Passei lá há pouco, nas minhas caminhadas noturnas. É a sede do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, em Lisboa.
O Centro foi criado em 1990, dedicando-se a promover a cooperação, em determinados setores, entre dois “mundos” separados por um fosso de desenvolvimento.
Pelo período de um ano, entre 2013 e 2014, fui diretor-executivo do Centro. Foi uma experiência interessante, que desempenhei “pro bono”, já após a minha aposentação do serviço público. Não me foi possível prolongar esse exercício, porque constatei que me ocupava demasiado tempo e obrigava a muitas viagens internacionais, mais do que aquilo que a minha nova vida profissional permitia.
Aproveito para aqui contar um episódio curioso.
Em inícios de janeiro de 2014, comigo ainda a chefiar o Centro, estive presente na sessão de cumprimentos de Ano Novo ao chefe de Estado português, como membro do corpo diplomático... estrangeiro acreditado em Lisboa.
As organizações internacionais apresentam-se, nessa cerimónia, imediatamente após os embaixadores bilaterais. Como “aquisição” recente, eu era, naturalmente, quase o último (senão mesmo o último) da fila dos diplomatas.
No meu fraque (com colete claro, como é de regra para cerimónias diurnas, tal como o meu colega e “mestre” de Protocolo, José Bouza Serrano, sempre me recomendou), ali estava eu, naquele imenso salão de vidros e espelhos do Palácio de Queluz, aproveitando para uma conversa sempre divertida, em voz baixa, com o meu colega de fila, o meu querido e velho amigo (e vizinho!) Nazim Ahmad, representante em Portugal da Fundação Aga Kahn.
A certa altura, faltando ainda dois ou três diplomatas para o cumprimento a Cavaco Silva, este viu-me, à distância. Notei-lhe um olhar espantado: “O que é que este tipo está aqui a fazer?”, deve ter pensado. Nem se deve ter lembrado do Centro Norte-Sul! O qual, aliás, sempre fora dirigido por estrangeiros. Eu era o primeiro português a exercer essas funções.
Cavaco conhecia-me bem. Fora membro do júri do concurso em que fui admitido como diplomata, em 1975. Tinhamo-nos reencontrado numa visita dele à Noruega, em 1980, sendo ministro das Finanças, comigo ali em primeiro posto. Voltara a cruzá-lo, já como primeiro-ministro, em S. Tomé, em 1989, e, depois, em Londres, em 1992 e 1994, durante deslocações oficiais. Estava presente, como primeiro-ministro cessante, no dia em que fui empossado como secretário de Estado, em 1995. Em 2005, ocorreu ter sido o primeiro embaixador português a ser por ele recebido em Belém, logo após o início de funções como presidente da República. Algumas outras vezes por lá voltei, noscanos seguintes, acompanhando políticos brasileiros. E eu era embaixador português no Brasil quando Cavaco Silva ali se deslocou, em 2008.
Quando, nessa cerimónia em 2014, chegou a minha vez de o cumprimentar, e com o chefe do Protocolo, a seu lado, a entender que não valia a pena estar a explicar quem eu era, achei por bem esclarecer o que estava ali a fazer, integrado no corpo diplomático ... estrangeiro! Cavaco Silva sorriu imenso e ainda teve tempo para me perguntar como ia o Centro, que ele próprio tinha criado - como me lembrou - e com cujo futuro eu sabia que ele se preocupava.
Achei então que era capaz de ser excessivo revelar que fora eu quem, a pedido do ministério, nesse ano já longínquo de 1990, escrevera o discurso que ele tinha lido na cerimónia inaugural da abertura do Centro, creio que proferido no auditório do Monumento dos Descobrimentos (um local muito “na berra”, por estes dias).
Um diplomata, tal como Thomas More, é “a man for all seasons”. Aliás, naquele instante protocolar, eu era talvez a melhor prova provada disso mesmo!