sexta-feira, abril 24, 2009
Histórias do 25 de Abril - Testemunho
quinta-feira, abril 23, 2009
Lusofonia
Que bom que é esta sensação de podermos discutir as nossas questões comuns na mesma língua! Mas há muito mais, para além dessa facilidade comunicacional: há cumplicidades, referências e um mundo que nos é próximo, que ganha com a diversidade dos vários mundos em que cada um de nós se move.
A ver vamos se, em Paris, vai ser possível garantir a conjugação de estratégias e a definição de planos para um bom trabalho conjunto. É importante que a CPLP não seja um grupo de países separados por uma língua comum.
quarta-feira, abril 22, 2009
Rota da Seda
Portugal tem mantido uma escassa presença nessa área, onde não tem embaixadas mas com a qual, curiosamente, tem sabido sustentar um registo constante de diálogo, que é muito o fruto do trabalho que desenvolveu no quadro da Organização para a Segurança e Cooperação Europeia (OSCE), da Cimeira de Lisboa, em 1996, até à sua presidência da organização, em 2002. Há dias, o ministro português dos Negócios Estrangeiros fez uma visita à região, tendo ficado desenhados vários instrumentos para uma possível cooperação bilateral entre Portugal e esses Estados, cujas instituições, bem como as estruturas da respectiva sociedade civil, se torna muito importante conseguir apoiar e reforçar.
Há uns anos, com outros três embaixadores da OSCE, viajei por todos esses países e pude aperceber-me que, por detrás de nomes com terminações similares que induzem à confusão dos não iniciados (Casaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzebequistão), vivem realidades muito diferentes e, não raramente, conflituantes entre si. Petróleo, escassez de água, lixos tóxicos, questões religiosas e de minorias, para além das tensões estratégicas provocadas pelo radicalismo islâmico e pela fragilidade das culturas democráticas, são algumas das temáticas de que, sem qualquer dúvida, ouviremos falar muito no futuro. Os tempos da luta anti-terrorista acabaram por travar, em alguns deles, a abertura que já se pressentia nos respectivos regimes e, em certos casos, deram mesmo um álibi para novas vagas repressivas. Noutros, porém, tem vindo a detectar-se alguma dinâmica de inclusão cívica, que deve ser estimulada e relevada.
É a propósito da Ásia Central que deixo hoje uma pequena história.
Durante a nossa viagem diplomática, num desses países sujeito a um regime muito autoritário, verificou-se ser impossível conseguir contactos com opositores ao regime de partido único, por óbvio receio de represálias. O máximo que se conseguiu foi falar com a representante de uma Organização Não Governamental local, dedicada ao acompanhamento da situação dos prisioneiros políticos. Ela entrou na sede da delegação da OSCE, onde nos encontrávamos, sabedora que tinha de aproveitar a presença de diplomatas ocidentais para dar conta da terrível situação que afectava alguns dos seus compatriotas. Relatou-nos, sempre sem recorrer a um tom dramático, algumas barbaridades cometidas pelo governo do país, deu-nos nomes e locais, detalhou as imensas dificuldades sentidas pela sua organização e o escasso apoio que conseguia junto das missões diplomáticas estrangeiras, muitas delas há muito convertidas à cínica lógica da "realpolitik". Todos ficámos impressionados pela serenidade grave desta mulher, pela sua dignidade e coragem, pelo muito que arriscara ao vir falar connosco. À saída, num tom quase neutro de voz, com uma naturalidade desconcertante, deixou-nos um simples pedido: "Se vos fôr possível, peçam às embaixadas ocidentais que existem aqui no meu país para estarem atentas ao que me pode vir a acontecer. É que estou segura que as minhas autoridades não me vão perdoar pelo facto de ter vindo falar convosco..."
Protocolo
Lembrei-me que há, em Portugal, um termo similar, o "lanche ajantarado". Mas, como me dizia, na ocasião, um colega português, que tem por missão dar atenção prioritária às coisas da cultura, a nós nunca nos passa pela cabeça pôr isto num cartão de convite.
Soufflé
Mas o nosso embaixador - porque é de um embaixador português que falamos - rapidamente perdeu a paciência para seguir, nos seus jantares, o protocolo local e decidiu-se por um expediente, que considerou ser uma imbatível trouvaille. Um dia, levantou-se ainda antes do início da refeição, e disse: "Eu teria muito gosto de falar sobre cada um dos convidados, como mandam as regras locais, mas acabo de saber de um impedimento que, julgo, todos compreenderão: há um soufflé a sair! Ora um soufflé, como é sabido, não pode esperar e afirmam-me da cozinha que está pronto a ser servido. Assim considerem-se todos cumprimentados... e bom apetite!"
