quarta-feira, junho 15, 2011

Notas soltas

1. Imaginemos que um país "do Sul" da Europa tinha levantado uma qualquer "lebre" sobre um produto alimentar alemão, que viesse a provocar uma disrupção na produção e nos circuitos de comercialização do país. Caía o Carmo e o Reichstag! Não tendo sido assim, paga o orçamento da União Europeia...

2. Nestas coisas de sensibilidade dos mercados - talvez porque nunca tenha sido um grande fã da "mão invisível" - não me considero dos melhores "meteorologistas". Porém, o ambiente de divisão que se está a criar entre o Banco Central Europeu, por um lado, e a Alemanha e o Eurogrupo, por outro, relativamente às soluções para a situação grega, traz-me muito maus pressentimentos. Bastante para além (ou aquém) da Grécia, claro.

3. O caso de "Amina Arraf", uma suposta lésbica sírio-americana que, de Damasco, editava um blogue que estava a fazer sensação junto de quem seguia, à distância, a crítica situação na Síria, é bem a prova de que a "balda" no mundo da internet acaba por dar alguma razão a quem o pretende regular. Um suposto rapto de "Amina Arraf", que sublinhava nos seus textos a situação de repressão que se vive naquele país, provocou uma onda de solidariedade internacional. Afinal, "Amina Arraf" era um americano, estudante em Edimburgo, que inventava as histórias no seu blogue...

4. Fui hoje ver "La conquête", um filme de quase-ficção sobre a ascensão de Nicolas Sarkozy à presidência da República francesa. Os primeiros comentários davam a obra como uma caricatura achincalhante para a figura do chefe de Estado. Depois, foi com curiosidade que li uma apreciação benévola do filme por parte de Brice Hortefeux, uma das personalidades mais próximas do presidente francês. Hoje confirmei, uma vez mais, que uma obra tem a leitura que cada um estiver disponível para fazer.

5. Tira-teimas com um amigo diplomata que comigo entrou, no mesmo dia, no Ministério dos Negócios Estrangeiros: quantos ministros já tivémos nas Necessidades, até hoje? Ele dizia 16, eu dizia 19. Na realidade, depois de consultarmos o Anuário (um dia falarei deste clássico "instrumento" da nossa carreira), verificámos que, desde a nossa tomada de posse, em 14 de agosto de 1975, houve 18 personalidades diferentes que assumiram o cargo de chefe da diplomacia portuguesa, embora duas delas o tivessem feito por duas vezes, o que significa que tivémos, de facto, 20 ministros. É muito, em 36 anos? Talvez. No mesmo período, os EUA tiveram 12, a Espanha e o Brasil 13, a França e o Reino Unido 15, a Itália 18. Porém, desde que cheguei a Paris, o Quai d'Orsay já teve três titulares.

terça-feira, junho 14, 2011

Autocrítica

Aqui tens o teu blogue.
Mas que fazes tu com ele?
Dás-lhe sentido que sobre
ou ficas só com a pele


das coisas abandonadas,
do que ninguém vai cuidar,
esperando madrugadas
de que possamos falar?


Aqui tens a tua voz.
Somos inteiros e sós.

Poema de Luis Filipe Castro Mendes no seu blogue Tim Tim no Tibete, aqui reproduzido com a devida vénia

Pontault-Combault

Esta é a imagem da impressionante multidão (clique na imagem para ver melhor) que, na festa portuguesa em Pontault-Combault, no domingo passado, ouviu o discurso do embaixador de Portugal.

Fiquei, porém. na dúvida sobre se todo este entusiasmo teria "também" alguma coisa a ver com o facto de, depois de mim, o microfone ter passado para Tony Carreira...

Os meus parabéns ao Mário Castilho, dirigente associativo local, que há 36 anos realiza esta magnífica festa popular.

