segunda-feira, abril 12, 2010

Anatoly Dobrynin (1919-2010)

Durante um quarto de século, Anatoly Dobrynin foi o embaixador soviético em Washington. Se pensarmos que era, muito provavelmente, a figura da URSS que melhor conhecia os EUA, onde antes exercera já funções, deve poder concluir-se que muitas das mais importantes decisões tomadas por Moscovo face a Washington durante esse longo período terão tido a sua direta influência.

O obituário deste grande diplomata está já feito por aí. Para o que agora me interessa, gostava apenas de destacar - porque não vi isso suficientemente feito - que o seu livro de memórias "In confidence: Moscow's ambassador to America's six Cold War Presidents" é um documento surpreeendentemente interessante, em especial face ao cinzentismo daquilo que costumam ser os testemunhos, com alguma relevância diplomática, escritos por protagonistas da URSS, oriundos de áreas não dissidentes. Recordo as memórias de figuras como Brezhnev, Gorbachev ou Yeltsin, bem como de personalidades de menor porte, como Gromiko, Shevardnadze e Primakov, passando mesmo por um observador influente como Arbatov, de quem se esperaria um melhor livro. Se descontarmos o "estranho" volume de Krutchev, só a custo se consegue tirar algo de interessante da "seca" que foi a escrita oficial ou oficiosa soviética e pós-soviética. 

No momento de morte de Dobrynin, a melhor homenagem que se pode prestar a quem foi um ilustre diplomata é recomendar a leitura das suas memórias, um excelente retrato da Guerra Fria e das curiosíssimas pontes que ele soube estabelecer em Washington. 

3 comentários:

ARD disse...

Em meados dos anos 80, as Edições Avante publicaram o livro de Gromiko intitulado "Discursos e artigos".
Como era de esperar, tratava-se de uma coisa sensaborona e desinteressante, exemplo do "cinzentismo" dos escritos dos dignitários soviéticos que o post refere.
E, contudo, alguns deles eram pessoas interessantes, cheias de sentido de humor e de aguda inteligência.
Assim era, de resto, Gromiko; mas no desempenho das diversas funções que exerceu, o que ressaltava profissionalmente era a intransigência e o monolitismo dos "cold warriors" soviéticos.
Quando representou a URSS no CS das NU, era conhecido como "Tovaritch Nyet" e conta-se que, ao saír de um pequeno almoço de trabalho com o seu colega americano, respondeu a um repórter que lhe perguntara se tinha gostado do pequeno almoço: "Talvez...".
"Talvez" se o livro tivesse sido escrito depois de 1992, como o de Dobrynin, fosse mais interessanta.

Helena Sacadura Cabral disse...

Vou seguir o seu conselho. Já ouvira falar desse livro, mas a pessoa que o referiu não me oferecia grandes garantias de o ter lido. pareceu-me que seria um dos tais livros de que se fala e nunca se leu...
Mas...vindo de si o conselho, vou mergulhar, porque a Russia - a antiga URSS - e a América ainda hoje exercem sobre mim um certo fascínio histórico. É que conheci alguma coisa das duas. Numa vivi e a outra visitei-a várias vezes.
Um livro que faz a simbiose deve ser de facto interessante.

Francisco Seixas da Costa disse...

Dra. Helena Sacadura Cabral: o interessante do livro, que li já há alguns anos, é o facto de haver um mundo de confiança e cordialidade (recordo-me das portas especiais por onde Dobrynin entrava, das conversas privadas com Robert Kennedy, etc) que não era expectável num ambiente de Guerra Fria.

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