quarta-feira, agosto 12, 2020

Ordem do dia




Mentiria se não dissesse que tenho a certeza de que houve pessoas que, à vista do anúncio do imenso dinheiro que aí virá da Europa, terão exclamado, desanimadas, para si mesmas ou para os seus próximos: “Agora é que ninguém os tira de lá!”. Alguns, no limiar do masoquismo, terão mesmo lamentado que o país tivesse tido essa inesperada bênção, por entenderem que esse choque financeiro contribuirá para a solidificação de um desequilíbrio político que detestam - e que acham tanto ou mais nefasto do que os males económicos do país. Muitas dessas pessoas, que estão a ler-me agora, assumam-no ou não, sabem que o que escrevo é pura verdade.

Não sou politólogo para conseguir explicar como chegámos aqui, a este entrincheiramento, que se tem vindo a agravar na última década, criando dois mundos antagónicos, alimentados por muita acidez, servidos por palavras ofensivas, pela perda de respeito pelos adversários, pelo enfraquecimento da moderação e do bom senso. 

Muito desse confronto já vinha de trás, quase desde o 25 de Abril. Mas data da última crise financeira o acantonamento que colocou aqueles que viram na “troika” uma oportunidade para queimar etapas, para um choque de reforma liberal, frente a quantos recusavam ver subvertida a ordem da sociedade em que se haviam habituado a viver. Perante a arrogância dos primeiros, muitas vezes insensível e cruel, foi-se enquistando, do outro lado do espetro, uma resistência desesperada que, no limite, conduziu a um entendimento à esquerda, que nada fazia prever como possível. A “geringonça” foi a expressão para-institucional dessa realidade, mas todos já percebemos que continua a haver mais vida à esquerda, para além dela.

O que talvez ninguém estivesse à espera é que, na outra margem política, o desvario viesse a tomar conta das hostes. Apoiado num tremendismo que raia a insanidade, campeia por aí um discurso de “finis patriae“, como se o país estivesse à beira da catástrofe. O alarmismo diário dos títulos da imprensa e da demagogia das televisões, somado ao azedume nas redes sociais, tudo isso gera um caldo de imaginária instabilidade e crise, que as sondagens, sempre ingratas, se encarregam de desmentir.

O atual pessimismo do campo conservador sobre o seu próprio futuro esquece, contudo, uma realidade que o passado nos ensinou: nunca devemos subestimar a capacidade da esquerda de dar tiros nos seus próprios pés. Um dia, mesmo sem saber como, a direita lá regressará ao poder. Aliás, chama-se a isso democracia, para os que não saibam.

13 comentários:

Anónimo disse...

A Direita anda de facto, num grande desnorte com a" narta" prometida para o burgo.

Mas também, a "corporação nacional" de ex-ministros e ex-autarcas deste país, donos das mais variadas associações de desenvolvimento espalhadas por este país fora, estão todos de boquinha aberta depois do tirocínio nos cargos governativos por onde passaram. Ó se estão. Eu conheço uns quantos, de faca afiada para o filet mignon que aí vem.

Anónimo disse...

Senhor embaixador, vamos então falar verdade! É uma realidade (que lamento) que o país está profundamente dividido e há um entrincheiramento mas, na minha humilde opinião, foi e é fomentada,primeiro pela geringonça e agora por esta espécie de geringonça. recordo-me que, por diversas vezes, aqui nesta magnífico espaço de partilha de ideias com respeito e elevação, se foram factualmente, constatando tiques de arrogância e autoritarismo, quer do senhor primeiro ministro, quer dos ministros, quer da esquerda apoiante. Nunca, desde o 25 de abril se viveram períodos tão tensos. A corrupção abunda e os que bradavam combate à corrupção, afinal nada fizeram, nunca se viveram tempos com tantas proibições...enfim, “sinais dos tempos”

Anónimo disse...

Não se esqueça que as negociações com a Troika foram feitas pelo PS, que necessitava com urgência de dinheiro para tirar Portugal da bancarrota onde o Governo Sócrates nos tinha colocado.
A Troika não caiu do céu nem foi uma imposição da direita. Foi um legado do desgoverno do PS.

Jaime Santos disse...

O problema da nossa Direita é que a própria arrogância do PàF e o desejo do ir além-da-troika fomentaram aquilo que não parecia possível, ou seja que o PCP apoiasse sem mácula um Governo do seu adversário natural, com um programa que normalmente rejeitariam (o PS não se tem afastado por um momento do 'consenso europeu').

Centeno e as suas 'contas certas' a seguir roubaram à Direita o seu programa, que se resumia a tal coisa.

A noção de que poderão estar muitos anos afastados do Poder fá-los andar de cabeça perdida e chega para explicar quer o surgimento do Chega, quer a tolerância com que este é visto pelos lados do PSD (já o CDS esbraceja, exangue).

Esta pressa é má conselheira, senhores, arrisca-se a custar-vos a alma (democrática, se a têm). O Governo do PS a seu tempo cairá de podre, como sempre acontece...

