grande bonomia e simpatia, quis colocar-nos à vontade e, numa inesperada cumplicidade, disse-nos: "Não olhem agora, mas vão notar que, atrás de vocês, está um embaixador - que não sei de que país é - cheio de condecorações, dependuradas na sua casaca. Devem imaginar que eu, como rei, já recebi imensas. Tenho a sensação de que, se decidisse usá-las todas no mesmo dia, caía ao chão..."

Conta-se que Salazar dizia que "as condecorações não se pedem, não se recusam e não se usam"*. Contudo, há, pelo menos, uma fotografia em que ele é visto usar condecorações. Uma única certeza tenho: não era a Ordem da Liberdade, que nem a título póstumo alguma vez terá. Espero bem!

* Pessoa amiga chamou a minha atenção para o facto dessa citação ser atribuída a François Mauriac, a propósito da "Légion d'Honneur". Terá Salazar citado o escritor? Ou o contrário?

Feira do livro

Era assim a Feira do Livro de Lisboa, precisamente há 50 anos. Em contraste, hoje à tarde, notei ser das poucas pessoas com gravata, entre as muitas que passeavam pelo parque - cujo nome, seguramente, ninguém ligou ao recém-casado príncipe britânico, de quem Eduardo VII era trisavô.

Já não "apanhava" uma feira em Lisboa há alguns anos (problema de quem vive, há uma década, no estrangeiro). Fez-me bem passar por lá, perceber os novos públicos e o ambiente que hoje rodeia os livros, em tempo de "iPad's" e de outros "gadgets" alternativos de écran.

Ao olhar para os stands, dei-me conta de que, durante muitos anos, e relativamente a certos temas, tinha a sensação de que ia adquirindo tudo o que sobre eles se editava em Portugal. Hoje, tenho que ser realista: não há bolsa, nem estante, nem horas livres que aguentem a imensidão do que se publica -estudos cada vez mais pormenorizados e aprofundados. O mundo da investigação (e, por essa via, da edição) mudou e mudou para bem melhor. Além de que os livros estão cada vez mais bonitos.

Com este post, também satisfaço o pedido daquela senhora anónima que, numa banca de livros, depois de olhar para mim com alguma insistência, me lançou: "Não se esqueça de falar da feira, hoje, lá no seu blogue". Não prometi nada, mas aqui estou a "obedecer". Com gosto.

sábado, abril 30, 2011

O recoveiro

"Podias fazer de recoveiro e trazer-me isso de Paris", pediu-me, há pouco, um amigo que sabe que vou hoje a Lisboa.

Só alguém com uma certa idade, e "da província", se lembraria do conceito de "recoveiro", uma figura da minha infância que se deslocava de terra em terra, normalmente de comboio, e que, na sua mala, trazia e levava "coisas", por um módico custo, num tempo em que o transporte de objetos pelo correio não ainda era muito vulgar. 

O meu pai contava-me que era o recoveiro quem trazia, "do Porto", no final dos anos 40, a então muito rara penicilina, que permitiu "safar-me" de uma doença grave, que me ia levando desta para melhor. Desde então, tenho uma gratidão eterna para com os desaparecidos recoveiros.

Por isso, hoje, farei, com gosto, o papel de recoveiro aéreo para esse meu amigo.

Ponto

A ver se nos entendemos. O presidente da AR, pelo regimento, não pode impedir um deputado de dizer dislates. Mas, pela ética e pela decência...