segunda-feira, abril 19, 2010

Lisboa

Através de um irritante portão com grade, no largo das Belas Artes, observa-se um dos mais belos panoramas de Lisboa.

O cenário, aliás, é muito idêntico ao de uma cena do filme "House of Russia", o que me faz pensar que, em parte, terá sido rodado numa casa ao lado. Quem quiser dar-se ao luxo de almoçar com esta Lisboa aos pés pode, aliás, fazê-lo na Tágide, um pouco abaixo.

Por mim, limitei-me a usar o iPhone, da rua.

domingo, abril 18, 2010

Retrato

Chegou-me há pouco uma curiosa análise sobre o Duas ou Três Coisas.

Agradeço-a e deixo-a aqui.

Fados

Assumindo, em pleno, o meu estatuto de turista acidental em Lisboa, uma espécie de "náufrago do autocarro" da nuvem islandesa, decidi ontem ir ao fados, coisa que não fazia há muito. Porque optei por um modelo tradicional, vi-me transportado para um ambiente do Bairro Alto que tinha um cenário idêntico àquele que aí se vivia há quatro décadas. Até alguns cantadores e cantadeiras eram desse tempo. A única coisa que foi atualizada foram os preços. Deve ser da idade, mas achei muita graça à experiência.

À saída, um imenso contraste: uma Lisboa jovem, solta, moderna, muito africana, lojas abertas a desoras, copos na rua, até polícias com ar quase "punk".

Sou de outro Bairro Alto. De início, quando por lá trabalhava, fui da "Primavera", do "Pucherus", do "Farta-Brutos", da "Antiga Casa 1º de Maio", passando pelo "Cocote", o bar do Olívio, onde meia Vila Real desaguava em whisky marado, nos anos 70, a saudade da esquina da Gomes (só os vila-realenses perceberão isto, desculpem lá!). O bairro era, já então, orgulhosa sede da "Bola", do "Record" e dos vespertinos da época, para além dos magníficos alfarrabistas. As ruelas, com a pobreza a fazer de típico, haviam começado a crescer na moda gastronómica lisboeta, de início com o "Alfaia", a "Tasca do Manel", o "Baralto", o "Fidalgo", o "Bota Alta" e coisas afins. Mais tarde, post-modernizou as noites, por muitos e bons anos, no "Frágil", com a Margarida Martins a gerir o "funil" de entradas, dedicada a gente de preto, com olheiras graves, muito pó-de-arroz e outros pós menos saudáveis. Na restauração, houve, entretanto, afloramentos já mais distintos - no "Pap'Açorda", no "Casanostra", no "Porta Branca". Com as noites a ficarem "rough" demais para o meu gosto, deixei de ser cliente ao tempo da explosão das lojas, do Manuel Reis às várias modas, agora com a vertente étnica a rimar já com a Lisboa da imigração. Desde esse tempo, perdi o bairro como hábito. 

Hoje, quando por cá passo, verifico que há muitas Lisboas em Lisboa. Aos diplomatas portugueses, nos seus estágios de atualização, deveria ser proporcionado um curso sobre o país real. A começar no Bairro Alto. Para evitar que andem a representar, pelo mundo, um Portugal já meramente virtual.  

sábado, abril 17, 2010

"Pendurado"

Alguns ditos "experts" em temas internacionais, que andam pelas colunas da nossa imprensa, têm vindo a especular, a propósito das próximas eleições legislativas britânicas, sobre a possibilidade do respetivo resultado poder vir a resultar num "hung parliament" (à letra, um parlamento "pendurado"), cenário pouco vulgar que poderia dar ao Partido Liberal-democrata um papel relevante num quadro político que não pendesse, de forma decisiva, para o Partido Conservador ou para o Partido Trabalhista.