"Marcelismo" e diplomacia

Terminei há pouco a leitura de um livro de memórias de Pedro Feytor Pinto, intitulado "Na sombra do poder", recentemente editado pela Dom Quixote. O autor é uma figura pública que esteve fortemente envolvida na máquina de propaganda dos derradeiros anos da ditadura, após o que encetou, já em democracia, um percurso profissional na área da promoção do comércio externo português.

Não farei aqui uma análise valorativa deste livro. Porém, quero dizer que, para quem se interessa pela história do "marcelismo" (1968-1974), o livro traz alguns relatos curiosos, fruto do envolvimento direto de Feytor Pinto em diversos eventos da época. O trabalho descreve muitas situações e acontecimentos, sob um prisma em que o autor assume, com meritória lealdade, a sua constante admiração pelo chefe do governo derrubado em 25 de abril de 1974, bem como pela linha política por este seguida, nomeadamente em matéria colonial.

Frequentes, ao longo do texto, são as referências ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, pela multiplicidade de contactos que Feytor Pinto teve com diversas figuras da carreira. Creio que, com uma única mas relevante exceção, a diplomacia portuguesa frequentada pelo autor sai "bem tratada" do livro. Noto, a este propósito, um comentário que Feytor Pinto recolheu no livro, atribuído a uma conhecida figura da carreira diplomática, o embaixador Caldeira Coelho: "No serviço diplomático é, muitas vezes, muito mais importante o que evitamos do que o que conseguimos". É bem verdade. 

domingo, junho 12, 2011

Pensar Portugal em França

Por estes dias, o embaixador português em França é chamado a dizer algumas palavras aos nossos compatriotas, nas diversas festas que ocorrem por ocasião do "Dia de Portugal".

Os cidadãos de origem portuguesa residentes em França, com familiares e interesses em Portugal, parece-me que dispensam bem o discurso de arautos da desgraça, de "vencidos da vida", proclamações tremendistas que instilem dúvidas quanto à solidez das nossas instituições e adensem núvens de ceticismo quanto ao nosso futuro.

Pelo contrário, creio importante reforçar a necessária confiança nacional que deve derivar da recente religitimação popular dos nossos principais órgãos de soberania - Presidência da República e Assembleia da República.

Parece-me também necessário lembrar aquilo que o presidente da República portuguesa referiu, quanto à importância do envolvimento dos nossos cidadãos na diáspora no esforço de recuperação da nossa economia. É no exterior do país, no seio daqueles que tiveram a audácia de sair para o mundo, para tentar encontrar as soluções de vida que o lugar onde nasceram lhes não proporcionava, que reside uma das reservas de esperança com que Portugal hoje também conta.

A mensagem que sempre passo à nossa comunidade, como representante do Estado português em França, é uma mensagem de esperança, de otimismo, mas que não esquece a necessidade de ter consciência dos tempos difíceis e exigentes que ainda temos perante nós. Mais do que suscitar dúvidas e medos que só induzem instabilidade e propagam a inquietude, é preciso sublinhar a necessidade de uma cultura coletiva de rigor, de trabalho, de probidade e de sentido de responsabilidade. No setor público e no setor privado, entenda-se.

Nessas palavras, reitero sempre o orgulho que devemos manter nas instituições da nossa democracia, tutelada pela Constituição da República, a qual reflete os valores do 25 de abril, cujo provado equilíbrio, em três décadas e meia que agora comemoramos com júbilo, sempre permitiu enfrentar situações difíceis e ultrapassar momentos complexos. 

Destaco também o importante facto das três principais forças políticas portuguesas, não obstante o seu natural posicionamento diverso em muitos aspetos sobre a gestão do país, se terem formalmente comprometido a levar à prática o acordo subscrito com as instituições internacionais, o qual facilita, por alguns anos, meios acrescidos de financiamento ao Estado e à economia do país, ligados à introdução de um importante pacote de reformas. A preservação no tempo dessa posição conjunta é hoje vista no exterior como essencial para que Portugal possa recuperar a confiança dos mercados e obter condições para a retoma do seu crescimento.

