terça-feira, abril 21, 2009

Canções de Abril (1)

Nesta semana em que se comemoram os 35 anos do 25 de Abril de 1974, será curioso revisitar o "Venham mais Cinco", uma das canções que marcaram essa data.

Ouça aqui.

segunda-feira, abril 20, 2009

Voltaire e Lisboa

Como modesta homenagem ao mortos de Aquila, em Itália, vale a pena lembrar um extracto do "Poème sur le Désastre de Lisbonne", que Voltaire publicou em 1756, no ano seguinte ao terramoto que devastou a capital portuguesa. Esse texto serviu de pretexto para o filósofo se opor a quantos viam no acontecimento um mero reflexo inelutável da vontade divina


O malheureux mortels! ô terre déplorable!
O de tous les mortels assemblage effroyable!
D'inutiles douleurs éternel entretien!
Philosophes trompés qui criez: "Tout est bien"
Accourez, contemplez ces ruines affreuses
Ces débris, ces lambeaux, ces cendres malheureuses,
Ces femmes, ces enfants l'un sur l'autre entassés,
Sous ces marbres rompus ces membres dispersés;
Cent mille infortunés que la terre dévore,
Qui, sanglants, déchirés, et palpitants encore,
Enterrés sous leurs toits, terminent sans secours
Dans l'horreur des tourments leurs lamentables jours!
Aux cris demi-formés de leurs voix expirantes,
Au spectacle effrayant de leurs cendres fumantes,
Direz-vous: "C'est l'effet des éternelles lois
Qui d'un Dieu libre et bon nécessitent le choix"?
Direz-vous, en voyant cet amas de victimes:
"Dieu s'est vengé, leur mort est le prix de leurs crimes"?
Quel crime, quelle faute ont commis ces enfants
Sur le sein maternel écrasés et sanglants?
Lisbonne, qui n'est plus, eut-elle plus de vices
Que Londres, que Paris, plongés dans les délices?
Lisbonne est abîmée, et l'on danse à Paris.

Tranquilles spectateurs, intrépides esprits,
De vos frères mourants contemplant les naufrages,
Vous recherchez en paix les causes des orages:
Mais du sort ennemi quand vous sentez les coups,
Devenus plus humains, vous pleurez comme nous.
Croyez-moi, quand la terre entrouvre ses abîmes
Ma plainte est innocente et mes cris légitimes
Partout environnés des cruautés du sort,
Des fureurs des méchants, des pièges de la mort
De tous les éléments éprouvant les atteintes,
Compagnons de nos maux, permettez-nous les plaintes.
C'est l'orgueil, dites-vous, l'orgueil séditieux,
Qui prétend qu'étant mal, nous pouvions être mieux.
Allez interroger les rivages du Tage;
Fouillez dans les débris de ce sanglant ravage;
Demandez aux mourants, dans ce séjour d'effroi
Si c'est l'orgueil qui crie "O ciel, secourez-moi!
O ciel, ayez pitié de l'humaine misère!"
"Tout est bien, dites-vous, et tout est nécessaire."
Quoi! l'univers entier, sans ce gouffre infernal
Sans engloutir Lisbonne, eût-il été plus mal?



A Turquia e a Europa

A questão da relação da Turquia com a União Europeia permanece um tema muito divisivo.

Há quem considere que a Turquia, pela sua história e pela sua génese sócio-política, faz parte de um outro mundo e que, por essa mesma razão, o seu lugar terá de ser sempre fora da União Europeia, embora mantendo com ela um estatuto de grande proximidade.

Outros, porém, defendem que não parece congruente continuar a discutir com Ancara, como tem vindo a acontecer, diversos capítulos negociais que pressupõem o caminho para um processo de adesão, quando, ao mesmo tempo, se alerta, desde já, para a impossibilidade de se chegar ao termo desse processo - isto é, à adesão plena da Turquia à União Europeia. Essa é a posição portuguesa.

Implícita ou explícita neste debate está, muitas vezes, a questão religiosa, que em certos sectores europeus, desde há muito, se erigiu como um factor de bloqueio da maior importância. Também aqui, as visões europeias divergem bastante, embora muitos não tenham a coragem de assumir estas suas reais motivações.

