Ainda fui desse tempo. Quem visitasse Lisboa não passava sem uma ida ao aeroporto, nesses anos 50 (Nas outras capitais. era também assim: ouçam o “Dimanche à Orly”, de Bécaud). Para “ver os aviões”. O serviço na esplanada era caro mas, caramba!, valia a pena, e uma vez não são vezes!
Lisboa, para quem vinha em família, da província, incluia o flanar, a comprar novidades e a ver as montras, pelo Chiado e pela Baixa, andar nas escadas rolantes do Grandela, ver o preto à porta da Casa Africana, tomar café na Brasileira, na Suiça ou no Nicola. Olhar a “outra banda” do topo do Parque Eduardo VII, fazer o lento passeio de carro pela esquadria urbana em construção das Avenidas (então) Novas, ter o deslumbre noturno que era a Fonte Luminosa, tudo isso era parte do programa. Os adultos não passavam sem uma ida aos fados ou a uma sessão (havia duas, três ao domingo) de uma revista, seguida de jantar no Parque. Para os miúdos, como eu era, havia, claro!, a visita ao Jardim Zoológico com a moeda ao elefante, e pouco mais... No domingo, o “passeio dos tristes” também era obrigatório: ir a Cascais pela Linha, subir a Sintra e regressar pelas portas de Benfica ou pela “imensa” autoestrada, com paragem no miradouro do Viaduto Duarte Pacheco (a sério, era possível!) e na Torre de Monsanto. Com bom tempo, num cacilheiro, ia-se almoçar ao Ginjal. Às vezes, sempre num domingo e sempre às três da tarde (havia regras, nesse tempo, ora bem!), ia-se à “bola” de um dos grandes (em que o Belenenses então figurava). Ah! E com a chegada do Metro, já nos anos 60, outro atrativo se criou. E, claro, para quem viesse de comboio, o prateado “Foguete”, que ligava ao Porto, era o máximo! E, no fim, levava-se que contar, por uns tempos. Até à próxima.
Saudades? Uma ova! A Lisboa de hoje tem mil vezes mais graça, mais oferta, mais qualidade de vida. Se olharmos para trás, o tempo era como a fotografia: a preto e branco. Ora a vida é a cores!
(Em tempo: alguém me lembra, e bem!, que não referi a Feira Popular. É verdade, nunca me levaram lá! E, agora, é muito tarde: infelizmente, não tenho a quem me queixar...)
5 comentários:
Não me parece que fossem só os que visitavam Lisboa que executavam o "programa" descrito. Os lisboetas também faziam regularmente os mesmos percursos e lembro aliás, que a única vez que vi Salazar, num carro americano enorme, foi precisamente no tabuleiro da Duarte Pacheco, de regresso, ele é nós (filhos do meu pai) da volta dos tristes para ver o Yul b qualquer coisa (o barco que encalhou no Guincho e lá ficou imenso tempo). A volta dos tristes tinha, na minha versão familiar, a ida por Sintra e o regresso pelo Guincho. Da varanda do aeroporto estou a ver o meu pai e mãe a voltarem-se para trás e a dizer-nos adeus, embarcando para um Dakota ou outro parecido, antes do Caravelle que evidentemente fomos ver quando começou a aterrar em Lisboa. Lembro ainda os rebanhos de ovelhas no caminho para a tal varanda e o comentário, vezes sem conta repetido, do meu pai: e julgam que Lisboa é uma cidade evoluída... Com rebanhos no meio dela!
Estou completamente de acordo em que não há motivo para saudades.Hoje Lisboa, e Portugal em geral, é incomparavelmente mais "colorida". O estranho seria que o não fosse!
João Vieira
Caro Francisco,
Eu aprendi a ler no aeroporto e nas docas. Ainda me lembro da dificuldade que era soletrar " Scandinavian Airlines System" ou " Cristoforo Colombo", um belo navio que ia de Génova para a América Latina e que parava sempre em Lisboa.
Um abraço
JPGarcia
os anos 50 correspoderam aos anos de destruiçao da antiga cidade de Lisboa com tudo o que de bom e de mau isso trouxe.
a ligaçao Monsanto, vale de Alcantara, Campolide, Benfica podia ser hoje ou outra se não fossem as "imaginações" dos engenheiros da altura. Seguramente, e um pouco como é narrado no texto, o carro era visto como o futuro, e não havia muitos...
A destruição de uma Lisboa mais, diriamos hoje, verde, rustica ( e por vezes muito pobre) deu lugar à Lisboa das massas e do pos guerra.
A modernizaçoa de lisboa dessa epoca tb se fez destruindo partes de bairros pobres e de contestaçao como eram mouraria ( a parte do martim moniz, destruida para fazer a ligaçao ao aeroporto) e Alcântara (ligaçao à ponte).
Duarte Pacheco e outros modernistas da época queriam destruir toda a baixa não pombalina (Alfama Mouraria etc), eram loucos absolutos... Um pais de cromos
A Volta dos Tristes: só ao fim da noite quando já estava "alegre" para de janela aberta poder perder os "vapors" antes de chegar a casa, depois de uma boa noitada e por isso vi algumas vezes o começo do dia no Guincho. Que anos 60 aqueles foram.
É tão interessante as referências que cada um tem sobre factos tão simples como a volta dos tristes ou o aeroporto.
O navio encalhado na Boca do Inferno era o Hildebrand, aconteceu em 1957.
A entrada na esplanada do aeroporto era paga, depois descontava-se o valor na despesa de consumo caso houvesse. Ao lado havia uma zona gratuita mas sem cadeiras, onde se deslocavam
a maioria dos familiares de pessoas que chegavam ou partiam.
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