E, finalmente, não deixo de lembrar aos portugueses em França que a mais evidente prova do sucesso da sua integração neste país é dada pelo facto da chefia da missão diplomática francesa em Lisboa, bem como a representação consular da França no Porto, serem hoje tituladas por diplomatas de origem portuguesa.

Fado nos trópicos

Naqueles tempos, as relações políticas entre Portugal e Angola eram muito tensas, fruto conjugado de diversas circunstâncias, só parte das quais assentes na racionalidade das coisas, a qual ainda demoraria algumas décadas para se impor. A comunidade portuguesa atravessava então um período de alguma insegurança, pelo que a comemoração do Dia de Portugal constituía um importante momento para a sua união. Por parte da nossa embaixada, era também uma ocasião para fazer passar uma mensagem de confiança e esperança.

Foi isso que pensou o embaixador António Pinto da França, que era e é a personificação de um homem de boa-vontade, o qual havia chegado a Angola disposto a tentar o impossível para aproximar os dois países, superando o ceticismo, quase desanimado, de alguns dos seus colaboradores, que, depois de muito terem porfiado em remar contra a maré, já só achavam que "não há nada a fazer!". Afinal era ele que estava cheio de razão, como o tempo viria a provar.

Num desses "Dia de Portugal" organizado para nossa embaixada em Luanda, António Pinto da França decidiu convidar, para fazer um espetáculo para a comunidade, uma fadista na altura em voga no nosso país - Luz Sá da Bandeira. O fado é uma linguagem musical que, para além de alimentar o sentimento dos portugueses expatriados, poderia ter como potencial condão fazer despertar, em alguns setores angolanos, memórias subliminares que ajudassem a minorar a crise de afetividade que então se atravessava. Na verdade, só eu, com a frieza político-estratégica que vinha dos tempos da "ação psicológica", havia pensado as coisas dessa forma. O embaixador Pinto da França, com a sua sensibilidade diplomática apurada, havia considerado, muito simplesmente, que um bom espetáculo de fado ficaria bem, para juntar os portuguses e convidados, nesse 10 de junho.

Mas essa opinião não era generalizada. Alguém expressou discretas reticências quanto à bondade da escolha daquela cantora. Por razões de natureza musical? Não, apenas pelo seu nome. Essa pessoa comentou - nunca se percebeu se totalmente a sério - que o nome de "Sá da Bandeira" poderia soar como estranho aos ouvidos mais militantes da política local, cujo regime tinha caprichado, anos antes, em mudar o nome da cidade angolana de "Sá da Bandeira" para "Lubango".

O assunto, porém, logo morreu por aí, entre gargalhadas. Ninguém chegou ao ponto de pensar mandar imprimir cartazes e convites para uma sessão de fados de "Luz Lubango"...

sábado, junho 11, 2011

Festas

Há anos que não vou às festas de Lisboa. Ontem, ao conversar com os fadistas que por aqui vieram para o espetáculo do Théâtre de la Ville (e, no caso de Camané, também para uma sessão em Orléans, para onde partirei daqui a pouco), soube algo mais sobre a vitalidade festiva destes dias lisboetas, em torno de Santo António. 

Embora eu seja muito pouco dado a nostalgias (arranjo sempre maneira de me sentir em casa nos sítios onde vivo, o que é um segredo para o bem-estar diplomático), confesso que me faz falta o flanar pelas noites lisboetas, com cheiro a sardinhas, música a rodos e cenas de arco-e-balão, nestes dias de junho. 

