Era 1975, foi há precisamente 40 anos. Aproximavam-se as eleições para a Assembleia Constituinte, no dia 25 de abril. O país estava ao rubro. Um mês antes tinha sido o "11 de março", as nacionalizações, um crescendo de tensão que iria transformar o verão seguinte em meses de inusitada conflitualidade política. Os partidos, em especial à esquerda, eram então imensos, nasciam como cogumelos, as paredes estavam pintadas ou pejadas de cartazes com os símbolos e as frases de apelo e luta.
Numa "saltada" de Lisboa a Vila Real, aproveitei para ir às Pedras Salgadas. Por lá moravam, numa mesma casa, quatro tias, irmãs da minha avó, duas solteiras e duas viúvas, que ainda hoje fazem parte da minha mais saudosa memória afetiva. Ir ver "as tias" não era uma obrigação, era um imenso gosto conversar e tomar o inevitável chá com aquelas bondosas e incomparáveis senhoras que, à época, tinham entrado quase todas na casa dos 80 anos.
A política nunca fora tema de conversa naquele ambiente mas, mais por curiosidade do que por outra coisa, não deixei de lhes perguntar se já tinham decidido em que partido ou partidos tencionavam votar, nas eleições que estavam à porta, de que tanto se falava. A televisão era a sua companhia habitual e, não sendo embora pessoas muito ilustradas, eram pessoas atentas à realidade e com um grau de educação que lhes facilitava o acompanhamento da situação. A Revolução não era, com certeza, algo que as sossegasse, tanto mais que, na nossa família, o 25 de abril trouxera algumas consequências pessoais menos fáceis de gerir e, em certos casos, suscitara temores que eu me divertia sempre em amenizar.
Com exceção de uma delas, apenas ligeiramente mais nova, regressada poucos anos antes do Porto, onde vivera bastante tempo, e que talvez votasse no PS, eu estava em absoluto convicto que o CDS ou o então PPD seriam o destino normal dos votos das outras minhas tias. Talvez tivessem mesmo sido já "apalavradas" pelo prior da freguesia, o excelente e simpático padre Domingos, que, com certeza, seguia a onda de um clero nortenho que, à época, "diabolizava" fortemente a esquerda.
Recordo-me, contudo, que se mostravam muito hesitantes, julgo que chegaram a perguntar-me a minha opinião (eu ia votar no MES, mas não tinha coragem de as tentar convencer...), embora sem necessariamente prometerem seguir o que eu dissesse, claro. Até que uma delas contou:
- Esteve cá há dias a dona Albertina - que tu conheces! - e veio falar-nos das eleições, dos comunistas e coisas assim. Deu-nos um conselho...
Fiquei imensamente curioso sobre qual teria sido o "conselho" da dona Albertina, uma senhora bastante mais nova, que tinha vivido até há pouco em Lisboa, que devia andar a fazer proselitismo conservador, pela certa. Mas a minha curiosidade foi logo saciada:
- Ela disse-nos que se pode votar em todos os partidos desde que não tenham ferramenta no emblema...
Dei uma imensa gargalhada, lembrei-me da imensidão de foices e martelos que adornavam as imagens dos partidos, bem como de enxadas e rodas dentadas que ilustravam outras formações. O conservadorismo da dona Albertina, afinal, era muito moderado. Aliás, a senhora informara-as de que ia votar no "partido da mãozinha", do Mário Soares, que "parecia boa pessoa e que não gostava dos comunistas".
Nunca soube ao certo em quem votaram as minhas queridas tias. Uma coisa sei hoje, de ciência certa. Por essas e por outras é que o PCP guarda nas eleições "a ferramenta" e opta por um azul celestial em lugar do vermelho da luta. Brincamos, não?!