quarta-feira, março 20, 2019

O que é que correu mal?


Pode ler aqui o artigo, sob o título em epígrafe, que publico na edição de hoje do “Jornal de Notícias”

terça-feira, março 19, 2019

Piauí


Já por aqui falei, por mais de uma vez, da Piauí, uma excelente revista brasileira, que sempre tive dificuldade de encontrar em Portugal. Há semanas, referi isto a uma pessoa ligada à revista, numa conversa casual em Lisboa.

Como se diz por cá, “meu dito, meu feito”. Já me estou a deliciar com os três últimos números da Piauí e, de futuro, não mais a vou perder de vista.

segunda-feira, março 18, 2019

Concorrência


Chama-se Lagoa Dourada. É uma localidade brasileira, em Minas Gerais, situada a umas dezenas de quilómetros de Tiradentes, na estrada que vem de Belo Horizonte. É a “capital do rocambole”, uma torta enrolada sobre si mesma, com diversos recheios, em especial doces. 

Das várias vezes que por lá passei, fui admirando as lojas que se sucedem pela rua que atravessa a cidade, todas com nomes diferentes, cada uma concorrendo com a outra: o Legítimo Rocambole, o Famoso Rocambole, o Rei do Rocambole, Rocambole & Cia, etc. São quase uma dezena, pelas minhas contas. Sempre achei bizarra aquela concentração.

Um dia, ao tempo em que vivia no Brasil, comentei com alguém aquele “fenómeno” comercial. Essa pessoa não ficou nada impressionada e retorquiu-me: “Você esqueceu a Mealhada?” É verdade. Tinha-me esquecido.

Lembrei-me disto no sábado, quando por lá passei. De facto, a diversidade de oferta comercial é, por ali, bem superior à da Lagoa Dourada: Meta dos Leitões, Pedro dos Leitões, Rei dos Leitões, Floresta dos Leitões, Picnic dos Leitões, etc.

As águas do Quanza


Não me agradou nada ser acordado pela campainha estridente, bem cedo, naquele sábado de manhã. Vivia num dos pequenos apartamentos “de função”, no edifício da embaixada portuguesa em Luanda, onde estava colocado como diplomata, nesse início dos anos 80 do século passado.

Estremunhado com a chamada do porteiro, fui confrontado com a emergência que justificava aquele alarido: a mulher de um alto dignitário do regime angolano necessitava de um visto de entrada em Portugal, no seu passaporte diplomático, para poder embarcar para Lisboa, horas mais tarde. Era, de facto, a mim que competia executar essa tarefa, pelo que, em roupão, avancei para o meu gabinete, no andar imediatamente inferior, para emitir a autorização de entrada, solicitada na nota do Ministério das Relações Exteriores local.

O ato não seria mais do que uma rotina não fosse dar-se o caso do marido da senhora, precisamente na véspera, ter feito um discurso público, com forte eco na Televisão Popular de Angola, onde, por entre acusações várias ao governo português de então, se recomendava vivamente aos cidadãos angolanos que evitassem visitar Portugal nas suas férias, dando mesmo expressamente o nome do Brasil como um “país amigo” que deviam ter como alternativa. Eram assim os tempos de então.

Não sei se a minha irritação com o facto de ter sido acordado cedo me terá impedido de esboçar um sorriso interior com o caricato da contradição que tudo aquilo representava. Imagino que a minha idade de então me não tivesse conferido ainda a sabedoria para poder usufruir, em pleno, aquela ironia. Há juízos que só o tempo amadurece. E quando, há quatro ou cinco anos, me cruzei, na livraria do Apolo 70, em Lisboa, com aquela figura política angolana, confesso que não me senti minimamente tentado a relembrar-lhe o episódio.

Embora muita água tivesse corrido entretanto sob as pontes do Quanza, as relações entre Lisboa e Luanda andavam ainda tremidas, naquele ciclo de incidentes que, em Luanda, alimenta alguma lusofobia recorrente e que, por cá, enquistou numa espécie de superioridade neocolonial, assumida por algumas vestais com lugar cativo na comunicação social. Mas que fique claro: nós, deste lado, não estamos isentos de culpas no processo de tensão que se estabeleceu ao longo de todas estas décadas entre Angola e Portugal.

