A culpa era dela, diziam os próximos da casa. Aquela embaixatriz deixava o marido tantas vezes só, naquele recôndito posto, que lhe dava fortes oportunidades para exercitar o seu consabido tropismo para escapadelas românticas. Nos últimos tempos, a mais persistente amiga do embaixador era a Cláudia. Todo o corpo diplomático conhecia a sua aventura com essa mulher de um empresário local, desde há alguns anos preso por corrupção. Com a embaixatriz ausente, a Cláudia, "viúva de vivo", era presença regular ao lado do embaixador, mesmo em locais públicos. "Uma boa amiga", dizia ele. Ninguém duvidava.
A Cláudia era, assim, como que uma figura quase natural no panorama daquela Embaixada. Mesmo durante as raras aparições da embaixatriz pelo posto, ela sempre surgia por lá, frequentando recepções e outras ocasiões sociais. Por isso, durante a visita que o seu ministro dos Negócios Estrangeiros efetuou àquele país, ninguém estranhou que o embaixador a incluísse entre os convidados para o jantar em que reuniu alguns amigos mais chegados, juntamente com autoridades locais. A única estranheza residia na aparente inocência da embaixatriz, que, uma vez mais, admitia Cláudia, sem reticências visíveis, nesse círculo restrito de convidados. Coitada, não via nada...
O jantar com o ministro visitante corria normalmente. O embaixador entretinha o repasto com algumas historietas. A certo momento, lembrou, saudoso, o desaparecimento de uma figura tutelar da pequena comunidade que o seu país tinha no local. Sublinhou o quanto a sua falta fora sentida, o modo como as próprias autoridades tinham honrado o seu funeral: "Estava toda a gente na missa. Eu fui com a Cláudia...". Do fundo da mesa, Cláudia anuiu, discreta, com a cabeça.
Nesse instante, a embaixatriz gelou o ambiente: "Com a Cláudia? Eu já tinha ouvido que você fazia muitas coisas com a Cláudia, mas ir à missa nunca!". O jantar, praticamente, acabou por ali.