Talvez só tempo possa tornar as diversas posições menos rígidas, embora me pareça evidente que, se vier a dar-se a fixação de um sentimento de hostilização europeia face à Turquia, isso pode vir a ter um efeito de perda de estímulo a quantos, naquele país, levam a cabo uma séria e corajosa luta no sentido de o aproximar dos padrões que hoje são comuns aos restantes Estadoss europeus. Por outro lado, isso também pode vir a gerar o indesejável reforço dos que, na sociedade turca, encontram, no dia a dia, motivos para olhar com desconfiança um mundo que, ao tempo da Guerra Fria, considerou o país um útil aliado estratégico no seio da NATO e que agora, fruto de novos ou renovados receios, parece rejeitar a sua aproximação.

No passado fim de semana, fui confrontado, aqui em França, com dois elementos interessantes para ajudar a reflectir sobre esta temática.

O primeiro foi um artigo de Tariq Ramadan, no "Le Monde", cujo conteúdo me parece importante ser bem reflectido e que pode ser lido aqui. Ramadan é um intelectual islâmico, de nacionalidade suíça, que conheci em 2002, em Portugal, num colóquio organizado pela Universidade Nova de Lisboa, dedicado ao tema do terrorismo, em que ambos interviemos. Ao longo destes anos, tem-lhe cabido o papel, por vezes muito difícil e mal compreendido, de tentar interpretar junto do mundo ocidental algumas posições muçulmanas. Pode não se concordar com teses que assume, mas sou de opinião que a sua lucidez, no seio do islamismo moderado, continua a ser da maior importância.

Um outro dado para a análise do caso turco é a exposição "Istanbul traversée", no Musée des Beaux-Arts, de Lille, uma impressionante leitura do convívio, na Turquia contemporânea, de dois tempos culturais em diálogo e imaginável conflito, mas por cuja resultante acabará por passar, com toda a certeza, o futuro daquele país, com ou sem presença na União Europeia. À entrada da exposição está uma nota muito significativa, que resume muito: "Ser ocidental, a despeito do Ocidente".

A França na literatura portuguesa (2)

Restaurant Paillard

Extracto de "A Cidade e as Serras", de Eça de Queirós

"Na biblioteca, o nosso retumbante mordomo anunciava: - Sua Alteza o Grão-Duque Casimiro!
(...)
E, imediatamente, batendo com carinhosa jovialidade no ombro de Jacinto:
- E o peixe?... Preparado pela receita que mandei, hem?
Um murmúrio de Jacinto tranquilizou Sua Alteza.
- Ainda bem, ainda bem! - exclamou ele, no seu vozeirão de comando. - Que eu não jantei, absolutamente não jantei! É que se está jantando deploravelmente em casa do Joseph. Mas porque se vai jantar ainda ao Joseph? Sempre que chego a Paris, pergunto: "Onde se janta agora?". Em casa do Joseph!... Qual! Não se janta! Hoje, por exemplo, galinholas... Uma peste! Não tem, não tem a noção da galinhola!
Os seus olhos azulados, de um azul sujo, rebrilhavam, alargados pela indignação:

- Paris está perdendo todas as suas superioridades. Já se não janta, em Paris!

Então, em redor, aqueles senhores concordaram, desolados. O conde de Trèves defendeu o Bignon, onde se conservavam nobres tradições. E o director do
Boulevard, que se empurrava todo para Sua Alteza, atribuía a decadência da cozinha, em França, à República, ao gosto democrático e torpe pelo barato.
- No Paillard, todavia... - começou o Efraim.
- No Paillard! - gritou logo o grão-duque. - Mas os Borgonhas são tão maus! Os Borgonhas são tão maus!..."

domingo, abril 19, 2009

Politicamente correcto

Há anos, foi Lucky Luke, a quem tiraram o cigarro pendente da boca, substituído por um qualquer vegetal.

Agora foi a vez de Jacques Tati, cujo cachimbo desapareceu, na publicidade que surge nas ruas de Paris à retrospectiva da sua obra, substituído por um ridículo catavento. Por este andar, admira-me mesmo que, ao sobrinho, não tenham colocado um capacete de ciclista...