Lembrei-me disso e de muito mais quando, há dias, assisti à serena entrevista do atual presidente angolano à nossa televisão pública. Dei comigo a pensar naquele meu tempo de Luanda, em outros anos que lhe sucederam e no facto de João Lourenço ser tributário das lições que deles também terá retirado. Pergunto-me, aliás, se cada tempo não tem o seu tempo e se não devemos ter a humildade de pensar que, afinal, para chegar até hoje, foi necessário passar por todas aquelas traumáticas etapas do passado. É à luz desta mesma experiência que, com um voto de confiança e esperança no futuro, devemos ter o realismo de perceber que desse mesmo futuro será sempre a liberdade com que, queiramos ou não, acabará por nos surpreender.

(Artigo publicado no semanário "Jornal Económico", em 15 de março de 2019)

domingo, março 17, 2019

Fouquet’s


O Fouquet’s, o conhecido restaurante nos Campos Elísios, em Paris, foi, há horas, pilhado e incendiado pelos “coletes amarelos”. No comments...

O Fouquet’s, onde se come apenas “assim-assim”, para o preço que cobra, é uma “montra” de luxo para uma certa sociedade parisiense, que faz questão de por aí ”refeiçoar”, seja sob o sol da esplanada, seja na zona envidraçada em dias menos cálidos, ou ainda no seu luxuoso e confortável interior. (Por uma razão para mim sempre misteriosa, os franceses pronunciam “fuquétes” e não “fuquê”, mas eles é que sabem, porque deles é a língua).

Para a pequena história política francesa ficou famosa a ceia oferecida a Nicolas Sarkozy no Fouquet’s, em 2007, na noite da sua eleição como presidente, paga por alguns amigos da alta finança. Desde esse dia, e a começar por essa razão, Sarkozy nunca mais se livrou da imagem de ser o presidente ”dos ricos”. Quando, dois anos depois, fui viver para Paris, a associação do restaurante ao presidente surgia regularmente na imprensa. Até hoje (vão ao Google e verifiquem). 

Em 2012, cinco anos passados sobre a data da sua posse, Sarkozy foi de novo a votos, mas os franceses recusaram a sua reeleição e escolheram François Hollande.

Nesse dia, tive uma ideia. Enquanto os apoiantes de Hollande comemoravam, na Bastilha, a eleição de um novo presidente socialista (numa tentativa de “remake” da célebre manifestação de 1981, na chegada de François Mitterrand ao Eliseu), decidi desafiar um grupo de amigos para irmos jantar ao Fouquet’s. Era um grupo politicamente heterogéneo, no qual havia gente satisfeita com a vitória de Hollande e alguma outra algo triste com a derrota de Sarkozy. 

Era um jantar pretendidamente irónico. A curiosidade foi ver, em certas mesas, damas e cavalheiros claramente sarkozistas, que ali tinham reservado mesa com vista a comemorar simbolicamente uma reeleição que não viria a acontecer, de cara muito fechada e já a fazer as contas à vida (e a pensar na vida futura das suas contas bancárias, sob a ameaça dos impostos sobre as fortunas anunciados por Hollande). 

Nós, no nosso grupo, divertimo-nos bastante, devo confessar, em especial até à chegada da conta, que, como se presumia, não foi “leve”. Mas, como se costuma dizer, uma noite não são noites...

“Casas do Bragal”


Sem GPS torna-se um pouco difícil encontrar estas “Casas”, um improvável restaurante perdido no meio de um bairro residencial nos arredores de Coimbra. É uma moradia como muitas outras mas, lá chegados, sentimo-nos verdadeiramente em casa, porque estamos, de facto, numa residência de família. A sala, com muito bom gosto, começa por uma zona de sofás, com livros a toda a volta, indiciando que estamos em terrenos de gente com óbvia dimensão cultural. É separada por um murete da zona de refeições, que são da responsabilidade de Manuela Cerca, uma antiga jornalista, que discretamente nos apoia lá de dentro, da cozinha que dirige. Somos recebidos por Eugénio Martins, uma figura com um singular percurso intelectual, também autor das pinturas que enchem as paredes. É ele que tudo nos vai aconselhar, das bebidas aos pratos. Estes variam muito ao longo da semana, tornando a refeição sempre num “happening”, que acaba numa imperdível mesa de doces. Experimentem e verão que não se arrependem! Eu regresso lá sempre com gosto, como ainda ontem fiz.