Ao comentar, na noite de ontem, que a única coisa que não me entusiasmava nada, nesta animação sazonal de Lisboa, eram as marchas populares, um amigo, que tenho de visita cá por casa, comentou, críptico: "bem me parecia que estás cada vez menos marchista..."

sexta-feira, junho 10, 2011

Dia de Portugal

Este ano, decidimos mudar o modelo tradicional das comemorações do "Dia de Portugal". Em lugar de convidar o corpo diplomático estrangeiro e os círculos políticos, económicos e sociais franceses, concentrámos na nossa comunidade esta festa, podendo, desta forma, alargar substancialmente o número de convidados portugueses. 

Foi um "Dia de Portugal" bastante diferente, mais "em família", que teve como convidado de honra o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que nesta data veio a Paris para mais uma iniciativa de promoção do fado a "património imaterial da humanidade".

Antes da receção, acompanhado por toda a Embaixada, fui depor uma coroa de flores no monumento a Luís de Camões, existente junto ao Trocadéro, aqui em Paris.

Em tempo: até o Malta da Rima já falou disto, imaginem!

Eurico Figueiredo



Na minha adolescência, em Vila Real, o nome de Eurico de Figueiredo identificava um estudante de "ideias avançadas", saído anos antes da cidade, que liderara as lutas académicas lisboetas de 1962 e que, depois de uma agitada passagem pela universidade de Coimbra, se exilara na Suíça. Só o vim a conhecer muito depois do 25 de abril, quando regressou a Portugal para exercer psiquiatria e, posteriormente, para se envolver na ação política, da qual um dia acabou por se cansar - e talvez com razão.

No passado sábado, numa sessão no Governo Civil de Vila Real, tive o prazer de colaborar na apresentação de uma sua obra literária onde, através de textos ficcionados de e-mail, traça os encontros e desencontros de uma geração onde muitos de nós nos podemos rever. Uma escrita que marca o seu regresso à terra de onde um dia partiu.

Fado em Paris

Dificilmente será possível juntar em Portugal, num único espetáculo, o conjunto de fadistas que a Câmara Municipal de Lisboa trará, hoje à noite, às 20.30 h, ao Théâtre de la Ville, em Paris.

Carlos do Carmo, Cristina Branco, Camané, Carminho e Ricardo Ribeiro, pertencendo todos ao núcleo dos maiores intérpretes contemporâneos do fado, representam como que três gerações da canção portuguesa. Hoje em dia, o fado "está bem e recomenda-se", como o prova a multiplicidade de intérpretes que têm vindo a afirmar-se nos últimos anos.

Dentro de alguns meses, o fado deverá ser consagrado como "património imaterial da humanidade", no âmbito da UNESCO, se tudo correr como esperamos. E é justo que isso aconteça em Paris, cidade do mundo onde o fado é acarinhado como em nenhum outro lugar.

Neste "Dia de Portugal", em que o fado, com o simpático apoio de Emmanuel Démarcy-Mota, sobe ao palco do prestigiado Théâtre de la Ville, julgo de justiça deixar aqui uma palavra a uma intérpetre a quem a a divulgação da canção portuguesa em França muito deve e que a comunidade portuguesa não esquece e acarinha, como sempre fica evidenciado nos seus regressos a Paris: Mísia.

quinta-feira, junho 09, 2011

Diplomatas britânicos

Vale a pena ler o que o site do "Foreign Office" refere, no tocante aos blogues dos seus diplomatas:

"Foreign Office blogs provide a place for officials and Ministers to engage in a direct and informal dialogue with public audiences about international affairs and the work of the Foreign and Commonwealth Office. 


We want our blogs to be personal, real time, integrated with other things we're doing, responsive to commments, and written for particular (sometime niche) audiences. But there's no right or wrong way to blog, and you'll see that our bloggers take different approaches. 

Our blogs are personal and attributed - they are all written by the named authors. 

Some are written by ministers, some by ambassadors, some by staff on particular themes. Some are about particular foreign policy issues, some cover a range of our work. Some of our bloggers are on our officially branded websites, some are hosted on other web platforms. Most of our blogs are written in English, but some of our bloggers write in local languages. 