Onde chegaremos no "politicamente correcto"?

Ainda Cuba

Era uma casa muito modesta, em La Habana, à qual cheguei por indicação de amigos, há cerca de dois anos. A proprietária era uma pintora, na casa dos 40, antiga funcionária de uma bomba de gasolina, que, anos antes, descobrira a sua vocação e se decidira a uma carreira nas artes. Para o meu olhar de leigo, a sua pintura denotava uma qualidade potencial que, se melhor educada, poderia ter condições para vir a evoluir bastante.

O trabalho da pintora cubana terá chamado a atenção de alguém e, com todas as devidas autorizações, quadros seus partiram para o estrangeiro, venderam-se e fizeram mesmo algum sucesso.

Com total candura, perguntei-lhe se tinha estado presente nalguma dessas exposições, fora de Cuba. A sua resposta, num tom resignado mas não ácido, como se fosse a tradução de um destino irreversível, veio com um sorriso de triste desencanto: "Não, nunca fui. E nunca irei. Sabe, eu nunca sairei daqui...".

E agora, sairá?

Militares

O "Expresso" escandaliza-se hoje com o facto do Vaticano, na publicitação da santificação de Nuno Álvares Pereira, se ter referido ao militar de Aljubarrota como "Alvarez".

Esta exigência de rigor contrasta, no obituário inserido no verso da mesma folha do jornal, com um erro bem mais crasso: chama "Avelino Pereira" ao também militar Aventino Teixeira.

sábado, abril 18, 2009

Português

Por influência de Angola, a língua portuguesa vai ser ensinada nas escolas primárias da Zâmbia.

É uma boa notícia. Assim começa um tempo em que os países africanos que falam português passam a assumir plenamente a bandeira da promoção externa da nossa língua comum.

La Lys

Tiveram hoje lugar as comemorações da batalha de La Lys, na qual as tropas do Corpo Expedicionário Português perderam, apenas em 9 de Abril de 1918, cerca de 7.500 homens, durante a sua participação na 1ª Guerra Mundial.

Há 20 anos que se mantém esta romagem anual, que tem vindo a ser presidida pelo embaixador de Portugal, num cerimonial com uma imensa dignidade, na presença de associações de combatentes franceses e de instituições da Comunidade portuguesa, tendo à frente o espírito generoso e empreendedor de João Marques, presidente da União Franco-Portuguesa de Richebourg.

Durante as cerimónias, parte das quais no impressionante Cemitério Militar português de Richebourg, perto de Lille, que a imagem mostra, fiz uma intervenção, como embaixador de Portugal , de cuja tradução transcrevo um extracto:

"Esta é a primeira vez que, como embaixador de Portugal em França, tomo parte na cerimónia que celebra a batalha de La Lys. Mas gostava de dizer que não estou aqui no cumprimento de uma rotina, estou aqui no cumprimento de um dever. Um dever de português e um dever de europeu.

Permitam-me que comece por uma nota pessoal. Há cerca de 40 anos visitei o cemitério de Richebourg, como simples cidadão. Vim à procura da memória daquela que foi uma aventura trágica de Portugal, uma aventura que, na minha cidade natal, Vila Real, se evocava todos os anos, no dia 9 de Abril. Sou conterrâneo daquele que ficou conhecido como o soldado Milhões, uma figura de que me recordo ainda de ter visto, cheio de condecorações no peito, na romagem anual ao monumento a Carvalho Araújo, também ele um herói português da 1ª Guerra Mundial, um valente marinheiro que deu a vida para salvar um navio de passageiros atacado por um submarino alemão.

A minha terra, a região do norte de Portugal, Trás-os-Montes, deu muitos dos soldados que hoje estão no cemitério de Richebourg. Homens que, na sua simplicidade, souberam honrar a farda que vestiram, apesar de serem protagonistas de uma derrota, mas uma derrota de uma guerra que ajudaram a vencer.

A História de Portugal, de que muito nos orgulhamos, e com a qual os portugueses hoje vivem uma relação de grande serenidade, é feita de momentos bons e outros maus, de vitórias e de derrotas. Mas não será por acaso que hoje somos um país independente, com fronteiras reconhecidas há oito séculos. Isso aconteceu porque muitos morreram pela bandeira de Portugal, no cumprimento das missões que lhes destinaram. Nas vitórias e nas derrotas.