sexta-feira, março 15, 2019

Pormenor


É um dos mais reputados fotojornalistas portugueses. Foi ele quem, há dias, me contou este episódio, passado há já algum tempo. Tinha ido, com um amigo, a esse famoso “concílio” da edição que é a Feira do Livro de Frankfurt. Passeava-se entre aquelas magníficas alas de editoras, quando se deparou com um cartaz com a imagem, de corpo inteiro, de um importante escritor português, desaparecido há bastante tempo. O espaço em que a fotografia surgia era da editora alemã que publicava o escritor. O mais curioso é que fora ele quem fizera aquele “boneco”, como se diz na gíria da profissão, utilizado na promoção da edição portuguesa de um dos livros. A surpresa do reencontro com a imagem não ia ficar por aí. Olhando a fotografia com olhos de ver, com a dimensão com que a imagem era ali apresentada, um pormenor, que até então nunca observara, tornava-se, pela primeira vez, muito evidente: o escritor tinha a braguilha aberta!

... à tarde


De manhã...


As águas do Quanza


Na edição de hoje do “Jornal Económico” pode ler o meu artigo, com o título em epígrafe. Aqui.

quinta-feira, março 14, 2019

Brexit


Pode dizer-se que o Brexit é um filho da “mãe de todas as democracias” que é a Inglaterra.

Outro 25 de abril?


Há dias, sentado no palco de um auditório da Gulbenkian, ao lado de três companheiros de um painel organizado pela Associação 25 de Abril, dedicado ao papel que a Revolução teve na identidade do país, olhei para a assistência. A média etária devia rondar os 65 anos, ainda que ajudada por um punhado de jovens arrebanhados por um professor, que, a meio da sessão, zarparam em bando.

Estávamos ali a falar uns para os outros, todos antecipadamente convertidos à importância de se comemorarem, daqui a dias, os 45 anos que passaram sobre a data. Nenhum dos presentes, por um segundo, tinha a menor dúvida sobre a relevância que o 25 de abril teve na História do país e o interesse em não deixar de se referir isso. (No meu caso, sublinhei uma evidência: o impacto brutal que a Revolução provocou na reconfiguração do nossa política externa). Uma questão, no momento, me surgiu: haverá algo mais que se possa fazer, com eficácia, para a fixação do significado da data no imaginário coletivo? Não tenho uma resposta, confesso.

Todos os anos (apetecia-me acrescentar, pela primavera, como escreveu Sttau Monteiro), os militares de abril e alguns companheiros políticos de percurso saem à Avenida da Liberdade que lhes devemos para assinalar a efeméride. Um certo partido traz para o cortejo todos os seus heterónimos, incluindo sindicais, cada um com uma faixa própria, talvez para parecerem muitos. Outros, alguns muito propensos a dar voz a coloridas minorias e a outras causas, fazem daquela arruada um momento coreográfico de mobilização voluntarista. Para sermos rigorosos, está por ali espelhada toda a mobilização que parece ser possível, com algum significado, em torno da data. 

Um pouco mais acima, na casa da democracia, o espetáculo costuma ser algo penoso, com mais ou menos cravos nos peitos. Quase sem exceção (no ano passado tivemos essa exceção, na voz de uma jovem social-democrata), o que por ali se vocaliza, tendo o 25 de abril como pretexto, é apenas o conflito que a conjuntura do momento motiva. Às vezes, o chefe do Estado de turno aproveita para passar uns recados televisionados, que alimentam por horas os exegetas do comentário, mas que têm uma validade inferior aos iogurtes.

Vale a pena comemorar aquela data? Uma pessoa da assistência que estava na Gulbenkian foi otimista e lembrou que, com alguma frequência, se ouve a alguém que está descontente ou indignado como o estado das coisas: “o que nós precisávamos era de outro 25 de abril!” Haverá maior elogio à efeméride?

(Artigo publicado no dia 13 de março de 2018 no “Jornal de Notícias”)

quarta-feira, março 13, 2019

Coincidências


Passei por lá ontem. Chama-se O Consulado e vende panquecas. O espaço está muito diferente, naquela esquina da rua de Cedofeita com a rua dos Bragas. Até há não muito tempo, ficava ali o Café Latino.

Em 1968, eu vivia a dois passos, na rua da Torrinha, num lar universitário. O meu café habitual era o Bissau, muito frequentado por gente da faculdade de Engenharia, ali perto. Um dia, vi surgir o Latino. E, claro, a curiosidade levou-me a visitá-lo logo na data da inauguração. Para tentar fidelizar, recordo com que o Latino oferecia, nesse seu primeiro dia, um brandy, a acompanhar o café. Ao contrário do Bissau, tinha amplas janelas e era bem mais moderno. Mas não me recordo de ter ficado cliente, nesse ano em que me mudei para Lisboa.