Anyone in the Foreign Office with a good reason to can write an official blog. We provide some guidance and support because we want our bloggers to make the best use of the medium. But the bloggers themselves take full responsibility for the blogs that they publish"

quarta-feira, junho 08, 2011

"Tard"

Há dias, em Portugal, um amigo surpreendeu-se quando eu lhe disse que o mundo operário francês começou a aparecer designado, desde há alguns anos, como "la France qui se lève tôt", para sublinhar a penosa condição da sua vida quotidiana.

Vi-o matutar um pouco sobre a frase para, instantes depois, comentar:

- Eu, cá por mim, pertenço ao "Portugal qui se lève tard...".

E, depois, ainda se queixam das "bocas" anti-sulistas dos alemães...

Semprún

Hoje, como membro do júri do "Prix des Ambassadeurs" (um prémio literário anual sobre história política, atribuído por um júri constituído por 20 embaixadores acreditados em Paris, escolhidos sob a égide da Académie Française), apresentei um parecer sobre "Le Bolchevisme à la française", de Stéphane Courtois, um livro que é um "pavé" de cerca de 600 páginas, sobre o comunismo em França (já agora: não aconselho o livro). 

Nesse texto, citei, a certo passo, Jorge Semprún, o escritor e político hispano-francês que efetuou um processo de afastamento do PC espanhol e que, a esse propósito, escreveu, entre outros, um livro muito curioso -  "Autobiografia de Federico Sanchez".

No termo da minha intervenção, um colega revelou que Semprún morrera, ontem, aqui em Paris.

Foi por recomendação do António Massano que conheci, nos anos 70, essa obra, creio que editada pela Moraes. A "Autobiografia" foi apenas o primeiro dos vários livros de Semprún que fui lendo ao longo dos anos - sobre o seu tempo de prisioneiro dos nazis, a sua vida no universo clandestino comunista, o seu regresso à Espanha democrática e vários outros temas e pretextos. Se tivesse de recomendar uma única obra de Semprún, eu optaria por "Le mort qu'il faut" (não faço ideia se há tradução portuguesa), sobre a experiência no campo de concentração de Buchenwald.

Pela riqueza da sua vida, Semprún fazia parte daquelas pessoas que eu gostaria de ter conhecido pessoalmente.

Nós e a Europa

Não sei quem poderá ter paciência e tempo para ver e ouvir o que o embaixador português em França disse ao Cercle des Européens sobre a situação atual no nosso país, em especial face ao acordo com a "troika" e às perspetivas da sua execução, bem como o modo como o projeto europeu continua a ser visto entre nós.

Aqui fica o link

terça-feira, junho 07, 2011

Conhecimentos

Desde o início da sua carreira que aquele colega se revelara um deslumbrado com o seu estatuto de diplomata, que espalhava aos quatro ventos, como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. O "upgrading" social que a carreira lhe trazia era por ele explorado de forma quase obsessiva, procurando, por essa via, introduzir-se na vida mundana de Lisboa, forçando intimidades, recheando a agenda de novos conhecidos ditos importantes, que tentava tratar pelo nome próprio. Era um espetáculo (triste, diga-se) vê-lo entrar nos restaurantes onde, ao almoço, se juntavam políticos, empresários e figuras da sociedade. De mesa em mesa, saudava, mostrava-se e derretia-se se acaso alguém lhe acenava.

Um dia, um recém-entrado diplomata, manifestamente seduzido pela coreografia social desse colega mais antigo, fez notar isso a um velho embaixador, sublinhando o facto daquele colega conhecer "toda a gente"! O embaixador, homem com mundo que já tinha visto um pouco mais do que tudo, para além de ser um snobão de primeira, respondeu, cruel:

- Pois é! Ele, de facto, pode conhecer toda a gente. Só é pena que ninguém o conheça a ele...

Os blogues da política

Os últimos anos viram florescer, na blogosfera portuguesa, aquilo que poderíamos designar como "os blogues da política".

