Há dias, um comentário trouxe ontem aqui ao blogue o nome da Ciesa-NCK, uma empresa de publicidade em que trabalhei, por algum tempo, a partir de 1974. Eram algumas horas diárias, que retirava ao meu tempo militar (uma "tropa" de tarde...), empregadas num "serviço de leitura seletiva" da imprensa (diária e semanal), criado pelo Carlos Eurico da Costa, para combater a crise por que passava a publicidade.
(Esse serviço iria depois evoluir, já em 1975, para a criação da "Análise da Informação", um boletim semanal que avaliava, com procurada isenção, o modo como a realidade portuguesa era tratada pela diferente imprensa. A "Análise" foi um êxito e era vendida, a alto preço, a empresas e embaixadas, que pretendiam dispor de uma informação independente, que lhes permitisse "descriptar" a turbulenta situação político-social de então. Tinha como coordenador o jornalista José Silva Pinto (que viria a criar "O Jornal"), que comigo e com o Francisco Vale (hoje dono da editora "Relógio d'Água"), assegurava a sua redação. Se bem me lembro, teve colaborações esporádicas de Manuel Beça Múrias e de Cáceres Monteiro, um dos quais julgo que me substituiu, quando deixei de colaborar, em meados de 1979. Acabavam então quatro longos anos, em que ocupava parte do meu fim de semana a redigir a minha contribuição para a "Análise", para além de ser diplomata a tempo inteiro.)
(Esse serviço iria depois evoluir, já em 1975, para a criação da "Análise da Informação", um boletim semanal que avaliava, com procurada isenção, o modo como a realidade portuguesa era tratada pela diferente imprensa. A "Análise" foi um êxito e era vendida, a alto preço, a empresas e embaixadas, que pretendiam dispor de uma informação independente, que lhes permitisse "descriptar" a turbulenta situação político-social de então. Tinha como coordenador o jornalista José Silva Pinto (que viria a criar "O Jornal"), que comigo e com o Francisco Vale (hoje dono da editora "Relógio d'Água"), assegurava a sua redação. Se bem me lembro, teve colaborações esporádicas de Manuel Beça Múrias e de Cáceres Monteiro, um dos quais julgo que me substituiu, quando deixei de colaborar, em meados de 1979. Acabavam então quatro longos anos, em que ocupava parte do meu fim de semana a redigir a minha contribuição para a "Análise", para além de ser diplomata a tempo inteiro.)
Mas é do "serviço de leitura seletiva" que queria falar. Tratava-se de uma recolha de notícias, retiradas dos muitos e variados jornais que o 25 de abril fez emergir, que executávamos a partir de horas bem matutinas. A responsabilidade por este trabalho de leitura rápida e escolha que se pretendia muito criteriosa e representativa, assente num conjunto muito alargado de temas, competia a duas pessoas: a mim e a Pedro Moutinho.
Pedro Moutinho foi uma figura muito conhecida da rádio e da televisão, até ao 25 de abril. Era um dos melhores locutores portugueses, estando a sua imagem como repórter consagrada no famoso relato do Porto-Sporting que integra o filme "O Leão da Estrela" (onde o Sporting ganha, diga-se de passagem...). Fora casado com outra famosa voz da rádio portuguesa, Maria Leonor.
Com a Revolução de abril, alguém terá descoberto que o Pedro teria estado inscrito, por algum tempo, na Legião Portuguesa. Isso levou ao seu afastamento da Emissora Nacional e ao desemprego. Foi o Carlos Eurico da Costa (que era oriundo de uma área política bem oposta) quem o acolheu na Ciesa-NCK e, tal como a mim, lhe arranjou trabalho.
Entrávamos às 8 da manhã. O Pedro Moutinho não tinha um feitio fácil, principalmente nas primeiras horas. Ia depois adocicando com a passagem do tempo, tornando-se um companheirão para o final da manhã, quando "despegávamos". Contava histórias magníficas, que tenho pena de não ter registado.
(Lembro-me apenas de uma. Um dia, foi chamado à PIDE porque, numa reportagem sobre a chegada à estação de Santa Apolónia do presidente da República, Américo Tomaz, vindo de Madrid, identificara o seu chefe da casa civil, general Humberto Pais, por... Humberto Delgado! Verdade seja que esta seria a sua única medalha de "anti-fascismo", ele que, com coerência, nunca renegou as suas convicções fortemente conservadoras.)
Numa daquelas matinais horas, em que estava com um feitio impossível, o Pedro perguntou-me:
(Lembro-me apenas de uma. Um dia, foi chamado à PIDE porque, numa reportagem sobre a chegada à estação de Santa Apolónia do presidente da República, Américo Tomaz, vindo de Madrid, identificara o seu chefe da casa civil, general Humberto Pais, por... Humberto Delgado! Verdade seja que esta seria a sua única medalha de "anti-fascismo", ele que, com coerência, nunca renegou as suas convicções fortemente conservadoras.)
