É sempre estimulante ouvir falar Hubert Védrine, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros francês, no governo de Lionel Jospin. A sua leitura da Europa e do mundo aparece marcada, nos dias de hoje, por uma dose de realismo que quase roça o cinismo (embora etimologicamente, cinismo esteja muito longe de querer dizer o que hoje aparenta: cínico seria alguém que teima em dizer não e em abalar o conformismo, o que cola melhor a Védrine).
Ontem à noite, num grupo de amigos, Védrine fez um elogio rasgado de Barack Obama, que considera uma personalidade extremamente inteligente e muito mais avançado do que a América contemporânea - o que, a seu ver, pode justificar muitas das dificuldades políticas que enfrenta e os obstáculos que vai ter de ultrapassar para ser reeleito. Obama terá interiorizado já que os EUA só poderão ambicionar a ter uma "liderança relativa" do mundo - um conceito redutor de poder que os atuais americanos estão ainda longe de poder aceitar.
Sobre as relações EUA-Europa, Védrine é de opinião que os europeus não perceberam a "agenda" sob a qual Obama foi eleito, que tem essencialmente a ver com a saída da crise social interna e, no plano global, com o dédalo estratégico em que a administração Bush envolveu o país, nomeadamente na zona do Golfo. Daí a "desilusão" provocada deste lado do Atlântico pela pouca importância dada por Obama à Europa, onde a não existência de problemas prementes conduz, naturalmente, à desaparição em Washington de uma desnecessária retórica de proximidade prioritária, de que nem sequer Londres já beneficia.
Muito curiosa foi a fórmula que Vérdrine utilizou para caricaturar o modo como os americanos olham para o processo integrador do "velho continente", onde dão preeminência quase absoluta ao reforço e estabilidade da NATO. A União Europeia, para os EUA, não sendo levada a sério como entidade política com identidade própria ("e há alguma razão para que devessem ter uma ideia diferente?") é vista como uma espécie "departamento económico da NATO", razão pela qual, aos olhos de Washington, não há nenhuma razão para que as fronteiras (europeias) de ambas não coincidam (daí a insistência na entrada da Turquia para a UE).
Mais do que poder dar ou não razão a Védrine quanto a esta visão americana, talvez nos devamos interrogar, cada vez mais, sobre se há uma real razão para que o outro lado do Atlântico nos olhe assim.
Mais do que poder dar ou não razão a Védrine quanto a esta visão americana, talvez nos devamos interrogar, cada vez mais, sobre se há uma real razão para que o outro lado do Atlântico nos olhe assim.