Passou muito tempo. Numa tarde, numa deslocação ao Porto, passeava em Cedofeita, notei que o Bissau já tinha desaparecido e apeteceu-me entrar no Latino. Estava muito pouca gente. Sentei-me, pedi um café e o empregado disse: “Quer beber uma aguardente? Hoje é por conta da casa”. Ele explicou: “Comemoramos 40 anos de abertura deste café”. Não era possível! A pessoa que ia comigo estava siderada com a coincidência que eu lhe contava.

Eu estava feliz, confesso. Não bebi a aguardente, com toda a certeza, mas estou seguro de que os convenci - ao empregado e ao patrão, que veio ter connosco à mesa - do facto de que tinha estado ali, precisamente, no dia da inauguração do café, 40 anos antes. 

Creio que nunca mais lá voltei. Nos últimos anos, ao passar na rua, notava-se que os melhores anos do Café Latino estavam já bem longe. Agora é O Consulado. A vender panquecas. É a vida!


Outro 25 de abril?


Pode ler aqui o texto do artigo que, sob o título em epígrafe, publico hoje no “Jornal de Notícias “.

terça-feira, março 12, 2019

Nortadas



“São do norte, não são?” Estranhámos a pergunta da empregada da loja, no Porto, hoje à tarde. Confirmámos que sim. “Pela pronúncia, não parece serem” (era óbvio que ela estava desatenta à nossa habitual troca dos “v” pelos “b” e à abertura exagerada de algumas vogais, que continuamos a fazer, apesar de vivermos em Lisboa há mais de meio século), “mas, ao falarem comigo como estão a falar, percebi logo que tinham de ser cá de cima. Os lá de baixo, em especial os de Lisboa, não falam assim connosco, são muito mais fechados”. 

Estranho. Nunca tinha refletido nisto. Será verdade? Confesso que nunca tinha pensado que os lisboetas (ou a gente que não é do Norte, em geral) fossem mais “fechados” do que o “pessoal” do Norte. Ando distraído?

segunda-feira, março 11, 2019

Regresso aos clássicos


A fotografia é do Antunes, no Bonjardim, ao almoço de hoje. 

Um clássico do Porto, como o são, em registo diferente, o Líder, nas Antas, a Nanda, na rua da Alegria, a Cozinha do Manel, no Heroísmo, a (renovada) Adega de São Nicolau, na Ribeira, o Rápido, em São Bento ou o Aleixo, em Campanhã. E muitos mais! 

Grande Porto!

domingo, março 10, 2019

Desconectados


Foi ontem. O almoço era de “cerimónia”? Nem por isso. O traje, no convite, dizia “smart casual”, o que, em linguagem de protocolo, significa, para os homens, levar um blazer sem gravata. Porque era numa casa de campo, os castanhos/verdes dominavam (tenho uma tese, não confirmada, que, se fosse em ambiente de cidade, os azuis/cinzentos dominariam). Sorte das senhoras, cujo leque de opções é sempre imenso. Era, assim, um ambiente “solto”.

À ida para a mesa, um dos convidados, figura bem conhecida da política doméstica, sugeriu: “E se deixássemos os telemóveis na sala de entrada?”. Conhecendo-lhe o hábito de andar sempre de telemóvel na mão, como os adolescentes sem imaginação, fiquei surpreendido. Mas logo agarrei a sugestão. Boa ideia! Assim fiz também, ecoando bem alto a ideia. Outros fizeram o mesmo. Vi que nem todos o seguiram, mas que a sugestão os terá levado a optar pelo “silêncio” técnico.

Não que, a mim, me ocorresse a ideia de vir a atender uma chamada durante o almoço, muito menos de tentar contactar com alguém. Mas, quem sabe, numa pausa, “entre la poire et le fromage”, podia dar-me para olhar as mensagens, ou mostrar uma fotografia, ou ter a tentação de dar a conhecer, ao parceiro do lado, um extrato de um filme no YouTube, “com pilhas de graça”. Desta forma, porém, ficava “blindado” face a qualquer tentação.