Esse cenário é possível, embora improvável. Porém, o que estranho é que esses "especialistas", que bebem tão eruditas expressões na imprensa britânica de onde traduzem as suas ideias, talvez ganhassem em clareza se dissessem, com bem maior simplicidade, que se trata apenas da possibilidade do partido que vai formar governo vir a ter, ou não, uma maioria absoluta. É que os portugueses conhecem "de gingeira" os dois cenários...

Praga

Os comentários críticos sobre a situação económica portuguesa feitos, em público em Praga, pelo presidente da República Checa, Vaclav Klaus, durante a visita do presidente Cavaco Silva àquele país, chocou algumas pessoas. Com efeito, o formalismo e as regras implícítas que regem este tipo de encontros, que existem para consagrar e reforçar quadros de boas relações bilaterais, pareceu, aos olhos desses observadores, menos consentâneo com o que foi dito.

As palavras de Vaclav Klaus tiveram a resposta considerada adequada por parte do chefe de Estado português. A excelência das nossas relações com a República Checa, país cujas ambições europeias Portugal sempre apoiou de forma determinada, está muito para além destes "fait divers", os quais, contudo, também nos ajudam a perceber melhor a diversidade das culturas políticas que se projetam na atual União Europeia.

Ainda a propósito de Praga, uma das mais belas e românticas capitais da Europa, aqui deixo uma fotografia da sua praça de S. Venceslau, um lugar histórico que há anos teimo, por qualquer razão, em achar parecido com a avenida dos Aliados, no Porto. E sobre a figura de Vaclav Klaus e Portugal, talvez possa ser interessante ler o que, em tempos, escrevi aqui.

Nuvem

Temos a pretensão de que somos donos das nossas vidas, que controlamos o nosso tempo ao minuto, achamos que gerimos as conjunturas. Mas, subitamente, uma simples nuvem, proveniente de um vulcão situado lá para a Islândia, para-nos, aos milhares, por toda a Europa, aterrando-nos, por dias, num aeroporto qualquer.

A senhora Angela Merkel teve hoje direito a uma noite no Ritz, em Lisboa. O presidente português está retido em Praga. Pela Europa, há milhares e milhares de deslocados, à espera que o vento dissipe os efeitos do vulcão islandês.

Neste inesperado desregulamento das nossas vidas, há quem acabe por ter alguma sorte: retido na minha escala em Lisboa, passeei ao final da tarde por livrarias, jantei com amigos, estive na minha tertúlia no Procópio, dormi em casa. Há nuvens que vêm por bem.

E, já agora, recordem isto.   

sexta-feira, abril 16, 2010

Açores (3)

A geografia era improvável: Praia da Vitória, Ilha Terceira, Açores. O local ainda mais: o velho salão nobre da Câmara Municipal. Mas foi para aí que, em boa hora, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento deslocou ontem o seu II Forum Franklin D. Roosevelt, numa sessão iniciada com uma palestra minha sobre "A Europa e a política externa da administração Obama". Sala a abarrotar, público interessado, imensos alunos universitários do continente e dos Açores. A minha intervenção e as várias perguntas que ela terá justificado contribuíram para fazer deslizar o horário do carregado programa, inserido neste estimulante exercício sobre "As relações transatlânticas e os equilíbrios internacionais emergentes".

Partilhar uma análise da Europa e da "nova América" com gente muito interessante, vinda de várias partes do mundo, que olha para a temática com visões diferentes, algumas surpreendentes, foi um privilégio. Vir, para isso, aos Açores - esse "produtor de clima", para utilizar uma feliz expressão do comandante das Lajes - é sempre um imenso gosto. Fazê-lo ao lado da base aérea, cenário de concretização de uma aliança estratégica importante para Portugal, mas também de um momento diplomático a que a História nos poderia ter poupado, constituiu uma sensação curiosa.

