domingo, junho 20, 2021

A primeira impressão


Na constelação dos políticos americanos, Joe Biden nunca foi uma estrela. Os oito anos que passou na sombra de Barack Obama confirmaram dele a imagem de “nice guy” que tinha ganho no muito tempo passado no Senado, onde a sua afamada capacidade de diálogo com o lado republicano acabaria, no entanto, por não ser suficiente para evitar, nos últimos anos de mandato, a paralisia legislativa que veio a ofuscar uma das presidências mais promissoras da história contemporânea da América.

No plano externo, onde, por vezes, o papel dos vice-presidentes surge com algum relevo, Hillary Clinton e, depois, John Kerry acabaram por não lhe dar espaço para brilhar, embora a política externa fosse um domínio de ação onde alguma da sua experiência parlamentar anterior lhe tinha dado prestígio.

Poucos candidatos à presidência dos Estados Unidos, em tempos recentes, terão sido escolhidos com menor entusiasmo do que Joe Biden. Tido por um “gaffeur”, nada entusiasmante no discurso, a sua idade não era um fator, à partida, muito apelativo para um eleitorado democrático onde sobressaía uma agenda com laivos radicais. Embora Bernie Sanders não fosse muito mais novo, a sua postura enérgica disfarçava a idade.

Tudo indica que terá sido o sentimento tático de que, para o objetivo principal que era afastar Trump, a seleção de um candidato com imagem mais moderada e “presidencial”, com a vantagem potencial de poder colher simpatias num eleitorado conservador centrista, cansado dos exageros de Trump, que fez pender a balança para Biden. E os democratas estavam certos na sua aposta, como se viu. E logo houve quem dissesse que Biden era um presidente “a prazo”, que Kamala Harris, a sua vice-presidente, seria a verdadeira estrela da companhia, já na calha para a sucessão.

Biden, como se costuma dizer, “saiu melhor do que a encomenda”. Desde logo, montou uma equipa que surgiu com uma imagem muito profissional, com poucas vedetas mas com o que parece ser uma grande solidez. Não fez muitas concessões à ala mais esquerda na escolha dos nomes, mas mostrou uma abertura à diversidade que surpreendeu. Porém, mais importante do que isso, colocou no terreno uma agenda legislativa ousada e progressista, que deu já frutos no estímulo à economia, com impactos fortes na promoção do emprego. Embora com hesitações, em áreas muito sensíveis, como as questões da imigração, onde alguns gestos iniciais de generosidade foram sucedidos por recuos, o saldo das medidas propostas não deixa de ser muito interessante, embora o seu destino legislativo último continue incerto, atentas as dificuldades com que se defronta no Senado.

Mas é no plano externo que Biden hoje brilha. Foi firme face à China e Rússia, como todo o eleitorado americano quer, sossegou os aliados e parceiros, exaustos de Trump, face aos quais demonstra uma boa vontade não isenta de firmeza e vontade de liderança.

As expetativas face a Biden não eram elevadas. Partindo desse patamar, ele percebeu que não teria uma segunda oportunidade para criar uma primeira impressão. E essa está a ser excelente.

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

Foi firme face à China e Rússia, como todo o eleitorado americano quer

!!! O eleitorado americano quer isso? Sempre pensei que o eleitorado americano se estivesse mais ou menos nas tintas para a política externa.

Luís Lavoura disse...

deu já frutos no estímulo à economia

Muitos frutos, tantos que a inflação já está a aparecer. Frutos a mais.

Joaquim de Freitas disse...

“Mas é no plano externo que Biden hoje brilha. Foi firme face à China e Rússia…” escreve o Sr. Embaixador. Não creio que tratar Putin de “assassino” é inteligente da parte do chefe duma nação que neste aspecto , com os seus drones, golpes de estado e embargos é de longe o vencedor.


O que é que Biden levou da Europa? Nada. Ângela Merkel não cedeu uma polegada e o seu gasoduto vai funcionar.
Os vassalos da NATO ficaram contentes que Biden não aumentou a “cota” do clube, como Trump. E confirmaram, como era de esperar, a sua vassalagem sem restrições.

Biden e Putin desejam defender os seus interesses respectivos, disseram eles! Mas já o sabíamos.
No fundo foi uma reunião para fazer a lista dos desacordos!

A verdadeira questão desta Cúpula não foi o retorno concreto dos seus embaixadores, nem mesmo a boa notícia da reabertura das negociações nucleares em substituição ao tratado New Start, nem o início de um diálogo sobre o ciberespaço que, na realidade, permanecerá uma zona de confronto, provavelmente com uma reorganização e rearmamento das capacidades e intervenções americanas no próprio coração da sociedade russa, quanto mais a situação de Alexey Navalny ...

O objetivo central de Biden é conter as ambições da China de Xi Jinping, seu verdadeiro rival comercial, militar e espacial ... de liderança global. E sonha de separar os dois inimigos… Isso sim, é o objectivo.

Francisco Seixas da Costa disse...

Joaquim de Freitas. O “brilho’ de Biden é duplo: no plano interno pela atitude face a Putin e à China; no externo, face a aliados e parceiros, pelo “ar” de simpatia. Mas, no seu caso pessoal, como os EUA são sempre o seu “diabo” de estimaçao, torna-se sempre difícil ter uma leitura equilibrada.

Unknown disse...


O argumento do Sr. Embaixador em relação ao "diabo" do Joaquim Freitas, faz-me lembrar o anti-semitismo de muitos semitas ...

João Pedro

Joaquim de Freitas disse...

Creio que o Sr. Embaixador tem razão ! Um diabo de estimação…
Biden, como todos os seus antecessores, nunca um dos quais declarou Paz ao mundo, mas pelo contrário, sempre desencadeou, participou ou alimentou conflitos armados para estabelecer e manter o seu domínio sobre o mundo, desrespeitando todos os princípios da diplomacia internacional civilizada, insulta o presidente russo, Putin, chamando-o de "assassino". Se exprimindo-se como um vulgar arruaceiro traz um “brilho” qualquer à diplomacia americana…

E promete, num ataque violento, que pagará "o preço" pelas suas acções! Tais declarações são absolutamente inadmissíveis, Biden, o Yankee, toma-se por John Wayne, usa a boina verde da CIA e, na frente da mídia, interpreta o Matamore, deixando o mundo pasmado.
Ele escolheu a Ucrânia, a cabeça-de-ponte da NATO, para organizar a sua agressão contra a Rússia e Taiwan para provocar a China. Mas o insulto e a ameaça não são a marca dos fracos?
A provocação é calculada. Os EUA perderam todas as guerras desde 1945.
A Rússia e a China parecem agora ser sérios obstáculos à expansão de sua esfera de influência. A China está se tornando a principal potência económica e financeira do mundo. Além disso, a modernização de seu exército está em curso e as suas actuais capacidades militares já deveriam levar os Estados Unidos a moderar sua arrogância.
Assim, ameaçado na sua hegemonia, sem argumentos convincentes, os Estados Unidos perdem a paciência. Eles provocam, trovejam, insultam, ameaçam. Eles sabem fazer mais alguma coisa? Eles demonstram mais uma vez que são um país extremamente perigoso para os povos e para a Paz na Terra, e isso desde a sua criação... um dos piores genocídios da história.
Biden e os seus falcões escolheram atacar a Rússia nos confins de uma Europa vassalizada, usando a Ucrânia que eles já consideram parte da NATO depois de ganhar o controle político.
Esta nação , com este homem e o complexo militar-industrial que o guia, com o apoio de uma Europa infelizmente escravizada, é o verdadeiro cancro do nosso planeta.

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...