Os convidados entenderam a pressa do embaixador e o jantar decorreu da melhor forma. Tudo estaria muito bem se o embaixador não tivesse decidido enveredar, nos jantares seguintes, e quase sistematicamente, pela repetição do "truque" que lhe permitia evitar o discurso. Só que não se dava conta que alguns dos convidados eram, por vezes, os mesmos e, por isso, já tinham ouvido a estafada história do soufflé. Que se tornou famosa no corpo diplomático local...
Há uns anos, regressei a essa cidade e jantei com um desses convivas, que logo me perguntou: "Que é feito daquele simpático embaixador português que, durante anos, para evitar fazer discursos, dava sempre soufflé como entrada?"
terça-feira, abril 21, 2009
Amália e os poetas
Canções de Abril (1)
Ouça aqui.
segunda-feira, abril 20, 2009
Voltaire e Lisboa
Como modesta homenagem ao mortos de Aquila, em Itália, vale a pena lembrar um extracto do "Poème sur le Désastre de Lisbonne", que Voltaire publicou em 1756, no ano seguinte ao terramoto que devastou a capital portuguesa. Esse texto serviu de pretexto para o filósofo se opor a quantos viam no acontecimento um mero reflexo inelutável da vontade divina
O malheureux mortels! ô terre déplorable!
O de tous les mortels assemblage effroyable!
D'inutiles douleurs éternel entretien!
Philosophes trompés qui criez: "Tout est bien"
Accourez, contemplez ces ruines affreuses
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l'un sur l'autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés;
Cent mille infortunés que la terre dévore,
Qui, sanglants, déchirés, et palpitants encore,
Enterrés sous leurs toits, terminent sans secours
Dans l'horreur des tourments leurs lamentables jours!
Aux cris demi-formés de leurs voix expirantes,
Au spectacle effrayant de leurs cendres fumantes,
Direz-vous: "C'est l'effet des éternelles lois
Qui d'un Dieu libre et bon nécessitent le choix"?
Direz-vous, en voyant cet amas de victimes:
"Dieu s'est vengé, leur mort est le prix de leurs crimes"?
Quel crime, quelle faute ont commis ces enfants
Sur le sein maternel écrasés et sanglants?
Lisbonne, qui n'est plus, eut-elle plus de vices
Que Londres, que Paris, plongés dans les délices?
Lisbonne est abîmée, et l'on danse à Paris.
Tranquilles spectateurs, intrépides esprits,
De vos frères mourants contemplant les naufrages,
Vous recherchez en paix les causes des orages:
Mais du sort ennemi quand vous sentez les coups,
Devenus plus humains, vous pleurez comme nous.
Croyez-moi, quand la terre entrouvre ses abîmes
Ma plainte est innocente et mes cris légitimes
Partout environnés des cruautés du sort,
Des fureurs des méchants, des pièges de la mort
De tous les éléments éprouvant les atteintes,
Compagnons de nos maux, permettez-nous les plaintes.
C'est l'orgueil, dites-vous, l'orgueil séditieux,
Qui prétend qu'étant mal, nous pouvions être mieux.
Allez interroger les rivages du Tage;
Fouillez dans les débris de ce sanglant ravage;
Demandez aux mourants, dans ce séjour d'effroi
Si c'est l'orgueil qui crie "O ciel, secourez-moi!
O ciel, ayez pitié de l'humaine misère!"
"Tout est bien, dites-vous, et tout est nécessaire."
Quoi! l'univers entier, sans ce gouffre infernal
Sans engloutir Lisbonne, eût-il été plus mal?
A Turquia e a Europa
Há quem considere que a Turquia, pela sua história e pela sua génese sócio-política, faz parte de um outro mundo e que, por essa mesma razão, o seu lugar terá de ser sempre fora da União Europeia, embora mantendo com ela um estatuto de grande proximidade.
Outros, porém, defendem que não parece congruente continuar a discutir com Ancara, como tem vindo a acontecer, diversos capítulos negociais que pressupõem o caminho para um processo de adesão, quando, ao mesmo tempo, se alerta, desde já, para a impossibilidade de se chegar ao termo desse processo - isto é, à adesão plena da Turquia à União Europeia. Essa é a posição portuguesa.
