Nos tempos da ditadura, era estritamente proibida na nossa imprensa qualquer referência ao conceito de "colónias portuguesas". Toda a publicação periódica era sujeita a censura (mais tarde eufemisticamente designada como "exame prévio") e termos como esse eram zelosamente banidos de qualquer texto, pelos "coronéis" da rua da Misericórdia.
Um dia, a revista "O Tempo e o Modo", já numa sua fase politicamente radical, encontrou um método de contornar a proibição e decidiu utilizar o termo "colónias portuguesas" numa área da publicação por onde, seguramente, os censores não passariam os olhos: o preçário das assinaturas. Isso aconteceu apenas num único número (n.º 77, de Março de 1970), como a imagem seguinte documenta:
Desconheço os eventuais problemas que "O Tempo e o Modo" possa ter tido por esta divertida ousadia, que nunca vi referida, mas que aqui deixo registada.
"O Tempo e o Modo"* iniciou a sua publicação em 1963, sob a direção e propriedade de António Alçada Baptista, então uma interessante figura da intelectualidade católica pós-Vaticano II, proprietário da Moraes Editora. Dessa fase do nosso "catolicismo progressista", a revista começou a alargar-se à colaboração de setores socialistas e comunistas, os quais acabam por se tornar predominantes na sua orientação no final dos anos 60, já sob a direção de João Bénard da Costa. Em 1970, uma ainda maior radicalização acaba por colocar "O Tempo e o Modo" sob tutela de militantes maoístas, que conduzem ao desaparecimento da publicação. Com a "Seara Nova" e "Vértice", contudo bastante mais antigas, "O Tempo e o Modo" integra o grupo das influentes e históricas revistas situadas na área da oposição ao Estado Novo.
*Alcipe revelou ontem, num comentário, uma saudável inveja bibliófica. Por este post fica informado que tem ao seu dispor (apenas para consulta, claro) a coleção completa encadernada de "O Tempo e o Modo".
16 comentários:
se FSC tem tambem a colecção do tempo e modo, alem de vertices, searas novas e cavaleiros andantes, então o tesouro bibliográfico é de facto muito muito valioso. tambem o mundo de aventuras com as histórias do flash gordon, mandrake e tarzan?
Há uma publicação que creio que ainda sai, obra dum só homem, que a escreve e ilustra, distribui. Também pinta, geralmente figuras de mulheres semelhantes às que põe na revista e nos livros ilustrados, quase literatura de cordel. Há anos fez uma exposição de pintura na barata da av de roma. Trata-se de um humorista satirico e falo dum tipo de escrita que nada tem a ver com o tempo e o modo e outras. Mas tambem teve sempre muitos problemas com a censura antes do
25A, pois as piadas aos politicos eram fortes e directas, alem de todo o erotico-picante, ordinário, do conteudo. Falo de josé vilhena e da gaiola aberta, subliteratura clandestina que se lia quase às escondidas e que não sei se tambem chegava às colónias portuguesas.
Se você tiver tempo e disposição para educar um brasileiro ignorante da história portuguesa recente, como afinal eram chamadas oficialmente as colônias (está bem colónias...) portuguesas durante a ditadura?
Caro Paulo Cândido: o conceito de "colónias" foi utilizado até aos anos 50. Quando os ventos da história começaram a pressionar Portugal para se associar ao processo de descolonização, as autoridades da ditadura decidiram passar a chamar "províncias ultramarinas" às possessões portuguesas fora da Europa. Os oposicionistas portugueses, salvo o seus setores mais conservadores ou menos radicais, nunca aceitaram esta "maquilhagem" terminológica. E foram as colónias a forçar a revolução de 25 de abril de 1974.
Volte sempre! O diálogo com o Brasil é-nos essencial
Alcipe agradece a oferta e pergunta se a consulta pode ser domiciliária; confessa que, embora leitor do "Tempo e o Modo" desde o primeiro número, preferia ainda assim a colecção do "Cavaleiro Andante"; e declara que foi possuidor das colecções completas das revistas "Tintin" (em português), "O Falcão" e "Foguetão" até às terríveis inundações de Faro terem destruído esse acervo na cave onde repousava.