(Foi na Áustria, nas reuniões que os países NATO dentro da OSCE faziam numa determinada embaixada, que vi pela primeira vez essa determinação de não levar telemóveis para a sala de reuniões, nesse caso por razões de segurança da confidencialidade das conversas. Depois, vi a prática estender-se: vários governos, por esse mundo fora, obrigam os seus ministros a deixar os aparelhos nuns cacifos, à entrada dos conselhos de ministros. Creio que, por cá, a regra “não pegou”. E, muito menos, nas ocasiões sociais.)

Com essa determinação radical de não poder ter o telemóvel “à mão de semear”, nenhum de nós correu, durante aquele almoço, o risco de assumir esse ato de rasca educação que é usar um telemóvel à mesa de uma refeição, de se fingir atrapalhado por uma inopinada chamada (“desculpem, esqueci-me de desligar isto!”) ou, discretamente, sobre o guardanapo no colo, tentar perceber como vai o resultado de um jogo. Ninguém ousou essa baixeza social.

Sentámo-nos para almoçar às duas da tarde. Saímos da mesa já passava bastante das quatro. A conversa correu fluída, com histórias deliciosas, com análises interessantes (aprendi imenso, sobre vários temas), num ambiente são e descontraído. Sem grande cerimónias, sem telemóveis, sem campaínhas, sem alertas. Afinal, ainda há um mundo civilizado, por detrás do mundo vulgar. É, é essa a palavra.

sábado, março 09, 2019

Tentações


Foi há muitos, bastantes anos. O ambiente era fantástico. Uma noite, num belíssimo bar de hotel tropical, à beira-mar, bastantes figuras femininas disponíveis, em quantidade e qualidade, com aquela cultura comportamental de relativa impunidade que algumas reuniões internacionais, em especial se realizadas "a Sul", tendem a proporcionar, em especial a partir do momento em que álcool flui e aflui.

Notei que a pessoa que chefiava a nossa delegação, uma figura pública relativamente conhecida, começava a assumir uma atitude demasiado "solta". Muito em especial, preocupavam-me os olhares distantes que sobre ela já convergiam, embora distraidamente atentos, de alguns dos nossos compatriotas presentes. Longe de mim ser puritano, mas desagradam-me escândalos com impactos de Estado. Como diplomata, quando em funções, sempre achei ter o dever de os prevenir.

A certo passo, pressenti que as coisas se podiam precipitar. O nosso homem, porque era de um homem que se tratava, encaminhava-se lentamente, com uma companhia que, durante a última hora, se estava a tornar insistente a seu lado, para zonas mais recatadas da varanda, num caminho que facilmente podia conduzir aos quartos. Ia num estado de pouco controlada euforia, que já não passava despercebida a muitos dos circunstantes, nomeadamente da nossa delegação, em risota e a comentarem entre si. Dei uma palavra de aviso ao respectivo chefe de gabinete, mas encontrei-o sem vontade de atrapalhar os eventuais planos lúdicos do chefe.

Propositadamente, decidi passar por perto do animado chefe da delegação e da sua companhia. Não havia uma grande confiança entre nós, mas o facto de eu ser "dos Estrangeiros" conferia-me como que uma leve autoridade cosmopolita, de alguma habituação às andanças diplomáticas, que ele manifestamente não tinha. 

Talvez por isso, e ao ver-me fitá-lo, deitou-me, à passagem, com um leve sorriso: "Há algum problema?". Subentendia-se bem o que pretendia significar... Devo ter feito um carão fechado, quando lhe respondi, seco: "Há dois: a Sida e o "Expresso" de sábado. Mas o senhor é que sabe!". E voltei costas.

Senti que tinha ficado inseguro, e seguramente furioso, inquieto talvez mais com o segundo problema do que com o primeiro. A "Gente" do ‘“Expresso” era então uma secção onde se podiam comprar grandes chatices e que havia já feito obituários políticos sumários. Regressei ao bar. Apareceu por lá, só, minutos depois. Não me falou. Já com ar deliberadamente sério, juntou-se a outros membros da nossa delegação e, volvido pouco tempo, deu as boas noites e subiu para o quarto. Julgo que sozinho, até porque a anterior companhia regressou ao "mercado" da noite.

No dia seguinte, no avião de regresso, evitou-me. Já desapareceu da nossa cena. Mas, por anos, nos restaurantes lisboetas, ignorava-me olimpicamente.

Já um dia contei esta história. Hoje, ao adquirir o “Expresso”, lembrei-me dela.

Botão errado

Foi ontem à tarde, na Fundação José Saramago. A homenagem ao Nuno Júdice era no 4° andar. Distraidamente, carreguei no botão do 3° andar. Ia...