Implícita ou explícita neste debate está, muitas vezes, a questão religiosa, que em certos sectores europeus, desde há muito, se erigiu como um factor de bloqueio da maior importância. Também aqui, as visões europeias divergem bastante, embora muitos não tenham a coragem de assumir estas suas reais motivações.
Talvez só tempo possa tornar as diversas posições menos rígidas, embora me pareça evidente que, se vier a dar-se a fixação de um sentimento de hostilização europeia face à Turquia, isso pode vir a ter um efeito de perda de estímulo a quantos, naquele país, levam a cabo uma séria e corajosa luta no sentido de o aproximar dos padrões que hoje são comuns aos restantes Estadoss europeus. Por outro lado, isso também pode vir a gerar o indesejável reforço dos que, na sociedade turca, encontram, no dia a dia, motivos para olhar com desconfiança um mundo que, ao tempo da Guerra Fria, considerou o país um útil aliado estratégico no seio da NATO e que agora, fruto de novos ou renovados receios, parece rejeitar a sua aproximação.
No passado fim de semana, fui confrontado, aqui em França, com dois elementos interessantes para ajudar a reflectir sobre esta temática.
O primeiro foi um artigo de Tariq Ramadan, no "Le Monde", cujo conteúdo me parece importante ser bem reflectido e que pode ser lido aqui. Ramadan é um intelectual islâmico, de nacionalidade suíça, que conheci em 2002, em Portugal, num colóquio organizado pela Universidade Nova de Lisboa, dedicado ao tema do terrorismo, em que ambos interviemos. Ao longo destes anos, tem-lhe cabido o papel, por vezes muito difícil e mal compreendido, de tentar interpretar junto do mundo ocidental algumas posições muçulmanas. Pode não se concordar com teses que assume, mas sou de opinião que a sua lucidez, no seio do islamismo moderado, continua a ser da maior importância.
Um outro dado para a análise do caso turco é a exposição "Istanbul traversée", no Musée des Beaux-Arts, de Lille, uma impressionante leitura do convívio, na Turquia contemporânea, de dois tempos culturais em diálogo e imaginável conflito, mas por cuja resultante acabará por passar, com toda a certeza, o futuro daquele país, com ou sem presença na União Europeia. À entrada da exposição está uma nota muito significativa, que resume muito: "Ser ocidental, a despeito do Ocidente".
A França na literatura portuguesa (2)
"Na biblioteca, o nosso retumbante mordomo anunciava: - Sua Alteza o Grão-Duque Casimiro!
(...)
E, imediatamente, batendo com carinhosa jovialidade no ombro de Jacinto:
- E o peixe?... Preparado pela receita que mandei, hem?
Um murmúrio de Jacinto tranquilizou Sua Alteza. - Ainda bem, ainda bem! - exclamou ele, no seu vozeirão de comando. - Que eu não jantei, absolutamente não jantei! É que se está jantando deploravelmente em casa do Joseph. Mas porque se vai jantar ainda ao Joseph? Sempre que chego a Paris, pergunto: "Onde se janta agora?". Em casa do Joseph!... Qual! Não se janta! Hoje, por exemplo, galinholas... Uma peste! Não tem, não tem a noção da galinhola!
Os seus olhos azulados, de um azul sujo, rebrilhavam, alargados pela indignação:
- Paris está perdendo todas as suas superioridades. Já se não janta, em Paris!
Então, em redor, aqueles senhores concordaram, desolados. O conde de Trèves defendeu o Bignon, onde se conservavam nobres tradições. E o director do Boulevard, que se empurrava todo para Sua Alteza, atribuía a decadência da cozinha, em França, à República, ao gosto democrático e torpe pelo barato.
- No Paillard, todavia... - começou o Efraim.
- No Paillard! - gritou logo o grão-duque. - Mas os Borgonhas são tão maus! Os Borgonhas são tão maus!..."
domingo, abril 19, 2009
Politicamente correcto
Agora foi a vez de Jacques Tati, cujo cachimbo desapareceu, na publicidade que surge nas ruas de Paris à retrospectiva da sua obra, substituído por um ridículo catavento. Por este andar, admira-me mesmo que, ao sobrinho, não tenham colocado um capacete de ciclista...
Onde chegaremos no "politicamente correcto"?
Ainda Cuba
O trabalho da pintora cubana terá chamado a atenção de alguém e, com todas as devidas autorizações, quadros seus partiram para o estrangeiro, venderam-se e fizeram mesmo algum sucesso.
