Quando se observa a conflitualidade que atravessa o Congresso americano, surgem dúvidas sobre se Joe Biden conseguirá concretizar a ambiciosa agenda legislativa que anunciou. Os dias que se vivem no Senado, bem como a linguagem crispada que teima em não abandonar o debate político, mostram a persistência de um entrincheiramento pronunciado, que quase não deu um “estado de graça” legislativo mínimo ao novo presidente.
No ambiente político que rodeiam Biden, destacam-se dois outros elementos, ligados entre si.
Desde logo, nota-se que o episódio da invasão do Capitólio, por muito traumático que possa ter sido para o campo republicano, não funcionou como um fator para a respetiva moderação, no sentido de um maior entendimento entre os campos adversários. Trump pagou, aliás, um preço surpreendentemente baixo, em termos de responsabilidade, por um incidente de que, à evidência, foi o principal incitador. O facto de ter conseguido eximir-se ao “impeachment” não deixa, neste contexto, de ter um forte significado.
Ficou desta forma demonstrado que não foi por acaso que Donald Trump obteve cerca de 70 milhões de votos, numas eleições cujos resultados, contra todas as evidências, ele conseguiu rodear de um manto de suspeições que, como sondagens posteriores revelam, contamina ainda, de forma continuada, um setor importante dos seus fiéis. A “verdade” de Trump permanece viva na crença de muita da sua gente. E é óbvio que, dentro do atual Congresso, bem como em todos os setores republicanos que se preparam para o sufrágio intercalar de 2022 (que, recordo, elegerá de novo todos os lugares na Câmara dos Representantes e um terço do Senado, como acontece a cada dois anos), este estado de espírito dos votantes trumpistas não deixará de ser considerado nas contas politicas das campanhas.
Quero com isto dizer que Joe Biden, por muito boa vontade que possa ter vindo a conquistar, com o seu estilo dialogante, disputa uma verdadeira corrida contra o tempo - e isto não é nenhuma ironia sobre a sua idade, circunstância que, no entanto, também não pode ser esquecida.
Com um Congresso hostil a medidas que, a serem aprovadas e a terem sucesso prático, fariam disparar a sua popularidade, o novo presidente tem ainda a difícil tarefa de ter de conciliar coisas que podem surgir como contraditórias. Por um lado, Biden tem necessidade de ser visto como protetor dos interesses nacionais na ordem externa, no que compete com um nacionalismo basicamente eficaz de Trump. Por outro, tem o imperativo de dar resposta a uma agenda progressista que, em larga medida, o ajudou a chegar à Casa Branca e perante a qual todos muitos democratas no poder serão julgados em 2022. Como se viu na sensível questão da imigração, nem sempre estas duas vertentes se conjugam com facilidade.
Uma coisa a história americana já nos ensinou: os presidentes dos Estados Unidos, quase sempre, ganham ou perdem o país essencialmente pelo estado da economia, pela confiança criada em termos de bem-estar, pelos índices de Wall Street e pelas taxas de desemprego.
Se a economia americana, nestes primeiros dois anos da nova presidência, conseguir dar um salto contrastante com o tempo deprimido do auge da pandemia, e se isso for visto como derivado das iniciativas de Biden, as hipóteses dos candidatos que o apoiam aumentam exponencialmente, com consequências nas eleições intercalares de 2022 e no Congresso que delas sairá. E isso reduziria as hipóteses de retorno a uma nova “onda Trump”, protagonizada pelo próprio ou por quem lhe assuma a herança.
Mas a história também demonstra, agora em prejuízo de Biden, que este tipo de eleições a meio do mandato raramente beneficiam o presidente em exercício.
Biden pode talvez pensar que, tendo sido um presidente que era tido por improvável há meia dúzia de anos, pode também vir a ser bafejado pela sorte e conseguir sustentar o vento que o levou à Casa Branca.
A minha neutralidade como comentador acaba aqui: gostava que ele tivesse essa sorte.
Sem comentários:
Enviar um comentário