O debate sobre a participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial não está encerrado no meu país. Para além de quantos que contestam a opção do Governo republicano de se juntar aos aliados, outros entendem que o poder político não cuidou devidamente das condições em que essa intervenção se fez e que houve decisões que fragilizaram essa mesma participação. Esse debate continua e é importante que se faça. Porquê? Para que possamos responder com verdade perante todos estes mortos, perante todas estas cruzes. É nossa responsabilidade deixar clara bem a razão porque morreram.

Mas os países e os povos não devem apenas comemorar as batalhas que venceram. As derrotas fazem parte da vida, como fazem parte da História. Por isso, os homens que estão no cemitério de Richebourg, são figuras da nossa História, figuras de que nos orgulhamos, porque vieram, bem longe do seu país, defender os valores que o seu Governo entendeu dever proteger, num tempo em que era necessário defender a liberdade da Europa. Esses homens, esses soldados, seguramente mal equipados, pouco treinados e sujeitos a um ambiente muito diferente do seu país de origem, estiveram aqui a mostrar que um país a cuja metrópole a guerra não chegara era, contudo, um país que se sentia envolvido nessa guerra. E esses homens, esses soldados, lutaram e morreram, com sacrifício mas com honra, provavelmente pouco conscientes dos valores pelos quais combatiam. O que torna ainda mais digna a sua tragédia.

Ainda no século XX, Portugal veio a travar novas guerras em África, guerras coloniais, na defesa de soluções políticas que o tempo provou estarem já fora do tempo. Outros soldados aí morreram, também com honra, também com um espírito de sacrifício que todos temos obrigação de respeitar e saudar. Como há que saudar os militares portugueses que hoje estão presentes em operações de paz, em vários cenários internacionais de risco, no cumprimento de missões determinadas pelo poder político. Todos são parte da mesma continuidade de serviço público, da mesma História.

Portugal é hoje um parceiro de corpo inteiro da comunidade internacional. Os nossos interesses estão onde estiver a defesa da paz, da estabilidade e da liberdade. Fazemos parte da NATO e da União Europeia, mantemos uma política externa baseada no diálogo, mas sempre em torno de princípios que cuidamos em preservar e promover. Nos Balcãs ou em Timor-Leste, as nossas Forças Armadas são hoje um contributo inestimável para a acção externa do país. Tal como, em 1918, aconteceu com o Exército que veio para a Flandres, com os homens que aqui deixaram a sua vida e cuja memória hoje honramos e queremos preservar."

sexta-feira, abril 17, 2009

1969

Foto do Causa Nossa

Foi há 40 anos. Os estudantes de Coimbra entraram em luta e o ano de 1969, também por essa razão, iria transformar-se num tempo de grande tensão política em Portugal.

Marcello Caetano sucedera a Salazar, em Setembro do ano anterior. Nos primeiros tempos, a esperança de uma abertura na rigidez tradicional do regime estendeu-se a alguns sectores, seduzidos pela imagem mais liberal que Caetano cultivara, precisamente pelo seu apoio relativo à luta estudantil em 1962, que o distanciara de Salazar. Porém, muitos perceberam, desde cedo, que o novo chefe do Governo não tinha vontade e força anímica para forçar um sério movimento de liberalização política e que a sua indisponibilidade para enfrentar a questão colonial continuava a ser um insuperável factor bloqueante para qualquer evolução.

1969 será também o ano em que irão ter lugar eleições para a Assembleia Nacional, com listas oposicionistas a serem autorizadas a concorrer, embora em condições de manifesta desigualdade de oportunidades, com nenhum acesso à rádio e à televisão, com muito limitada divulgação de actividades e projectos nos jornais. Nem um só deputado da oposição conseguiu ser eleito, num escrutínio que a comunidade internacional rejeitou, por irregular.

Nas listas da União Nacional ingressará, contudo, uma "ala liberal" (com Pinto Leite, Sá Carneiro, Miller Guerra e alguns outros), com figuras que, na sua esmagadora maioria, o tempo viria a afastar de Marcello Caetano, com maior ou menor fragor político.

