Num comentário no Facebook, contei hoje que, a um crédulo colega de universidade, conseguimos um dia convencer que o pequeno anúncio luminoso “Exit”, que se via nas portas de emergência dos teatros, assinalava as saídas destinadas aos atores que, no final da ”performance”, tivessem um “êxito” bem reconhecido pelo aplauso do público. O rapaz era um tanto saloio e, na hora, engoliu a patranha.
Isso passava-se no Lar Gomes Teixeira, na rua da Torrinha, no Porto, na segunda metade dos anos 60 (vale a pena dizer que era no século passado?). Aquele colega, por artes ou por antiguidade, tinha conseguido um dos poucos quartos individuais do lar, com janela para a rua, à esquerda de quem entrava.
O António Novo, que por aqui me lê e que, tal como eu, era utente dessa casa, com algum esforço de memória lembrar-se-á da personagem, que vivia sozinho e não se relacionava com ninguém.
O António Novo, que por aqui me lê e que, tal como eu, era utente dessa casa, com algum esforço de memória lembrar-se-á da personagem, que vivia sozinho e não se relacionava com ninguém.
A higiene, ao que se constatava, não era o “forte” daquele colega. Do seu quarto exalava, quando a porta se entreabria, um odor pestilento, sinal de sujeira acumulada. A Lucinda, a empregada da limpeza, terá mesmo confessado que se recusava a lá ir, destacando, para essa ingrata função, o Moisolindo, o porteiro.
Numa noite de conversa, sem esse colega presente, veio à baila o odorífico tema, tendo alguém feito notar que ele nunca tinha sido visto na zona dos banhos, que se passavam numa zona do primeiro andar. Outros adiantaram: “Ele cheira sempre mal!” Daí à constatação de que “ele nunca se lava!” foi um passo breve. E um plano de ação foi montado: ele iria ser forçado a um banho!
Já não me recordo como é que o bisonho personagem foi atraído, no dia seguinte, ao primeiro andar, mas tenho bem presente o instante em que quatro ou cinco colegas sobre ele caíram e o arrastaram para o chuveiro.
O rapaz berrava, urrava impropérios, o banho nem sequer foi completo, porque foi impossível arrancar-lhe todas roupas. A cena, de que fui mero assistente à distância, dado o meu estatuto de caloiro, tinha o seu quê de crueldade, de violência, com alguns de nós a termos pena da vítima, cuja rutura pessoal com a generalidade dos colegas se consumou naqueles breves instantes.
Foram, de facto, breves mas foram imensos os minutos de humilhação que o rapaz sofreu. No termo do exercício, mais do que furibundo, silencioso de raiva, lembro-me de o ver agarrar nas roupas e descer as escadas, a refugiar-se no seu tugúrio, quiçá para recuperar os odores perdidos na ablução que lhe fora imposta. O ano letivo estava a terminar. O lar iria depois ser encerrado, por um cúmulo de variadas razões, por algum tempo. Nunca mais voltei esse colega.
Não vale a pena estar agora a perder agora tempo com juízos moralistas sobre o episódio, terreno em que os frequentadores das redes sociais são reconhecidos peritos. É óbvio que foi uma cretinice, mas os factos foram o que foram, nesse ano de 1967.