O meu texto pode ser lido aqui.

quinta-feira, abril 15, 2010

quarta-feira, abril 14, 2010

Açores (2)

Ao ouvir ontem o presidente do governo regional dos Açores, Carlos César, abordar com frontalidade a questão de novos objetivos, compatíveis e complementares com os atuais, para uma futura utilização das facilidades logísticas de natureza militar existentes na região, dei comigo a pensar que os Açores são, com toda a certeza, a única região portuguesa cuja singularidade estratégica pode justificar uma visão diferenciada, em matéria de segurança e defesa, no contexto nacional português. Estou certo que alguns dirão que a potencial interação Madeira-África representa um outro desafio específico, mas há que reconhecer que a escala de importância é muito diferente. Todavia, qualquer que possa ser a relevância, nomeadamente em matéria económica, que estas duas dimensões regionais possam ter num contexto estratégico português mais alargado, sou de opinião que quaisquer opções que as envolvam e que possam vir a ser feitas no futuro terão sempre importantes resultantes de natureza nacional, pelo que deverão ficar sempre subordinadas a este circunstancialismo mais alargado. Carlos César citou Franklin D. Roosevelt para sublinhar o imperativo de ação neste domínio: há várias maneiras e caminhos para nos movimentarmos, mas só há uma maneira de nos mantermos parados. À bon entendeur... 

Este é um debate complexo, sobre o qual não refleti ainda de forma aprofundada, embora tenha algumas certezas apriorísticas que não vejo, por ora, interesse em abandonar. Contudo, observei hoje, durante um almoço, que ele não escapa há muito à análise arguta de José Medeiros Ferreira, o qual alia a sua qualidade de açoriano de coração a um pensamento muito claro sobre o nosso destino nacional. Por ora, não lhe vou fazer a "maldade" de lhe pedir para fazer uma síntese adaptada a este caso.

Em tempo: numa rua de Angra do Heroísmo, lá estava o letreiro: companhia de seguros "Açoreana", com um "e". Mau! Afinal em que ficamos?

Garzón

O magistrado espanhol Baltazar Garzón, personalidade com expressão mediática ganha na perseguição de algumas sinistras figuras da cena política internacional, está agora sob fogo por ter procurado contornar o compromisso histórico em que assentou a transição espanhola, tentando criminalizar o período franquista.

Pode haver legítimas razões para pensar que a iniciativa a que se propôs, que agora o coloca como alvo da Justiça que tem servido, é despropositada, desajustada no tempo, pode acicatar feridas, reavivar velhos traumas e, no fundo, desservir a democracia que a Espanha laboriosamente conquistou, por entre as tensões autonómicas e as ameaças terroristas.

Tudo isso pode ser verdade e Garzón pode estar errado. No que, a meu ver, ele não está minimamente errado é no esforço que, desde há anos, vem a fazer para impor a dignidade à escala global, colocando a Espanha na linha da frente da Justiça internacional, para saudável inquietação de muitos patifes. Garzón é um homem de bem e não tenho visto isso suficientemente sublinhado.     

terça-feira, abril 13, 2010

Açores (1)


Ontem à tarde, percebi melhor o conceito de periferia. Atrasos de aviões, quase nove horas de Lisboa a Angra do Heroísmo, mais de metade passada em aeroportos, ajuda a entender muita coisa. Quando, noutras eras, me empenhei bastante a defender o apoio europeu à nossa ultraperiferia atlântica, estava longe de supor que a iria experimentar desta forma. Há um preço que se paga por este isolamento e distância insular.

Há mais de dez anos que não vinha aos Açores. Impressionam as infraestruturas, o vento da modernidade, um certo ambiente já cosmopolita, embora atenuado por um saudável espírito de "vila".  

Em Ponta Delgada, não resisti e comprei o "Açoriano Oriental", o mais antigo jornal diário português. Olhando a "mancha", fiquei um pouco desiludido: está um jornal igual aos outros, até com um certa elegância gráfica, mas sem nada de singular. Tinha muito mais graça no passado, mas talvez esta evolução seja inevitável.