A 1ª série durou até 69, seis anos portanto; a chamada "Nova série", "sob a tutela de militantes maoístas" aguentou-se durante oito.
Foi obra!
Porquê dizer que os militantes maoístas é que "conduzem ao desaparecimento da publicação"? Quem o fez nos casos da Seara Nova e da Vértice? Também foram os militantes maoístas?
E terá sido a gestão dos católicos progressistas de Alçada Baptista que levou à substituição por Bénard (outro católico progressista) e ao acolhimento de gente mais à esquerda?
De resto, as pessoas que passaram a dirigir a revista em 69 faziam parte dos "setores socialistas e comunistas que acabaram por se tornar predominantes"; apenas se tornaram ainda MAIS predominantes...
Se V.Exª. me permite, penso que o Tempo e o Modo, a Seara e a Vértice, todas elas,desapareceram porque se foram esgotando, porque desaparecera também o inimigo, razão do seu nascimento e do seu combate.
Ai! Senhor Embaixador, que "tema tão delicado" esse do Tempo e o Modo, tão do meu tempo e dos católicos que na altura se diziam progressistas...
Faltou aí mencionar o nome de Pedro Tamen que aguentou, e muito, a Moraes e a revista.
Era a época do personalismo de Mounier que o grupo do Rato tanto admirava. E de Touraine que periodicamente nos visitava e era muito lá da minha casa de então.
Foram tudo bons rapazes que, claro, "evoluiram". A maioria abandonou o catolicismo e "adaptou-se" ao mundo moderno, pontificando aqui ou ali quando era mais conveniente e rentável.
Foi, na verdade, uma geração de passado prometedor...
Caro Gil: A "Vértice" publica-se, está bem e recomenda-se. A "Seara" desapareceu, embora, pelo menos até há uns anos, publicasse um número anual (para preservar o título), sob a responsabilidade de Ulpiano de Nascimentos.
Quanto a "O Tempo e o Modo", sejamos claros: a mudança de 1969 correspondeu a uma "viragem à esquerda", que levou a revista, por algum tempo, a tiragens bem mais importantes do que estava a ter, nos últimos anos de AAB. O facto da publicação ter "sobrevivido" por alguns anos mais, depois de tomada de assalto por uma linha maoísta, não significa que se não tenha reduzido a um panfleto sectário e residual, que alienou a esmagadora maioria dos leitores tradicionais da revista. E que não terá fidelizado novos, pelo menos a julgar pelas posteriores tiragens...
Cara Dra. Helena Sacadura Cabral: cada geração cumpre a sua função. E embora a esse setor "católico progressista" (que só conheci à distância) possa, entretanto, ter derivado para outras "praias", Portugal não seria o mesmo sem essas gentes: o abalo Felicidade Alves, a Sedes, a capela do Rato, a CDE e a CEUD, enfim, o 25 de Abril. Por isso, "glória" a essas pessoas que o João Bénard da Costa bem caraterizou no seu livro "Nós, os vencidos dos catolicismo".
Caro Patrício Branco: Não, creio que a "Gaiola Aberta" já não sai. Há uns tempos, creio que tinha sido substituída por "O fala barato". Tenho (também!) os primeiros anos da "Gaiola Aberta" (depois, deixei de achar graça, confesso), como tenho a coleção (julgo que rara) das "obras completas" de José Vilhena, desde o "Manual de Etiqueta" até aos vários volumes d'"A História Universal da Pulhice Humana", para além de outros livros (todos antes do 25 de abril) com títulos que poderiam chocar os leitores deste blogue...
Caro FSC, tenho inveja, falo do CA, da GA (que tem peças de curto humor agúdissimas)da "pulhice", do TeM (apenas de 63 a 68), das vertice e SN (que assinei alguns anos, depois cansei me)etc. Notavel capacidade de guardar, cuidar e coleccionar a sua, que eu nunca tive. Nem o JL, que continuo a assinar desde o 1º nº guardo.
