quinta-feira, março 14, 2019

Outro 25 de abril?


Há dias, sentado no palco de um auditório da Gulbenkian, ao lado de três companheiros de um painel organizado pela Associação 25 de Abril, dedicado ao papel que a Revolução teve na identidade do país, olhei para a assistência. A média etária devia rondar os 65 anos, ainda que ajudada por um punhado de jovens arrebanhados por um professor, que, a meio da sessão, zarparam em bando.

Estávamos ali a falar uns para os outros, todos antecipadamente convertidos à importância de se comemorarem, daqui a dias, os 45 anos que passaram sobre a data. Nenhum dos presentes, por um segundo, tinha a menor dúvida sobre a relevância que o 25 de abril teve na História do país e o interesse em não deixar de se referir isso. (No meu caso, sublinhei uma evidência: o impacto brutal que a Revolução provocou na reconfiguração do nossa política externa). Uma questão, no momento, me surgiu: haverá algo mais que se possa fazer, com eficácia, para a fixação do significado da data no imaginário coletivo? Não tenho uma resposta, confesso.

Todos os anos (apetecia-me acrescentar, pela primavera, como escreveu Sttau Monteiro), os militares de abril e alguns companheiros políticos de percurso saem à Avenida da Liberdade que lhes devemos para assinalar a efeméride. Um certo partido traz para o cortejo todos os seus heterónimos, incluindo sindicais, cada um com uma faixa própria, talvez para parecerem muitos. Outros, alguns muito propensos a dar voz a coloridas minorias e a outras causas, fazem daquela arruada um momento coreográfico de mobilização voluntarista. Para sermos rigorosos, está por ali espelhada toda a mobilização que parece ser possível, com algum significado, em torno da data. 

Um pouco mais acima, na casa da democracia, o espetáculo costuma ser algo penoso, com mais ou menos cravos nos peitos. Quase sem exceção (no ano passado tivemos essa exceção, na voz de uma jovem social-democrata), o que por ali se vocaliza, tendo o 25 de abril como pretexto, é apenas o conflito que a conjuntura do momento motiva. Às vezes, o chefe do Estado de turno aproveita para passar uns recados televisionados, que alimentam por horas os exegetas do comentário, mas que têm uma validade inferior aos iogurtes.

Vale a pena comemorar aquela data? Uma pessoa da assistência que estava na Gulbenkian foi otimista e lembrou que, com alguma frequência, se ouve a alguém que está descontente ou indignado como o estado das coisas: “o que nós precisávamos era de outro 25 de abril!” Haverá maior elogio à efeméride?

(Artigo publicado no dia 13 de março de 2018 no “Jornal de Notícias”)

1 comentário:

Anónimo disse...

A média da idade da plateia mostra bem o interesse que tem comemorar feitos passados. Lembra a conversa de reformados "no meu tempo...." para a qual é difícil encontrar ouvintes interessados. Como diria o outro, a melhor comemoração é olhar para o futuro e ver o que se pode fazer.
João Vieira

Agostinho Jardim Gonçalves

Recordo-o muitas vezes a sorrir. Conheci-o no final dos anos 80, quando era a alma da Oikos, a organização não-governamental que tinha uma e...