Para se dar ares de mudança, a "evolução na continuidade" de Marcello Caetano alterou alguns nomes: a União Nacional passou a "Acção Nacional Popular", a Censura Prévia passou a "Exame Prévio" e a sinistra PIDE passou a chamar-se "Direcção-Geral de Segurança". O regime dava mostras de só conseguir fazer uma "revolução" semântica. Teria, assim, de haver quem fizesse um outro tipo de revolução: por isso, cinco anos depois, aconteceu o 25 de Abril.

Coincidências (2)

No dia em que se ficou a saber que a Rússia considera ter terminado a sua operação "antiterrorista" na Chechénia, a NATO anuncia ter convidado Moscovo para participar nas manobras que efectuará no território da Geórgia.

quinta-feira, abril 16, 2009

Partisans

Morreu ontem, em Paris, o escritor e político Maurice Druon. Resistente à ocupação nazi, viria a ser ministro da Cultura de George Pompidou. Na Académie Française assumiu uma crescente deriva conservadora, que foi marcando a sua bela escrita e os seus actos de vida. Ficou famosa a sua rejeição à entrada das mulheres na instituição, titulando a obstrução - felizmente, sem sucesso - a Marguerite Duras.

O pretexto para esta nota poderia ser a passagem de Druon por Lisboa, em fins de 1942, após ter saído clandestinamente da França ocupada. Foi uma jornada com o também escritor Joseph Kessel, no caminho para se juntarem ao general De Gaulle. Apanharam um hidroavião no Tejo, para Londres, depois de uma travessia épica da fronteira luso-espanhola, sob neve, durante a qual ambos declamaram clássicos franceses, para entreter o tempo.

Mas hoje apetece-me lembrar que, também com Kassel, Druon foi autor da letra do magnífico "Chant des Partisans", com música de Anna Marly, que é considerada a mais marcante canção da resistência francesa, de que se pode ouvir aqui uma versão. Sempre tive a curiosidade de saber como é que o agora ultraconservador Druon vivia o facto de ser co-autor do poema de um dos hinos mais revolucionários de sempre.

Dragão

Há muito de português, bem suave, na íntima compensação que encontramos pelo facto de ser algo pátrio o golo que derrotou o Porto.

Queluz

Era um jantar de gala no Palácio de Queluz. Um rei ou um presidente estrangeiro estava em visita de Estado a Portugal. O protocolo esmerou-se em ter a imensa mesa com grandioso aspecto, belos candelabros e talheres de prata, o serviço de pratos mais requintado, tudo sobre uma toalha magnífica, só usada nas grandes ocasiões. Demorou horas a colocar tudo em ordem, mas o cenário era deslumbrante.

Salazar chegou bem antes do presidente português e do convidado estrangeiro deste. Era, cumulativamente com o cargo de chefe do executivo, ministro dos Negócios Estrangeiros e tinha um cuidado pessoal com estas ocasiões solenes. Mesureiro e conhecedor do seu sentido de pormenor, o chefe do protocolo, cavalgando a oportunidade do bom trabalho feito, inquiriu se o senhor presidente do Conselho quereria dar uma vista de olhos à sala, antes de o jantar começar. Salazar disse que sim.

Lá chegados, o diplomata não resistiu e perguntou: "O senhor presidente do Conselho acha que está tudo bem? Gosta da toalha que escolhemos? Fomos buscá-la à Ajuda...". Salazar esboçou um sorriso, entre o cínico e o irritado, e respondeu: "Muito bem, está tudo muito bem. E a toalha é linda. Pena foi que a tivessem posto do avesso...".

Esta é uma história clássica no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

quarta-feira, abril 15, 2009

A França na literatura portuguesa (1)

Manuel Alegre

PORTUGAL EM PARIS


Solitário
por entre a gente eu vi o meu país.
Era um perfil
de sal
e abril.
Era um puro país azul e proletário.
Anónimo passava. E era Portugal
que passava por entre a gente e solitário
nas ruas de Paris

Vi minha pátria derramada
na Gare de Austerlitz. Eram cestos
e cestos pelo chão. Pedaços
do meu país.
Restos.
Braços.
Minha pátria sem nada
sem nada
despejada nas ruas de Paris.