A colecção do CA causa-me particular inveja e sinto pena, era um semanário magnifico para os pré e recem adolescentes, e para os adultos hoje recordarem a sua infancia.
A Seara Nova continua a publicar-se trimestralmente, ainda sob a direcção de Ulpiano Nascimento. Agora é propriedade da Associação Intervenção Democrática.
Caro Patrício Branco: ofereci a minha coleção (encadernada desde o nº 1 até ao 500)do "Jornal de Letras" à biblioteca do Instituto Camões. Foi uma doação, confesso, motivada pela falta de espaço para acomodar tão grandes volumes.
E tenho muitas mais publicações periódicas... Nem queira saber!
a ver se ainda encontro o nº mil do jl que recebi recentemente e pensei guardar...
Nunca utilizaria a caixa de comentários do seu blog para iniciar uma polémica sobre esta questão, por muito interessante que ela me pareça.
Mas permita-me apenas mais uma intervenção para sublinhar que V.Exª. utiliza, para avaliar a bondade de uma série da revista em relação à outra, não uma grelha de análise mas argumentos unidirecionais – a direção de Bénard da Costa teria deixado a revista devido a uma espécie de “golpe de estado” interno dos “militantes maoístas”; já estes, conduzido ao seu desaparecimento por causa das baixas tiragens.
Ora, com o devido respeito, as coisas não se passaram com essa clareza.
As tiragens da revista nunca foram altas, salvo em relação a alguns números temáticos específicos. E não foi só o “assalto” maoísta que ditou o afastamento (aliás progressivo) dos restantes elementos, foi também a situação precária que a revista já enfrentava. E, se a difusão da Nova Série baixou, deve entender-se que isso aconteceu, também, porque a concepção sobre a própria natureza da publicação mudou – onde, antes, se pretendia uma “arejada” troca de ideias entre intelectuais mais ou menos bem-pensantes (escrevo-o sem intuitos insultuosos), passou a querer-se um instrumento para a promoção de uma ideologia política bem concreta, “um organizador e um educador”, na linha da concepção leninista sobre o papel da imprensa. Ora, nessa perspectiva não é a quantidade de leitores que importa, é sua selecção e recrutamento.
É com isto que, segundo me parece, não está de acordo (e tem toda a razão, sobretudo agora).
Mas para “os militantes maoístas” que assumiram a direção d’O Tempo e o Modo, a saída dos restantes elementos não a enfraqueceu, antes a solidificou e fortaleceu porque, na mesma orientação, uma organização “torna-se mais forte quando se depura”.
Voltando a citar V.I.L. (cuja opinião, sei-o bem, não tem qualquer autoridade mas que a tinha para “os militantes maoístas” da época), “o dever histórico imediato da classe operária é arrebatar esses aparelhos à classe dominante, enfraquecê-los, destruí-los e substituí-los pelos novos órgãos do poder proletário.”
já agora um pouco de nostalgia à maneira do "je me souviens"...da livraria moraes na baixa baixa de lisboa, na esquina da rua da vitória com a dos correeiros; e depois na baixa alta no largo do picadeiro, onde hoje está um café restaurante; da editora moraes num andar da av. 5 de outubro, frente à feira popular, e de lá ter visto o josé cardoso pires; da 1ª edição da moraes do hospede de job, com capa dura, exposta na livraria clássica nos restauradores;
ps. pedro tamen foi de facto um membro importante do grupo moraes / tempo e modo.
1.Ventos da história
2.Ditadura
3.escolonização
4.Possessões portuguesas
1.Salvo
2.Maquilhagem
3.Forçar a revolução
4.25 de Abril
5.Volte sempre!
5.É-nos essencial
In comentários FSC(2011)
Sob um olhar...De aprendente
Isabel Seixas
PS Que bonito, os comentários deixam-nos um testemunho revelador da importância social das publicações dinamizadoras do mediatismo de novas ideias neutralizadas pela força de operancia das velhas...
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