A elaboração de "informações de serviço", em folhas de papel amarelo, era, em tempos idos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um método através do qual às chefias era dado perceberem se os jovens diplomatas sabiam... escrever português. O mesmo acontecia, aliás, com os chamados "apontamentos de conversa", neste caso em papel azul, que relatavam contactos testemunhados entre os chefes e visitantes estrangeiros, aqui com a vantagem acrescida de permitirem aferir se quem os elaborava tinha, ou não, o bom senso de transcrever o essencial do que fora dito. E, muito em particular, a sabedoria de omitir o que fora dito mas não deveria ser anotado.
Num desses tempos de início de carreira, a um jovem "adido de embaixada" foi pedido que preparasse um estudo sobre as relações económicas entre Portugal e um determinado país. Com os elementos recolhidos dos arquivos do MNE, de documentação do então Fundo de Fomento de Exportação (que veio a redundar na atual AICEP), da Direção-Geral do Comércio Externo e de outras fontes ministeriais então muito ligadas às "Económicas" (como era conhecida a Direção-Geral dos Negócios Económicos), o nosso jovem preparou, com todo o cuidado, um trabalho recheado de quadros quantificados, listas de produtos de importação e exportação, evolução de "taxas de cobertura", notas sobre os acordos bilaterais em vigor, rol de empresas de cada país que operavam no outro, cifras sobre investimentos, fluxos de turismo, visitas ministeriais e "tutti quanti" fazia parte do modelo tradicional desse tipo de informações.
Num desses tempos de início de carreira, a um jovem "adido de embaixada" foi pedido que preparasse um estudo sobre as relações económicas entre Portugal e um determinado país. Com os elementos recolhidos dos arquivos do MNE, de documentação do então Fundo de Fomento de Exportação (que veio a redundar na atual AICEP), da Direção-Geral do Comércio Externo e de outras fontes ministeriais então muito ligadas às "Económicas" (como era conhecida a Direção-Geral dos Negócios Económicos), o nosso jovem preparou, com todo o cuidado, um trabalho recheado de quadros quantificados, listas de produtos de importação e exportação, evolução de "taxas de cobertura", notas sobre os acordos bilaterais em vigor, rol de empresas de cada país que operavam no outro, cifras sobre investimentos, fluxos de turismo, visitas ministeriais e "tutti quanti" fazia parte do modelo tradicional desse tipo de informações.
Acabado o trabalho, que demorou vários dias, apresentou-o ao "chefe de repartição", que o fez subir ao diretor-geral, o qual, por sua vez, com um elogioso "visto com apreço" escrito no canto superior direito, o mandou, "capeado por um ofício de cobertura", à embaixada relevante, situada no país estrangeiro a que o texto se reportava.
Passaram-se umas semanas, até que um dia, na mala diplomática oriunda desse posto, chegou uma comunicação, subscrita pelo nosso embaixador nessa capital, sobre a "informação de serviço" que havia recebido. Nela se elogiava calorosamente o trabalho do jovem adido, se destacava a qualidade e a pertinência da informação recolhida, o cuidado colocado na coleta feita, bem como a importância de que aquela "informação de serviço" se iria revestir para o trabalho futuro da missão diplomática.
O jovem diplomata, que tivera acesso ao ofício da embaixada antes dele seguir para o seu "chefe de repartição", estava deliciado e muito expectante quanto ao modo como o seu chefe direto iria reagir. Um ou dois dias depois, foi chamado:
- Meu caro, não sei se você já tem conhecimento, mas queria dizer-lhe que o seu trabalho foi muito apreciado pelo nosso embaixador. Parabéns.
O tom deste comentário, que soava a excessivamente seco, foi interpretado pelo nóvel diplomata como podendo talvez significar algum despeito, quiçá mesmo inveja, por parte do seu chefe. Mas porquê? Era um profissional muito mais velho, com uma carreira feita, que necessidade teria ele de agir dessa forma? Deveria haver, com toda a certeza. qualquer outra razão para a falta de entusiasmo demonstrada. E havia, como logo percebeu:
- Mas sabe, colega, há elogios e há... elogios!
- Mas sabe, colega, há elogios e há... elogios!
O nosso adido estava cada vez mais confuso.
- Com os anos, você vai aprender que, quando se recebe um elogio, a sua relevância depende muito de quem o formula. O colega é ainda muito novo para poder ter uma avaliação própria sobre os embaixadores e eu, até por uma questão de camaradagem, não quero elaborar muito sobre este assunto. Mas sempre lhe direi que o embaixador que agora o elogiou está muito longe de ser uma figura tida como de grande importância na nossa carreira. Por essa razão, o elogio que ele agora lhe fez... vale o que vale!
O jovem diplomata, que mais tarde viria a ser uma proeminente figura da nossa carreira, percebeu, nesse instante, que há coisas que vão para além do seu valor facial. Ontem contou, num grupo de amigos, esta significativa história.