sábado, maio 17, 2025

Coisas do muito tempo

Ontem, durante uma conversa telefónica com um amigo jornalista (cujo nome não interessa mas que todos conhecem), referi que estava a ler as memórias de um seu colega francês, Jean-François Kahn, onde ele fala do caráter "trotskizante" do regime argelino, logo após a independência do país, em 1961. Como esse meu amigo tinha navegado nessas mesmas águas políticas, perguntei-lhe o que sabia ele disso. Ele logo lembrou o "camarada" Pablo/Michel Raptis, envolvido no apoio aos independentistas e que teria sido depois um conselheiro de Ben Bella. (Por minutos, passámos então ao "fine tuning" do mundo dos admiradores de Trotsky, com a sua conhecida propensão para a cissiparidade. E, entre outros, vieram a jogo os lambertistas e a corrente de Frank, que fiquei a saber que tinha como coroa de glória ter reunido com o próprio Trotsky, antes dos tempos mexicanos). Aí, eu interroguei-me se teria sido Pablo o interlocutor trotskista de um representante da oposição portuguesa, numa congeminação que sabia montada em Bruxelas, que iria permitir a posterior instalação em Argel da FPLN, a frente anti-fascista portuguesa criada em Roma. O meu amigo disse ser provável e adiantou que, nesse caso, nessa conversa, pelo lado português, poderia ter estado Manuel Sertório, figura relevante no início da FPLN, ele próprio ligado ao trotskismo. E logo fez uma pausa de bom senso: "Não acha que isto é uma conversa muito estranha! Já imaginou quantas pessoas ainda a poderiam acompanhar?" E rimo-nos. Aventei que, aqui em Arcos de Valdevez (ou "nos Arcos", para quem é do Minho), onde me encontro a banhos de preguiça, a menção a Sertório talvez trouxesse à baila o nome de Viriato, que imagino que ainda se deva aprender na escola. E acrescentei: "Conhecerão esse Viriato mas, com toda a certeza, nunca ouviram falar de Viriato da Cruz", o poeta e revolucionário angolano que passou as passas do Algarve na China. E daí a nossa conversa transbordou, por largos minutos, para o MPLA, de Neto a Mário de Andrade, e coisas assim. Depois, cada um de nós foi à sua vida, que, como é sabido, são dois dias: amanhã já é sábado e jogam para o título dois clubes que nos dividem, a mim e ao meu amigo, e depois é domingo e há eleições em que, por vias diferentes, juntamos vontades e esperanças contra os mesmos.

O meu pai chamava a isto "conversas arbóreas": de um ramo saem outros e assim sucessivamente. De facto, é uma evidência que há cada vez menos gente capaz de acompanhar estas conversas de gente já com muito tempo na vida. Mas eu gosto delas, confesso. E acho que o Zé também.

2 comentários:

Anónimo disse...

Diz-se "nos Arcos [de Valdevez]" tal como se diz "na [Ponte da] Barca" e "na Ponte [do Lima]".

aguerreiro disse...

Melhor dizendo: Arcos-Ó
É assim que no Minho se chama á vila de Arcos de Valdevez

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