Com total candura, perguntei-lhe se tinha estado presente nalguma dessas exposições, fora de Cuba. A sua resposta, num tom resignado mas não ácido, como se fosse a tradução de um destino irreversível, veio com um sorriso de triste desencanto: "Não, nunca fui. E nunca irei. Sabe, eu nunca sairei daqui...".
E agora, sairá?
Militares
sábado, abril 18, 2009
La Lys
Há 20 anos que se mantém esta romagem anual, que tem vindo a ser presidida pelo embaixador de Portugal, num cerimonial com uma imensa dignidade, na presença de associações de combatentes franceses e de instituições da Comunidade portuguesa, tendo à frente o espírito generoso e empreendedor de João Marques, presidente da União Franco-Portuguesa de Richebourg.
Durante as cerimónias, parte das quais no impressionante Cemitério Militar português de Richebourg, perto de Lille, que a imagem mostra, fiz uma intervenção, como embaixador de Portugal , de cuja tradução transcrevo um extracto:
"Esta é a primeira vez que, como embaixador de Portugal em França, tomo parte na cerimónia que celebra a batalha de La Lys. Mas gostava de dizer que não estou aqui no cumprimento de uma rotina, estou aqui no cumprimento de um dever. Um dever de português e um dever de europeu.
Permitam-me que comece por uma nota pessoal. Há cerca de 40 anos visitei o cemitério de Richebourg, como simples cidadão. Vim à procura da memória daquela que foi uma aventura trágica de Portugal, uma aventura que, na minha cidade natal, Vila Real, se evocava todos os anos, no dia 9 de Abril. Sou conterrâneo daquele que ficou conhecido como o soldado Milhões, uma figura de que me recordo ainda de ter visto, cheio de condecorações no peito, na romagem anual ao monumento a Carvalho Araújo, também ele um herói português da 1ª Guerra Mundial, um valente marinheiro que deu a vida para salvar um navio de passageiros atacado por um submarino alemão.
A minha terra, a região do norte de Portugal, Trás-os-Montes, deu muitos dos soldados que hoje estão no cemitério de Richebourg. Homens que, na sua simplicidade, souberam honrar a farda que vestiram, apesar de serem protagonistas de uma derrota, mas uma derrota de uma guerra que ajudaram a vencer.
A História de Portugal, de que muito nos orgulhamos, e com a qual os portugueses hoje vivem uma relação de grande serenidade, é feita de momentos bons e outros maus, de vitórias e de derrotas. Mas não será por acaso que hoje somos um país independente, com fronteiras reconhecidas há oito séculos. Isso aconteceu porque muitos morreram pela bandeira de Portugal, no cumprimento das missões que lhes destinaram. Nas vitórias e nas derrotas.
O debate sobre a participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial não está encerrado no meu país. Para além de quantos que contestam a opção do Governo republicano de se juntar aos aliados, outros entendem que o poder político não cuidou devidamente das condições em que essa intervenção se fez e que houve decisões que fragilizaram essa mesma participação. Esse debate continua e é importante que se faça. Porquê? Para que possamos responder com verdade perante todos estes mortos, perante todas estas cruzes. É nossa responsabilidade deixar clara bem a razão porque morreram.
Mas os países e os povos não devem apenas comemorar as batalhas que venceram. As derrotas fazem parte da vida, como fazem parte da História. Por isso, os homens que estão no cemitério de Richebourg, são figuras da nossa História, figuras de que nos orgulhamos, porque vieram, bem longe do seu país, defender os valores que o seu Governo entendeu dever proteger, num tempo em que era necessário defender a liberdade da Europa. Esses homens, esses soldados, seguramente mal equipados, pouco treinados e sujeitos a um ambiente muito diferente do seu país de origem, estiveram aqui a mostrar que um país a cuja metrópole a guerra não chegara era, contudo, um país que se sentia envolvido nessa guerra. E esses homens, esses soldados, lutaram e morreram, com sacrifício mas com honra, provavelmente pouco conscientes dos valores pelos quais combatiam. O que torna ainda mais digna a sua tragédia.
Ainda no século XX, Portugal veio a travar novas guerras em África, guerras coloniais, na defesa de soluções políticas que o tempo provou estarem já fora do tempo. Outros soldados aí morreram, também com honra, também com um espírito de sacrifício que todos temos obrigação de respeitar e saudar. Como há que saudar os militares portugueses que hoje estão presentes em operações de paz, em vários cenários internacionais de risco, no cumprimento de missões determinadas pelo poder político. Todos são parte da mesma continuidade de serviço público, da mesma História.