Uma última nota: andei uma vida a escrever "açoreano". Afinal é com um "i". Nunca é tarde...

Imagem de Portugal

Quando se entra para a carreira diplomática, a categoria de acesso tem a designação de Adido de Embaixada.

Hoje de manhã, a convite do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, estive a dar uma aula de "Diplomacia Pública" a cerca de três dezenas de novos Adidos de Embaixada, os quais, desde há dias, passaram a integrar o serviço diplomático português. Estranhei a quebra do número de mulheres admitidas, o que espero seja um fenómeno conjuntural. Foi um prazer colaborar neste exercício, porque há muito que penso que a formação das novas gerações é das tarefas mais úteis a que os diplomatas mais velhos se podem dedicar.

Para além de alguns conselhos ditados pela experiência pessoal, falei-lhes da imagem de Portugal no mundo, do modo de a cultivar, do seu futuro papel na promoção do nosso país na sua atividade no estrangeiro e com os estrangeiros. Procurei dar-lhes conta do que considero ser o privilégio de passarem a ser uma "cara" de Portugal e as responsabilidades que isso acarretem.

Para leitura, deixei-lhes um texto de uma comunicação que, há precisamente dois anos, sobre o assunto apresentei na Assembleia da República, a convite da sua Comissão dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. Foi uma intervenção que, na altura, alguns dos meus colegas consideraram um tanto "franca" demais. Confesso, porém, que cada vez me sinto menos vocacionado para utilizar a "langue de bois" de um certo estilo de diplomacia.

Em tempo: este blogue tem recebido alguns (tristemente anónimos) comentários relativos aos critérios de seleção adotados no último concurso de admissão de adidos de embaixada, assunto com o qual, é claro, não tenho nada a ver. Se quem os escreve foi concorrente a esse concurso, a justiça cumpriu-se: a "elegância" do método e da linguagem desqualifica-o/a para o exercício da profissão, desde já. Sendo-o ou não, se alguém tem queixas ponderáveis, em lugar das calúnias anónimas, pode sempre recorrer à impugnação judicial. É tão simples...

segunda-feira, abril 12, 2010

Anatoly Dobrynin (1919-2010)

Durante um quarto de século, Anatoly Dobrynin foi o embaixador soviético em Washington. Se pensarmos que era, muito provavelmente, a figura da URSS que melhor conhecia os EUA, onde antes exercera já funções, deve poder concluir-se que muitas das mais importantes decisões tomadas por Moscovo face a Washington durante esse longo período terão tido a sua direta influência.

O obituário deste grande diplomata está já feito por aí. Para o que agora me interessa, gostava apenas de destacar - porque não vi isso suficientemente feito - que o seu livro de memórias "In confidence: Moscow's ambassador to America's six Cold War Presidents" é um documento surpreeendentemente interessante, em especial face ao cinzentismo daquilo que costumam ser os testemunhos, com alguma relevância diplomática, escritos por protagonistas da URSS, oriundos de áreas não dissidentes. Recordo as memórias de figuras como Brezhnev, Gorbachev ou Yeltsin, bem como de personalidades de menor porte, como Gromiko, Shevardnadze e Primakov, passando mesmo por um observador influente como Arbatov, de quem se esperaria um melhor livro. Se descontarmos o "estranho" volume de Krutchev, só a custo se consegue tirar algo de interessante da "seca" que foi a escrita oficial ou oficiosa soviética e pós-soviética. 

No momento de morte de Dobrynin, a melhor homenagem que se pode prestar a quem foi um ilustre diplomata é recomendar a leitura das suas memórias, um excelente retrato da Guerra Fria e das curiosíssimas pontes que ele soube estabelecer em Washington. 

domingo, abril 11, 2010

Spínola

António de Spínola, primeiro presidente da República designado após o 25 de Abril, foi  ontem homenageado, no centenário do seu nascimento, com a atribuição do seu nome a uma avenida de Lisboa.