Numa daquelas matinais horas, em que estava com um feitio impossível, o Pedro perguntou-me:
- Diga-me lá! Você acorda bem disposto, de manhã?
Disse-lhe que não, que normalmente me custava a "arrancar" o dia e que acordava "irritadiço".
O Pedro não quis ouvir outra coisa e, com o seu vozeirão, felicitou-me:
- É isso mesmo! Você é uma pessoa normal! Acordar, para si como para mim, é um ato de violência, uma coisa anti-natural. O que eu nunca compreendi são aqueles maduros que acordam bem dispostos, que cantam no banho e que começam o dia felizes. Imagine! Não passam de uns anormais!
O Pedro não quis ouvir outra coisa e, com o seu vozeirão, felicitou-me:
- É isso mesmo! Você é uma pessoa normal! Acordar, para si como para mim, é um ato de violência, uma coisa anti-natural. O que eu nunca compreendi são aqueles maduros que acordam bem dispostos, que cantam no banho e que começam o dia felizes. Imagine! Não passam de uns anormais!
E a nossa amizade e compreensão mútua aumentou, a partir de então.
O Pedro Moutinho morreu já há muitos anos. Há tantos que o "Google" não tem nenhuma foto sua que possa ser mostrada.
O Pedro Moutinho morreu já há muitos anos. Há tantos que o "Google" não tem nenhuma foto sua que possa ser mostrada.
9 comentários:
Estava a ver os resultados eleitorais em Portugal e vim agora aqui! Quem ganhou em Vila Real e em Paris?
Quando as cronociências atingirem alguma idoneidade, será possível selecionar o horário de trabalho em conformidade com o respeito pelo Ser!?...
Vespertino- (deitar tarde e tarde acordar)turno da tarde
Matutino(deitar cedo e cedo acordar)- turno da manhã
Isabel Seixas
O seu texto deixou-me quase envergonhado. Apesar de ter convivido muitos anos com uma irmã mais nova que tem um acordar péssimo nunca percebi esse género de dificuldade...
A falta de uma imagem de Pedro Moutinho não me causa estranheza. Em Portugal cultivamos muito pouco a memória das pessoas e das coisas. No site da RTP há uma imagem de péssima qualidade. E Pedro Moutinho é, também, identificável no blogue http://revistaantigaportuguesa.blogspot.com/. São fotografias que, com toda a probabilidade, conhece. E que não se compadecem com o elevado grau de exigência com que ilustra o seu blogue.
Gosto sempre de ouvir falar de pessoas que povoaram um certo período da minha vida e que há anos não vejo.
O Pedro morreu. Do Carlos Eurico nada sei.
Ah! Como o compreendo Senhor Embaixador.
Também sempre tive inveja de quem acorda com vontade de cantar e "actividades" similares.
EGR
Ao que parece "Le réveil de plusieurs millions de français..." também é assim :
http://www.youtube.com/watch?v=omQZaHpt_vY
Sera mal de publicitario ? ; ))
E depois, caro Santiago, como diz uma mae que nos tao bem conhecemos :
- Noites alegres, manhas tristes ! : )))
...Nao se pode dar p'ra tudo !
bom profissional PM, boa voz, timbre, dicção, boa presença, bem penteado e vestido, elegancia um pouco inglesa. Sim, conflituoso, vi o discutir numa transmissão em directo na tv com um colega, ou com a regie, num festival qualquer.
Sobre o acordar, lembro-me de mafra, onde às 7 da manhã de inverno, com frio, chuva, grande desconforto, um colega assobiava, cantava, dizia piadas, ria, em contraste com a cara de sacrificio e raiva de todos os outros dizendo palavrões baixinho.
Cada um é como é.
De qualquer forma é bom saber, é um excelente "Trunfo" para aprender a intercomunicar ...
Por exemplo aos vespertinos o melhor é de manhã deixá-los...
Os matutinos que se vão deitar...
É que nem vale a pena...
Bem... A não ser que (como eu)gostem e lhes dê prazer meter almas(Só as puras) no inferno, tipo espirito de arreliador(pro que der e vier), aí ó que boa suscetibilidade...(O melhor é que a minha Velha amiga nem se aperceba...)
Isabel seixas
Cara Marta: muito obrigado pelo link. Encontrei por lá coisas muito interessantes. Não me recordo do seu pai, mas eu era um "miúdo" que apenas por lá passou. A Ciesa foi uma grande escola da publicidade, ao que sei
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