Trata-se de tribunas onde o poder político vigente foi, nos últimos anos, regularmente zurzido, às vezes sem dó nem piedade, ou, numa lateralização ideológica contrária, onde ele foi defendido, com maior ou menor vigor, convicção ou até zelo oficioso.

Diga-se que, em ambos os casos, a blogosfera revelou frequentemente muito boa escrita, o que não nos deve admirar, por frequentemente se tratar de profissionais da comunicação social que, voluntária ou involuntariamente, acabaram por fazer inesperados "outings" nesta guerra de afetos políticos.

Como agora o mundo político se inverteu, vai ser muito interessante observar o modo como essas plataformas de opinião irão evoluir. E, em especial, curioso será verificar se o respetivo mercado de leitores virá a ser afetado, agora que "les jeux sont faits". 

segunda-feira, junho 06, 2011

Poesia diplomática

Não vou poder estar presente na sessão de lançamento das "Lendas da Índia", o novo livro de poesia do meu amigo Luis Filipe Castro Mendes, que será apresentado hoje à tarde na livraria Buchholz, em Lisboa, por Nuno Júdice. Algum embaixador português tem de ficar por Paris...

O embaixador Luís Castro Mendes tem uma ampla obra poética publicada e premiada. Chefia a missão portuguesa junto da UNESCO, em Paris, depois de ter sido embaixador em Budapeste e Nova Delhi. É autor do blogue Tim Tim no Tibete.

Curiosa (e carinhosa) é a nota que um alegado poeta popular português, Reinaldo Azenha de Noisiel, que parece residir em Pont de Sèvres, nos arredores de Paris, deixou na abertura do seu recente blogue "Malta da Rima", a propósito da publicação deste livro.

António Manuel (1959-2011)

Chamava-se António Manuel dos Santos, mas (como muita gente) sempre o conheci apenas por António Manuel. Jornalista de profissão, já só o vim a encontrar como "operacional" político, como colaborador de Vitor Constâncio, Jorge Sampaio e António Costa. Figura imponente, era o exemplo de um "falso lento", com raro instinto político e eficaz sentido de organização, em especial na área da relação com os media. E de uma lealdade à prova de bala.

Não tínhamos uma grande intimidade, apenas uma muito boa relação pessoal. Não o via há muito, desde que partira para Bruxelas, para trabalhar no Parlamento Europeu.

Morreu ontem. A prova da sua discrição é também dada pelo facto de não ter conseguido encontrar uma foto sua para ilustrar este post.

Fica um abraço triste para o António Manuel.

domingo, junho 05, 2011

Acordar

Há dias, um comentário trouxe ontem aqui ao blogue o nome da Ciesa-NCK, uma empresa de publicidade em que trabalhei, por algum tempo, a partir de 1974. Eram algumas horas diárias, que retirava ao meu tempo militar (uma "tropa" de tarde...), empregadas num "serviço de leitura seletiva" da imprensa (diária e semanal), criado pelo Carlos Eurico da Costa, para combater a crise por que passava a publicidade.

(Esse serviço iria depois evoluir, já em 1975, para a criação da "Análise da Informação", um boletim semanal que avaliava, com procurada isenção, o modo como a realidade portuguesa era tratada pela diferente imprensa. A "Análise" foi um êxito e era vendida, a alto preço, a empresas e embaixadas, que pretendiam dispor de uma informação independente, que lhes permitisse "descriptar" a turbulenta situação político-social de então. Tinha como coordenador o jornalista José Silva Pinto (que viria a criar "O Jornal"), que comigo e com o Francisco Vale (hoje dono da editora "Relógio d'Água"), assegurava a sua redação. Se bem me lembro, teve colaborações esporádicas de Manuel Beça Múrias e de Cáceres Monteiro, um dos quais julgo que me substituiu, quando deixei de colaborar, em meados de 1979. Acabavam então quatro longos anos, em que ocupava parte do meu fim de semana a redigir a minha contribuição para a "Análise", para além de ser diplomata a tempo inteiro.)