Com o 25 de Abril, Spínola entrou para a nossa História. Militar conservador e tradicionalista, fez uma grande evolução no seu pensamento político, que o levou da participação, como jovem observador, na "Divisão Azul" hitleriana que atacou a URSS até a uma progressiva sedução pela liberalização da ditadura. Pelo meio, ficou o seu carisma de brilhante militar, que arregimentava prosélitos e que trazia ideias de evolução para a política colonial que o imobilismo do regime não deixou frutificar. O seu livro "Portugal e o Futuro", de 1973, é um ensaio de "gaullismo" requentado que chegava atrasado para salvar o regime mas ainda chegou a tempo para ser uma cartilha de união ambígua de todas as tendências militares, cuja conjugação foi essencial para o sucesso da Revolução de 1974.

Spínola foi alcandorado à chefia do Estado na noite dessa Revolução. Mais tarde, tentou instrumentalizá-la com uma espécie de "pronunciamento" que acabou por vitimar politicamente o primeiro-ministro que escolheu, Palma Carlos. Percebeu, entretanto, que a independência das colónias teria de ser quase incondicional, depois de ter tentado outras vias, com ligações que foram de Mobutu a Nixon. Após provocar até ao limite o Movimento das Forças Armadas, que o colocara no poder, não resistiu à tensão que ele próprio criou e potenciou até à rutura, demitindo-se na sequência do 28 de Setembro de 1974. 

Voltou ao cenário político-militar como titular de um frustrado golpe de Estado - o 11 de Março - e, após essa data, exilou as suas esperanças através de um grupo de resistência conservadora externa - o MDLP, Movimento Democrático para a Libertação de Portugal - que tem uma história de cumplicidades internas (em áreas que hoje seria penoso estar a lembrar) que vai muito para além da caricatura que dele se fez. E convém não esquecer nunca: do 11 de Março ao MDLP, o percurso de António de Spínola ficou ainda marcado por algumas responsabilidades  de que resultaram consequências sangrentas.  Absolvê-las no altar da estabilização foi uma decisão implícita de um país que terá achado que elas eram a outra face do espelho de radicalismos de sinal contrário.

Com a institucionalização plena do novo sistema político português, e sempre graças à tolerância da nossa democracia, Spínola regressou a Portugal. Através de entendimentos que hoje já fazem parte das curiosidades do nosso regime, reganhou um estatuto público que as suas equívocas aventuras no exílio lhe haviam feito perder. E ascendeu a Marechal das nossas Forças Armadas.

Como atrás escrevi, Spínola ganhou legitimamente um lugar na nossa História. Era um patriota e foi um militar de grande coragem e valia. Faz parte das figuras que acabam por sofrer do facto de terem servido de charneira em tempos de transição. Prestar-lhe agora este reconhecimento é um ato de grandeza por parte de um regime para cuja implantação contribuiu, mas cujo curso poderia ter tido derivas indesejáveis se acaso, em certos momentos, tivesse seguido as linhas que ele pretendeu impor-lhe. Ainda assim, homenagear António Sebastião Ribeiro de Spínola é um gesto que o Portugal de Abril pode e deve fazer. Com conta, peso e medida histórica. Como ontem disse o presidente Cavaco Silva, "muito para além das homenagens dos homens, será o juízo do tempo que se encarregará de lhe reservar na História o lugar que merece".

Paris-Roubaix

Já é azar! Pela segunda vez consecutiva, perdi hoje a hipótese de ver a clássica prova ciclística Paris-Roubaix.

Para o ano, vou organizar-me melhor para estar presente naquela que é uma das mais antigas e exigentes corridas de bicicletas do mundo, criada ainda no século XIX, com um trajeto que, em algumas partes do percurso, segue por caminhos como os que a imagem mostra.