E o trigo?
E o mar?
Foi a terra que não te quis
ou alguém que roubou as flores de abril?
Solitário por entre a gente caminhei contigo
os olhos longe como o trigo e o mar.
Éramos cem duzentos mil?
E caminhávamos. Braços e mãos para alugar
meu Portugal nas ruas de Paris.

(1967)

terça-feira, abril 14, 2009

Joe, the economist

Georgios Papandreou, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da Grécia e actual líder da oposição, organiza umas jornadas anuais de reflexão sobre política internacional, o Symi Symposium, para as quais convida amigos de cada país, num total de cerca de 20, com composição quase sempre diferenciada. Tive o ensejo de integrar vários desses encontros, realizados durante uma semana, sempre em lugares diferentes da Grécia, e que são excelentes momentos para análise da conjuntura.

Num dos anos em que participei, estava presente um americano, de que apenas me lembrava vagamente de ter lido alguns artigos na imprensa, cujas intervenções nas sessões foram brilhantes e acutilantes. Chamávamos-lhe simplesmente Joe, era antigo director no Banco Mundial e com ele estabeleci, desde o primeiro momento, uma relação pessoal muito simpática. Isso fez com que, no regresso por Atenas, com as respectivas mulheres, tivéssemos organizado uma divertida jantarada na Plaka. Trocámos cartões e, como, à época, ambos vivíamos em Nova Iorque, ficámos de nos ver.

Poucos meses passaram e, um dia, recebo um e-mail da organização do Symi Symposium alertando-me para a necessidade de darmos parabéns ao Joe. Acabara de ser-lhe atribuído o Prémio Nobel da Economia: era Joseph Stiglitz, que viria a ser um dos mais marcantes críticos da administração Bush.

Dias depois, fui convidado para sua casa, no Upper West Side, em Nova Iorque, para um lançamento privado do celebérrimo "Globalization and its Discontents", e tive-o a jantar na minha, com Jorge Sampaio, numa noite em que nos deslumbrou com o seu brilho.

Por esta historieta se pode ver bem a desvantagem de se ser um embaixador com limitado conhecimento do mundo da grande economia mundial. E que o confessa, sem a menor dificuldade.

A área política republicana criou, no âmbito da campanha presidencial de John McCain, a figura de "Joe, the plumber", uma espécie de caricatura do americano médio. Obama pôde contar, no seu grupo de apoiantes, com este magnífico "Joe, the economist". E ganhou, claro.

Autismo

"As expressões “autista” e “autismo” deixarão de ser usadas na retórica parlamentar, à luz de um acordo a que chegaram hoje os líderes parlamentares" da Assembleia da República portuguesa, informa o Público.

Percebe-se e saúda-se a preocupação de procurar colocar as palavras nos seus contextos específicos, particularmente quando se trata de temáticas de grande sensibilidade. Mas, com o devido respeito aos nossos eleitos, não estaremos a ir longe demais no "politicamente correcto"?

Expressões como "cegueira", "paralisia", “surdo” ou “doido” são utilizadas comummente sem qualquer intenção ofensiva ou desrespeitosa. Por esse mesmo critério, deveríamos começar a eliminá-las do nosso vocabulário corrente. E essas são palavras que me ocorrem no momento. Outras seguramente haverá em idênticas condições.

Mas concedo que possa ser eu que estou errado, pelo que estou aberto a ser convencido.

Hubert Védrine

Hubert Védrine foi ministro dos Negócios Estrangeiros de França, durante o governo Jospin. Antes, havia sido íntimo colaborador de François Mitterrand, em torno de cuja figura fez um livro que considero essencial para melhor se perceber o antigo presidente - "Les Mondes de François Mitterrand".

É um homem sereno, que pensa a política externa com grande cuidado, sublinhando as vantagens de olhar os tempos em perspectiva, evitando juízos radicais ou moralistas, mas não caindo nunca num relativismo de "realpolitik".

Conheci-o bem quando, ao tempo em que ele era homólogo de Jaime Gama, nos cruzámos em dezenas de horas de reuniões, nos idos de 90, e, em especial, no processo de sucessão das presidências portuguesa e francesa, em 2000. Foram tempos complexos, em que nem sempre estivemos de acordo, antes pelo contrário. Mas guardámos uma excelente relação pessoal, que prolongámos em encontros em Nova Iorque.