Mas é do "serviço de leitura seletiva" que queria falar. Tratava-se de uma recolha de notícias, retiradas dos muitos e variados jornais que o 25 de abril fez emergir, que executávamos a partir de horas bem matutinas. A responsabilidade por este trabalho de leitura rápida e escolha que se pretendia muito criteriosa e representativa, assente num conjunto muito alargado de temas, competia a duas pessoas: a mim e a Pedro Moutinho.

Pedro Moutinho foi uma figura muito conhecida da rádio e da televisão, até ao 25 de abril. Era um dos melhores locutores portugueses, estando a sua imagem como repórter consagrada no famoso relato do Porto-Sporting que integra o filme "O Leão da Estrela" (onde o Sporting ganha, diga-se de passagem...). Fora casado com outra famosa voz da rádio portuguesa, Maria Leonor.

Com a Revolução de abril, alguém terá descoberto que o Pedro teria estado inscrito, por algum tempo, na Legião Portuguesa. Isso levou ao seu afastamento da Emissora Nacional e ao desemprego. Foi o Carlos Eurico da Costa (que era oriundo de uma área política bem oposta) quem o acolheu na Ciesa-NCK e, tal como a mim, lhe arranjou trabalho.

Entrávamos às 8 da manhã. O Pedro Moutinho não tinha um feitio fácil, principalmente nas primeiras horas. Ia depois adocicando com a passagem do tempo, tornando-se um companheirão para o final da manhã, quando "despegávamos". Contava histórias magníficas, que tenho pena de não ter registado.

(Lembro-me apenas de uma. Um dia, foi chamado à PIDE porque, numa reportagem sobre a chegada à estação de Santa Apolónia do presidente da República, Américo Tomaz, vindo de Madrid, identificara o seu chefe da casa civil, general Humberto Pais, por... Humberto Delgado! Verdade seja que esta seria a sua única medalha de "anti-fascismo", ele que, com coerência, nunca renegou as suas convicções fortemente conservadoras.)

Numa daquelas matinais horas, em que estava com um feitio impossível, o Pedro perguntou-me:

- Diga-me lá! Você acorda bem disposto, de manhã?

Disse-lhe que não, que normalmente me custava a "arrancar" o dia e que acordava "irritadiço".

O Pedro não quis ouvir outra coisa e, com o seu vozeirão, felicitou-me:

- É isso mesmo! Você é uma pessoa normal! Acordar, para si como para mim, é um ato de violência, uma coisa anti-natural. O que eu nunca compreendi são aqueles maduros que acordam bem dispostos, que cantam no banho e que começam o dia felizes. Imagine! Não passam de uns anormais!

E a nossa amizade e compreensão mútua aumentou, a partir de então.

O Pedro Moutinho morreu já há muitos anos. Há tantos que o "Google" não tem nenhuma foto sua que possa ser mostrada.

"Os donos de Portugal"

Ontem, numa cálida noite vila-realense, alguém me fazia notar que a história eleitoral portuguesa mostra que, na realidade, as grandes decisões políticas, aquelas que afetam os equilíbrios conjunturais da vida de todos nós, são tomadas por apenas entre 15 e 20% da população votante.

Segundo esse amigo, os dois grandes partidos da cena política portuguesa mostram ter um núcleo de eleitorado fiel, o qual, aconteça o que acontecer, confere sempre, a cada um, um "score" seguro, que deve andar em pouco mais de 25%. A decisão sobre qual dos dois partidos chega à frente do outro em cada ato eleitoral é, assim, determinada por esses 15 a 20% flutuantes, os quais, no fundo, são aqueles a quem se destinam as campanhas eleitorais. Esses são, na frase simples desse amigo, "os donos de Portugal".

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...