Como o meu 25 de Abril se passará este ano em Roubaix, junto da Comunidade portuguesa, vou já "marcar lugar" por lá para 2011.

sábado, abril 10, 2010

1989

Pierre Grosser foi diretor do Institut Diplomatique do "Quai d'Orsay" desde a sua criação, em 2001. Tem uma importante obra publicada em temas internacionais e escreveu, há pouco, um livro fascinante, de que pouco se tem falado, sobre esse ano-charneira, em especial para a Europa: "1989 - L'année où le monde a basculé".

São muitas centenas de páginas, escritas num tom multidisciplinar ambicioso, que podem ler-se espaçadamente, como tenho feito, desde há semanas. Trata da Europa, mas igualmente das suas periferias, indo à raiz histórica das temáticas abordadas e procurando ligá-las nos seus contextos económicos, financeiros, sociais e até ecológicos. Sendo que a queda do muro de Berlim é talvez o pretexto central deste trabalho, o facto dele se alargar a outros domínios e cenários geopolíticos acaba por ter o mérito de relativizar a dimensão da unificação alemã e de nos obrigar a olhar um pouco mais longe.

As obras com grande abrangência transversal têm sempre lacunas. Neste livro, encontrei uma única referência a Francis Fukuyama e apenas duas notas curtas sobre Samuel Huntington. Se, no primeiro caso, "o fim da História" pode ser descartado, no segundo parece-me muito escasso o que foi citado. Mas, a meu ver, mais grave será Grosser nem sequer ter mencionado, uma única vez, nomes como Edward Said e, muito em especial, um autor sem o qual é difícil interpretar o século XX, Eric Hobsbawm. Porquê?

De qualquer forma, o saldo é amplamente positivo: estamos perante um livro muito interessante e muito clarificador. A ler.

Política local

Oloron-Sainte-Marie é uma belíssima pequena cidade junto aos Pirinéus, perto de Pau, a dois passos de Espanha, onde uma associação de portugueses já com muitos associados franceses, dirigida por uma "mulher de armas", Elsa Godfrin, faz maravilhas para cativar os locais para os valores culturais e turísticos do nosso pais.

É sempre muito interessante observar a vida desta orgulhosa França de província, com uma ativa sociedade política, muitas vezes marcada por uma agenda que se afasta das grandes tensões nacionais, mas que não deixa de ter os seus momentos de "stress".

Hoje, ao almoço, o Maire da cidade, Bernard Uthurry, contou-me a história deliciosa de uma postura municipal que, há cerca de dois anos, decidiu fazer publicar, para limitar o excesso de ruídos de que os seus concidadãos se queixavam. O texto da decisão andava há anos pela Mairie, tendo-o herdado do seu predecessor. Cheio de trabalho, e confiando no conselho que lhe era dado pelos seus adjuntos, assinou-o praticamente sem ler.

No dia seguinte, acordou com a agência France-Presse e os jornais regionais em  agitação: o texto previa a supressão do cantar dos galos na cidade! Mobilizadas pelo "fait-divers", a imprensa nacional e as televisões agarraram logo o tema. O Maire foi assim acordado politicamente pelos galos que, sem pensar, proibira de cantar. E teve de recuar na sua decisão, face à gargalhada nacional que se anunciava.

A política, por vezes, também se faz destes bizarros sobressaltos.

sexta-feira, abril 09, 2010

Chirac

Por estes dias, as sondagens revelam que Jacques Chirac conserva uma grande estima por parte dos franceses. Na leitura mais "fina" das razões dessa popularidade, a generalidade dos observadores nota o prestígio que o antigo presidente criou, ao ter colocado a França, lado-a-lado com a Alemanha e vários outros países, em oposição à decisão americana de invadir o Iraque, sem um mandato multilateral.

Passam já 7 anos sobre esse episódio que dividiu a Europa e o mundo. Mas os franceses não esqueceram que, no momento oportuno, Chirac soube colocar-se ao lado da razão e da justiça internacionais. Se há uma virtude que a França tem, essa é a sua memória.