Tivemos um almoço, há dias. Védrine, que há uns anos criou o termo "hiperpotência" para designar os EUA, tem hoje uma leitura expectante, mas não deslumbrada, de Obama, do novo estilo de liderança americana que alguém, por aqui, qualificou há dias de "modéstia tranquila". Tem também uma reflexão interessante sobre a inquietante não homologia entre a multipolaridade do G20 e o mundo multilateral. E incita a que observemos, com prioridade, a evolução da China e a hipótese de, a prazo, se vir a criar um irónico "G2" (EUA e China), com a Europa a ver navios...

Cuba

Que pena que o novo presidente americano não tenha aproveitado para pôr fim ao embargo comercial a Cuba!

segunda-feira, abril 13, 2009

Parlamento Europeu

As eleições para o Parlamento Europeu nunca foram, em Portugal, um momento muito mobilizador do eleitorado. As percentagens da abstenção neste tipo de eleições acabaram sempre por ser muito elevadas, a demonstrar que aquela instituição não desperta entre nós uma especial atenção. No que, aliás, não divergimos muito do resto da Europa.

Contudo, a importância do Parlamento Europeu é cada vez maior para a nossa vida colectiva. O Parlamento tem vindo a ganhar força a cada revisão dos Tratados europeus e os seus equilíbrios internos pesam decisivamente na formatação de legislação que, posteriormente, é convertida em leis nacionais. À partida, os 24 deputados portugueses não parecem ser um número capaz de marcar decisivamente o destino do voto de mais de 700 parlamentares. As coisas, porém, não são bem assim: alguns deputados, pelo seu activismo, em especial nas comissões especializadas, conseguem ter um papel de relevo e de influência. Refiro-me, claro, aos que trabalham, não aos que escolhem o destino político de Estrasburgo e Bruxelas apenas como uma rentável e cosmopolita sinecura.

Recordo-me, ao tempo em que andei noutras tarefas, de dois presidentes de comissões especializadas do Parlamento Europeu me terem pedido para que convencesse parlamentares portugueses, membros dessas mesmas comissões, a ... comparecerem às reuniões, com vista a reforçar posições que eles, ainda que doutras nacionalidades, reconheciam como importantes para a defesa de interesses portugueses que estavam em jogo. E, com gosto, também me lembro de ouvir fartos elogios a outros deputados portugueses, pela sua actividade, interesse e eficácia nos trabalhos. Em ambos os casos, a cor política dos deputados era completamente indiferente.

Porque a Europa está cada vez mais exigente, porque é vital para Portugal indicar pessoas qualificadas para as instituições europeias, seria da maior importância que, das próximas eleições para o Parlamento Europeu, viesse a resultar um conjunto motivado e eficaz de deputados, experientes, com capacidade de intervenção e qualificação técnica para influírem nas decisões que irão ser tomadas nos próximos anos. Como cidadão, entendo até que seria interessante se, pela primeira vez, fosse possível garantir, com a necessária visibilidade pública, o seu compromisso individual de prestação regular de contas em Portugal pelo trabalho que irão (ou não) executar. O Parlamento Europeu é uma instituição que não é susceptível de ser dissolvida, os seus deputados - quer trabalhem, quer não - ficam no cargo por um período de cinco anos e quem os elegeu raramente tem a mais leve ideia do que eles andam por lá a fazer. E alguns até fazem muito, acreditem!

Se alguém pudesse dedicar-se, em Portugal, à criação de um "Observatório do Parlamento Europeu", com um painel independente de especialistas que pudesse efectuar um regular escrutínio do trabalho dos nossos deputados, com divulgação assegurada por órgãos de comunicação social, que bom seria! Excepto para alguns, claro, que provavelmente virão com a conversa de que uma iniciativa dessas configuraria um demagógico acto de populismo anti-instituições. Pois...

Hoje, aqui na Haia

Uma conversa em público com o antigo ministro Jan Pronk, uma grande figura da vida política holandesa, recordando o Portugal de Abril e os a...