sexta-feira, novembro 10, 2017

Diplomacia e política


Aquando do recente falecimento do embaixador João Hall Themido, alguém se interrogava como fora possível ele ser o representante diplomático português em Washington, entre 1971 e 1981, com a Revolução de permeio - sucessivamente representando a ditadura, o pós-25 de abril e a democracia, com primeiros-ministros tão contrastantes como Marcelo Caetano ou Vasco Gonçalves. Percebo a perplexidade, mas ela não tem razão de ser.

Historicamente, a representação de um Estado perante outro começou por ser assegurada por delegados pessoais dos soberanos junto dos seus homólogos. Com o decurso do tempo, todos os países foram criando um corpo profissional de especialistas para acompanhar funcionalmente as suas relações externas – a chamada carreira diplomática. Nos dias de hoje, entre nós, o acesso a esta carreira passa pelo mais exigente concurso em toda a nossa Administração Pública.

Isso não impede alguns países de continuarem a utilizar para tal como figuras oriundas de fora desse corpo profissional – os “embaixadores políticos”. Isso acontece, mais vulgarmente, no caso de ditaduras e de regimes autoritários ou presidencialistas.

Entre nós, o Estado Novo começou por ter apenas “embaixadores políticos”, tal como já acontecera com a I República e o regime monárquico, mas, atendendo ao aumento das missões diplomáticas, foi aderindo à prática de nomear para a chefia de algumas dessas missões funcionários da carreira diplomática, que entretanto se foi estruturando. A ela pertencia Hall Themido.

Mário Soares confessava ter chegado ao palácio das Necessidades, após o 25 de abril, com fortes interrogações sobre a carreira diplomática que, antes da Revolução, tinha defendido externamente as políticas do regime derrubado, nomeadamente a política colonial. Mas rapidamente se terá apercebido de que, com muito escassas exceções, o corpo de funcionários que o MNE punha à disposição do novo regime era constituído por dedicados servidores públicos, com grande sentido patriótico e lealdade funcional ao Estado. 

A democracia e a estabilidade da sua representação externa muito ganharam com a continuidade que Soares então preconizou e veio a prevalecer. Isso não impediu que, em ciclos políticos diferentes, o novo regime não tenha sido tentado a nomear quase uma trintena de “embaixadores políticos”. Desde 2011, não há nenhum chefe de missão exterior à carreira diplomática portuguesa, mas sinto que a tentação poderá não ter desaparecido por completo nas nossas hostes político-partidárias, da esquerda à direita. Espero que a maturidade da democracia portuguesa seja suficiente para, no futuro, ser capaz de resistir às tentações e que o chefe do Estado disso seja um guardião atento.

5 comentários:

Anónimo disse...

Pelo menos uma coisa é certa, sob os governos socialistas o PSD tem continuado a ser favorecido nas Necessidades.

APS disse...

Para ser mais exacto, seria melhor dizer: o Centrão camaleónico.
(Embora estas rémoras anónimas, neste caso a das 7h16, me provoquem alguma repugnância ética.)

Anónimo disse...


A história da diplomacia portuguesa é longa tal como a de outros Estados soberanos.

O primeiro decreto a instituir a Carreira Diplomática data de 1836 com as medidas necessárias para que os candidatos à carreira tivessem de proceder ao concurso, como ainda hoje.

Foi em 1815 que pelo Tratado de Viena, os Estados nele participantes acordaram nos caracteres dos diversos agentes diplomáticos a serem enviados recíprocamente. Até aí cada Estado enviava os seus agentes conforme desejava.
Depois de 1640 as missões diplomáticas na Europa passaram a ter a característica de residência e já não de missão temporária, mas de uma forma muito lenta e até pontual.

Quase todas as missões diplomáticas portuguesas no estrangeiro até aos anos 50 do século passado, tinham como chefe um Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário e eram Legações em vez de Embaixadas. Apenas as nossas representações em Espanha, Vaticano, Brasil[depois de 1910] e Reino Unido eram Embaixadas.
A função de Agente Diplomático até há pouco tempo era exercida por agentes que tivessem condições específicas como falarem algumas línguas e os meios necessários para se manterem nos postos, financeiramente, porque em algumas circunstâncias o Estado português não tinha facilidade de lhes pagar no esstrangeiro. No príncipio deste regime actual isso aconteceu em alguns casos.
É assim que podemos observar que grande parte dos agentes diplomáticos, antes dos anos 60 do século passado provêm das classes altas do país.

É só depois de 1975 que se democratiza a Carreira pelas facilidades de se viajar, pelo melhor conhecimento das línguas e também pelo enorme aumento de novas missões diplomáticas portuguesas no mundo.

Há mais, mas este meu comentário já vai longo no qual apenas indic aso balizas temporais mais importantes

Anónimo disse...

A partidarite neste blog....
Desculpem-me por ser não-politisado e por isso às vezes não os compreender.

Anónimo disse...

A carreira diplomática tem a tradição de grande qualidade e de independência como, aliás, deveria ser em toda a função pública. As circunstâncias, isto é, a partidarite aguda de que fala acertadamente (a meu ver, claro) o anónimo das 13,53 transformou as nomeações governamentais (como as recentes na protecção civil) em atos de "mercearia política", como se diz. Pelo andar da carruagem e pelos temores que o embaixador manifesta, não tardará que a "carreira" seja assaltada tanto mais que hoje, com as comunicações instantâneas, a importância de um embaixador está seriamente diminuída.
João Vieira

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