A síndroma de Agosto

Estávamos em Agosto de 1979. Era a primeira vez que eu assumia, interinamente, a chefia da Embaixada em Oslo. Tinha pouco mais de três meses de experiência no exterior e as férias do embaixador a isso obrigavam.

À época, o "sangue na guelra" e a inexperiência levaram-me a ser tentado a trabalhar nesse mês de substituição do embaixador como se tivesse sido ungido como "embaixador substituto". Daí que fosse afetado, sem o saber, pela "síndroma de Agosto" - esse "chico-espertismo" que faz com que os "encarregados de negócios" mais jovens, aproveitando as férias dos chefes de missão, se ponham em pontas de pés perante Lisboa, enviando correspondência em abundância, mostrando-se à tutela. Esquecendo que, nesse mês de Agosto, o Palácio das Necessidades está também deserto e quase ninguém os lê. Quase...

Assim, e a propósito de uma qualquer notícia surgida na imprensa, preparei um longo telegrama (nome que damos às comunicações urgentes, com distribuição prioritária - ao tempo enviadas por telex), creio que de quatro páginas, sobre a questão das dissidências entre a então URSS e a Noruega, a propósito da exploração de recursos do arquipélago de Svalbard. O tema era altamente especioso, implicava contextualização histórico-jurídica, pelo que era de muito duvidoso interesse para o MNE, para mais num tempo em que a nossa diplomacia tinha uma agenda de preocupações algo limitada. Gastar com o assunto quatro páginas, numa comunicação telegráfica, tipo de correspondência que devia ser guardada para coisas urgentes, era, manifestamente, revelação de imaturidade. 

Imagino que, logo que enviado o texto, depois do que deve ter sido uma sua cuidadosa elaboração, ter-me-ei sentido satisfeito comigo mesmo. De facto, eu acabara de apresentar a Lisboa uma densa exposição sobre uma problemática importante para a política externa norueguesa. Não detetara, nos arquivos, que a Embaixada se tivesse dedicado com profundidade ao tema. Lisboa iria apreciar, pela certa.

Ora não foi bem assim. Dois dias depois, recebo um telegrama do MNE que dizia mais ou menos isto: "Telegrama nº tal não se justifica. Vossa Senhoria poderia perfeitamente ter informado sobre o assunto por ofício". (O "ofício", no jargão da casa, é um texto que segue semanalmente na mala diplomática, pelo correio). Na linha seguinte estava o pior, a assinatura desta "rabecada": "Ministro". (Noto que o "Vossa Senhoria" é a fórmula consagrada que o Ministério sempre utiliza para se dirigir a quem não tem estatuto de embaixador).

Alguém receber um telegrama assinado pelo próprio ministro dos Negócios Estrangeiros é uma coisa que rarissimamente acontece na nossa profissão. E, com uma mensagem tão seca e negativa, a excecionalidade tornava-se trágica. Posso imaginar como me devo ter sentido, pensando estar em face do início do fim da minha carreira. O meu ritmo de "produção" telegráfica deve ter levado, a partir daí, um corte substancial, resumindo-me ao essencial, para evitar atiçar ainda mais as iras lisboetas. No regresso de férias, o embaixador, em tom de algum desagrado, deixou cair que "ouvira nos corredores" a história do meu telegrama e da resposta do ministro. Não fora, de facto, uma brilhante estreia como "encarregado de negócios".

Mas não houve mais consequências e tudo acabou apenas por ser uma bela lição. Aprendi que, nas chefias interinas, os substitutos devem ser discretos e proceder exatamente da forma como imaginam que os substituídos gostariam que as coisas se passassem na sua ausência. Nem mais, nem menos. Foi o que passei a fazer a partir de então.

O outro 25

Se a manifestação dos 50 anos do 25 de Abril foi o que foi, nem quero pensar o que vai ser a enchente na Avenida da Liberdade no 25 de novem...