sexta-feira, novembro 17, 2017

Iskra


Mao Tse-Tung falava na “faúlha que incendeia a pradaria”, para significar os factos que desencadeiam as revoluções. Lenin, ao tempo da agitação contra o csar, chamava ao seu jornal “Iskra”, que significa isso mesmo: faúlha.

Isto vem à colação por um episódio que tem precisamente uma semana. Era madrugada, de sexta-feira para sábado, e no visualizar descuidado do Facebook, surgiu a fotografia de um jantar que, horas antes, tinha tido lugar no Panteão, no encerramento do Web Summit. 

A imagem até era bonita, mas, em mim, criou uma estranheza que expressei nas redes sociais: “Ajudem-me: acham mesmo normal que o jantar final do Web Summit seja entre os túmulos do Panteão Nacional?”. Porque a prudência aconselha a não ser definitivo e a relativizar os juízos, ensaiei outra questão: “Seremos nós quem não está a ver bem as coisas?” Estava a ser completamente sincero e disposto a ser convencido, não fosse dar-se o caso de ser eu quem estivesse a ser exagerado no escrúpulo. E fui dormir.

No dia seguinte, sábado, tinha esquecido o tema. Li calmamente os jornais do dia, os quais, claro, nada traziam sobre o assunto. E almoçava, descansado, num restaurante, quando olhei distraidamente o iPhone. E, qual incendiário a abrir a CMTV, dei conta de que “a faúlha que incendeia a pradaria” tinha feito o seu caminho. Os “retweets” era aos montões, as “partilhas” no Facebook eram às centenas. O assunto estava em todas as manchetes do “on line”. Das rádios, chegavam-me telefonemas para entrevistas, de televisões, convites para debates sobre o tema.

Nada disto teria a menor importância, não fora o caso de se dizer, um pouco por todo o lado, que havia sido o meu “tweet” a incendiar a “pradaria” noticiosa. De um momento para o outro, aquilo que considerara, desde o primeiro instante, como um “fait-divers” de parca relevância, havia-se magnificado num escândalo nacional: o governo reagiu, irado consigo mesmo (e comigo, imagino!), o presidente cuidou em opinar sobre o tema entre dois afetos e a oposição, que pelo seu passado na matéria deveria ter tido a decência de estar calada, saiu a terreiro em patético tom de ultraje. O batalhão dos opinadores opinou sem cessar, os “populares”, à volta de Santa Engrácia, disseram o que lhes veio à cabeça e, claro, os humoristas especularam sobre se tinha havido “wifi” na cena (e se “deadline” era a “password”). E até o pobre-rico irlandês organizador da cimeira, habituado a beber umas Guiness ou um Jameson entre tumbas dos seus cemitérios-jardim, se sentiu obrigado a nos pedir desculpa pela ousadia de ter organizado o repasto entre as presumíveis nobres ossadas.

Prova-se que basta uma faúlha para pôr este país a arder. Às vezes é uma tragédia, outras vezes é apenas uma triste comédia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ja que esta numa veia de saudosimo

Depois de ler umas coisas sobre Aginter Press, fiquei a pensar nestas extremas direitas que por ai anda na europa, cheias de vida, por causa das novas Aginter Presses e das suas fagulhas.

Os espiritos andam exaltados, as acções descansadas...

cmpts

Anónimo disse...

Comme quoi o sósia de Frédéric Catanese começa inspirado o seu périplo virtual.

A Europa de que eles gostam

Ora aqui está um conselho do patusco do Musk que, se bem os conheço, vai encontrar apoio nuns maluquinhos raivosos que também temos por cá. ...