Aquilo de que precisam é de ser uma oposição eficaz com ideias na cabeça, que até agora têm faltado... Rio deve fazer o seu caminho, sem que o pressionem para ter resultados demasiado cedo...

Mas um programa em que se meça adequadamente o peso do Estado na Economia, a sua capacidade de regulação de sectores essenciais, nomeadamente a Banca, e uma estratégia de desenvolvimento que olhe à preservação do meio-ambiente (Ribeiro Telles é um homem de Direita, que diabo!), às assimetrias regionais e à integração das minorias (em vez da sua diabolização) não pode ser assim tão difícil de conceber...

A Direita têm algumas das melhores cabeças em diferentes sectores, Carlos Pimenta, Carlos Moedas, Jorge Moreira da Silva, Poiares Maduro, Lobo Xavier. Não estarão eles prontos a dar o seu contributo?

Anónimo disse...


Foi o meu caso: acho uma injustiça histórica tremenda este pote de dinheiro ter caído nas mãos deste PS que não merecia o poder; mas também acho que é uma tremenda infelicidade se perdermos esta oportunidade de desenvolvimento.
Olhe, vamos ter o que viermos a merecer. E a verdade é que até agora temos merecido pouco...

josé ricardo disse...

Parece que não lemos os mesmos jornais. Não vejo o Governo a ser traulitado pela imprensa. Pelo contrário, o Rui Rio é um político com uma extraordinária capacidade de originar inimigos figadais na imprensa, seja ela vocacionada para a esquerda, seja inclinada para a direita. Um pequeno exemplo: o caso do Chega e a suposta coligação com este partido. O que disse Rui Rio de tão grave? Referiu, simplesmente, que poderia equacionar uma hipótese de coligação se... se... se... Ora, que eu saiba, o António Costa, quando contratualizou a geringonça, não condicionou. E a coisa funcionou. Eu detestava ver o Chega numa qualquer coligação governativa ou mesmo de acordo parlamentar. Todavia, eu detestava tanto como outras pessoas detestaram ver o PS junto ao PCP e Bloco de Esquerda.
Sejamos justos: este é um Governo muito, muito fraco. Mas isso é uma estratégia. E a estratégia gira à volta da liderança de António Costa. O peso político do primeiro-ministro é inversamente proporcional ao apagamento político dos seus ministros. Fosse o líder da oposição o sebastiânico Passos Coelho (outra coisa extraordinária inventada pela nossa imprensa política) e o Costa estaria tramado.

Anónimo disse...

Textos como este do embaixador são pura provocação que fomentam o entrincheiramento!
João Vieira

Anónimo disse...

Toda a razão, "josé ricardo". Toda a razão.

Cícero Catilinária disse...

Eh, eh,eh....!
Tirando o comentário avisado do sr. Jaime Santos, o que é habitual, podemos resumir, em minha opinião e até ao comentário das 22:27, que o resto é conversa de PSD´s e CDS´s saudosistas e aziados.
E já agora, deixem-me referir duas frases que, de tão ridículas até dão vontade de rir:
- "O peso político do primeiro-ministro é inversamente proporcional ao apagamento político dos seus ministros." De facto! Basta comparar com o "brilhantismo" político e a obra dos ministros do governo PAF.

- "Fosse o líder da oposição o sebastiânico Passos Coelho (outra coisa extraordinária inventada pela nossa imprensa política) e o Costa estaria tramado."
Ora bem, se não o é foi porque não quis. Mas pela amostra de oposição que fez antes da sua saída do parlamento, estamos conversados.
Quanto ao sebastiânico, quando o PS deixar de ser governo, o que fatalmente terá de acontecer, tarde ou cedo, quem nessa altura for líder do PSD que se cuide, pois nessa altura Passos Coelho e a sua trupe aí estarão a assumir o poder dentro do partido. Vai uma apostinha?
Por último, mais uma vez caro Embaixador, um texto a pôr o dedo na ferida e a fazer "dores" a certa gente.
Bem haja!

Jaime Santos disse...

Eu pensava, João Vieira, que a Direita era mais adulta e que sabia acolher uma crítica bem feita, mesmo em jeito de provocação. Afinal, parece que não... Onde está o vosso sentido de humor?

Anónimo disse...

Mas o Sr. Embaixador fez humor? Parece que não. Aliás, depois de uma overdose de extrema-esquerda não me apetece rir...

Anónimo disse...

Jaime Santos: não tenho nenhum sentido de humor para a "superioridade arrogante da esquerda nem para paternalismos Desclassificadores tipo não é adulto.
João Vieira

Anónimo disse...

Nunca substimando o facto de que metade dos eleitores nem colabora com o sistema político, o que retira enormemente representatividade a quem governa. Nada que preocupe quem já usufrui do poder político.

A outra metade do eleitorado, a que expressa a sua opinão, metade dela vota especificamente contra o PS.
Que depois o PS e sua ex-oposição de esquerda (BE e PCP) se entendam para governar é jogo político, pós-eleitoral. Constitucionalmente legítima, mas de discutível representatividade em relação ao voto expresso. Algo não está correcto. Entretanto quem conseguir mobilizar uma boa parte daquela impassível metade do eleitorado....

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...