terça-feira, maio 13, 2025

Conversas

Parece-me haver um imenso equívoco na questão das negociações diretas entre a Rússia e a Ucrânia. Está criada a ideia de que delas poderão sair resultados que possam pôr fim à guerra. Não tenho essa ideia. Com efeito, sabendo-se as posições de partida das partes, à luz daquilo que tem sido afirmado por ambas, não descortinei até hoje qualquer margem de flexibilidade que permita indiciar uma convergência mínima.

Senão vejamos.

A Rússia entende que está fora de causa recuar, um milímetro que seja, das posições que tem na Crimeia e nos quatro "oblasts" que integrou posteriormente na Federação, parte dos quais, aliás, não ocupa totalmente. Além disso, considera essencial a renúncia formal da entrada da Ucrânia na NATO e tem um discurso, embora não muito claro, sobre a desmilitarização da Ucrânia (curiosamente, hoje um dos países mais militarizados do mundo...) e a sua "desnazificação" - conceito pouco preciso, na forma de levar à prática, e que, para muitos analistas, começaria pela saída do poder de Zelensky. O discurso sobre novas eleições presidenciais, que Trump parecia ter "comprado" até ter conseguido o "acordo das terras", poderia ir nesse sentido, embora, se as eleições fossem "a sério", nada pudesse garantir à Rússia que a eleição de um sucessor de Zelensky iria necessariamente significar um futuro equilíbrio político em Kiev muito diferente. Finalmente, e aqui seguindo a racionalidade subjacente ao que estava na carta de Lavrov aos seus homólogos ocidentais, em finais de 2021, e que agora seria importante revisitar, a Rússia teria como ambição (máxima, embora dificilmente exequível) um "reset" no sentido do "status quo" existente antes dos alargamentos da NATO aos países do Centro e Leste europeus. Isso incluiria, naturalmente, o fim das ambições de entrada na NATO para a Moldova e para a Geórgia. Esta, porém, é uma questão que pouco tem a ver com a Ucrânia e que releva da leitura de Moscovo de que, no fundo, esta guerra é uma mera sequela do conflito político-estratégico que mantem com os poderes ocidentais, tutelados pela América pré-Trump. Do mesmo modo, Moscovo não aceitaria qualquer acordo que não conduzisse ao levantamento total da sanções unilaterais que impendem sobre a Rússia, bem como a devolução dos bens russos congelados, por exemplo pela UE. Esta seria a agenda maximalista russa. 

Por seu turno, a Ucrânia, que não reconhece qualquer legitimidade à secessão do Donbass, muito menos de Kherson e Zaporizhzhya, e que nunca se conformara com a anterior tomada da Crimeia (embora a aparente complacência ocidental com a sua inclusão na Rússia tivesse atenuado, por algum tempo, o seu protesto), pretende, muito simplesmente, o regresso ao "status quo ante", isto é, às fronteiras de 1991, definidas aquando da implosão da URSS. A Ucrânia não se compromete sequer a retomar as previsões do acordo de Minsk II, que criava, entre outras coisas, alguma autonomia para o Donbass. Verdade seja, o regresso ao acordo de Minsk não tem hoje qualquer atualidade, depois da Rússia ter incorporado essas regiões na Federação. Essas são, na linguagem diplomáticas de Moscovo, as "novas realidades geopolíticas" de que nunca deu ar de poder abrir mão. A Ucrânia quer também reparações de guerra e a sujeição de Putin à justiça internacional. Para se ver a agenda maximalista da Ucrânia é necessário reler o seu "plano da vitória", de 2024, uma evolução dos anteriores "dez pontos".

Perante estas duas posturas, qualquer acordo só poderá vir a fazer-se por flexibilização de atitude de uma das partes. E essa evolução de posições só surgirá se e quando uma das partes considerar que não tem condições para sustentá-la, por exaustão de recursos ou por consciência de derrota irreversível no campo de batalha. É aqui que ainda não estamos. Qualquer conversa que não incorporar isto na sua agenda servirá para muito pouco.

2 comentários:

Anónimo disse...

É mesmo um grande equívoco, quer a exigência do cessar-fogo formulada pelo quarteto europeu, em troca de nada, quer a exigência de Zelensky em levar Putin à Turquia, para assinar o quê?

Tudo isto não passa de um número de circo, para entreter jornalistas e adormecer o zé povinho europeu.

Entretanto, a guerra prossegue, a Rússia prospera, a Europa definha, a extrema-direita avança por todo o lado. É o melhor que estes líderes europeus” conseguem.
J.Carvalho

Luís Lavoura disse...

Descrição muito correta a do Francisco, e também a de J.Carvalho no comentário antecedente.

Com dedicatória

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