Portugal é hoje um parceiro de corpo inteiro da comunidade internacional. Os nossos interesses estão onde estiver a defesa da paz, da estabilidade e da liberdade. Fazemos parte da NATO e da União Europeia, mantemos uma política externa baseada no diálogo, mas sempre em torno de princípios que cuidamos em preservar e promover. Nos Balcãs ou em Timor-Leste, as nossas Forças Armadas são hoje um contributo inestimável para a acção externa do país. Tal como, em 1918, aconteceu com o Exército que veio para a Flandres, com os homens que aqui deixaram a sua vida e cuja memória hoje honramos e queremos preservar."
sexta-feira, abril 17, 2009
1969
Marcello Caetano sucedera a Salazar, em Setembro do ano anterior. Nos primeiros tempos, a esperança de uma abertura na rigidez tradicional do regime estendeu-se a alguns sectores, seduzidos pela imagem mais liberal que Caetano cultivara, precisamente pelo seu apoio relativo à luta estudantil em 1962, que o distanciara de Salazar. Porém, muitos perceberam, desde cedo, que o novo chefe do Governo não tinha vontade e força anímica para forçar um sério movimento de liberalização política e que a sua indisponibilidade para enfrentar a questão colonial continuava a ser um insuperável factor bloqueante para qualquer evolução.
1969 será também o ano em que irão ter lugar eleições para a Assembleia Nacional, com listas oposicionistas a serem autorizadas a concorrer, embora em condições de manifesta desigualdade de oportunidades, com nenhum acesso à rádio e à televisão, com muito limitada divulgação de actividades e projectos nos jornais. Nem um só deputado da oposição conseguiu ser eleito, num escrutínio que a comunidade internacional rejeitou, por irregular.
Nas listas da União Nacional ingressará, contudo, uma "ala liberal" (com Pinto Leite, Sá Carneiro, Miller Guerra e alguns outros), com figuras que, na sua esmagadora maioria, o tempo viria a afastar de Marcello Caetano, com maior ou menor fragor político.
Para se dar ares de mudança, a "evolução na continuidade" de Marcello Caetano alterou alguns nomes: a União Nacional passou a "Acção Nacional Popular", a Censura Prévia passou a "Exame Prévio" e a sinistra PIDE passou a chamar-se "Direcção-Geral de Segurança". O regime dava mostras de só conseguir fazer uma "revolução" semântica. Teria, assim, de haver quem fizesse um outro tipo de revolução: por isso, cinco anos depois, aconteceu o 25 de Abril.
Coincidências (2)
quinta-feira, abril 16, 2009
Partisans
O pretexto para esta nota poderia ser a passagem de Druon por Lisboa, em fins de 1942, após ter saído clandestinamente da França ocupada. Foi uma jornada com o também escritor Joseph Kessel, no caminho para se juntarem ao general De Gaulle. Apanharam um hidroavião no Tejo, para Londres, depois de uma travessia épica da fronteira luso-espanhola, sob neve, durante a qual ambos declamaram clássicos franceses, para entreter o tempo.
Mas hoje apetece-me lembrar que, também com Kassel, Druon foi autor da letra do magnífico "Chant des Partisans", com música de Anna Marly, que é considerada a mais marcante canção da resistência francesa, de que se pode ouvir aqui uma versão. Sempre tive a curiosidade de saber como é que o agora ultraconservador Druon vivia o facto de ser co-autor do poema de um dos hinos mais revolucionários de sempre.
Queluz
Salazar chegou bem antes do presidente português e do convidado estrangeiro deste. Era, cumulativamente com o cargo de chefe do executivo, ministro dos Negócios Estrangeiros e tinha um cuidado pessoal com estas ocasiões solenes. Mesureiro e conhecedor do seu sentido de pormenor, o chefe do protocolo, cavalgando a oportunidade do bom trabalho feito, inquiriu se o senhor presidente do Conselho quereria dar uma vista de olhos à sala, antes de o jantar começar. Salazar disse que sim.
Lá chegados, o diplomata não resistiu e perguntou: "O senhor presidente do Conselho acha que está tudo bem? Gosta da toalha que escolhemos? Fomos buscá-la à Ajuda...". Salazar esboçou um sorriso, entre o cínico e o irritado, e respondeu: "Muito bem, está tudo muito bem. E a toalha é linda. Pena foi que a tivessem posto do avesso...".
Esta é uma história clássica no Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Hoje, aqui na Haia
Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...